Publicado em 15 de novembro de 2024 às 08:44
A demanda pelo fim da escala 6x1 — em que as pessoas trabalham seis dias por semana, com folga de um dia — ganhou impulso esta semana, depois que a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) anunciou ter conseguido assinaturas suficientes para fazer sua proposta avançar no Congresso.>
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de Hilton não pretende apenas acabar com a escala 6x1, mas implementar no Brasil uma semana de trabalho de quatro dias por semana , também conhecida como escala 4x3.>
O texto defende uma mudança na jornada de trabalho brasileira, com "duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 36 horas semanais, com jornada de trabalho de 4 dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho".>
A proposta de Hilton altera dois pontos do inciso 13 do artigo 7º da Constituição atualmente em vigor:>
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"Na Europa de modo geral, as pessoas trabalham cinco dias por semana. Não é frequente a semana de seis dias", disse à BBC News Brasil Thomas Coutrot, pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais, em Paris, autor de diversos livros sobre políticas trabalhistas e ex-economista do Ministério do Trabalho e Emprego da França. >
Por outro lado, ele afirma que a semana com apenas quatro dias de trabalho também ainda não foi implementada com sucesso em nenhum país.>
"É um movimento minoritário, com poucas empresas e serviços públicos que implementaram a semana de quatro dias. Mas existe uma certa popularidade da opinião pública, na Europa pelo menos.">
A escala 4x3, como propõe a PEC, enfrenta muita resistência entre empresários, diz Coutrot.>
Ele afirma que ainda são poucos os casos na França de empresas que resolveram adotar a semana de quatro dias por conta própria, sem mudanças na lei. Um dos setores em que isso aconteceu é no de restaurantes de alta culinária.>
"Nesse setor, muitos têm dificuldade de achar pessoal qualificado. Para atrair esses profissionais, eles decidiram fechar três dias por semana", explica.>
O maior esforço nesse sentido tem sido com projetos pilotos promovidos pela entidade internacional 4 Day Week Global, que defende a implementação da jornada de trabalho com quatro dias por semana.>
A proposta de Erika Hilton cita um desses pilotos que foi realizado no Brasil no ano passado — mas com apenas 22 empresas.>
"É possível observar menor número de faltas dos empregados e produtividade em alta, em razão da adoção de estratégias de organizações funcionais para o modelo da empresa", diz o projeto da deputada.>
Além do Brasil, houve pilotos da 4 Day Week em outros 13 países: Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Alemanha, Suécia, Holanda, África do Sul, Índia, Chile, Itália, Noruega, Bélgica e Suíça.>
Em pelo menos dois desses países, Bélgica e Chile, houve depois passos mais concretos em direção à jornada de quatro dias por semana.>
Na Bélgica, o primeiro país da Europa a legislar sobre o assunto, os trabalhadores ganharam em fevereiro de 2022 o direito de realizar uma semana de trabalho completa em quatro dias em vez de cinco, sem perda de salário.>
No entanto, os belgas não têm a opção de trabalhar menos horas por semana. A lei permite apenas que eles condensem a carga horária semanal em menos dias por semana — o que para muitos significa quatro dias com 9,5 horas de trabalho.>
A 4 Day Week reconhece que a semana de quatro dias ainda é uma experiência limitada no país, apesar da mudança na legislação.>
A organização cita dados da consultoria Acerta, segundo a qual, no final de outubro de 2023, 1,9% das companhias na Bélgica empregavam pessoas com uma semana de trabalho de quatro dias. >
"Vemos alguma movimentação no mercado de trabalho como resultado dessa iniciativa, mas o sucesso continua relativamente limitado", afirma a 4 Day Week em seu site.>
No Chile, a lei permite a semana de trabalho de quatro dias desde 2017. No entanto, é preciso haver um acordo entre empregadores e sindicatos que representem mais de 30% dos trabalhadores da empresa.>
"Embora vários anos tenham se passado, a verdade é que a semana de quatro dias não se popularizou no Chile por diferentes razões", afirma a 4 Day Week, citando a desinformação e o fato de que muitos sindicatos não atingem o requisito previsto pela lei.>
Entretanto, para Coutrot, existe uma simpatia da opinião pública com a ideia de se trabalhar menos dias por semana.>
"Houve uma degradação nas condições de trabalho e intensificação, nos últimos vinte anos. O que percebemos foi uma perda de sentido do trabalho. O trabalho hoje é muito voltado para algo burocratizado, organizado através de algoritmos, metas numéricas, objetivos quantitativos — coisas que não fazem muito sentido para muitos trabalhadores.">
Mas, segundo ele, existe resistência do empresariado. E além disso, há também funcionários que acabam trabalhando mais horas por querer aumentar seus rendimentos.>
No caso da Grécia, o governo aprovou leis neste ano que permitem que as pessoas trabalhem em uma escala 6x1 — como a que o Brasil discute abolir. No entanto, a lei de lá prevê que, no sexto dia, os trabalhadores ganhem 40% a mais por hora trabalhada.>
Em outros países, existe uma pressão maior por parte da classe trabalhadora, mas isso não tem se traduzido em mudanças na lei.>
"Na Alemanha, os sindicatos têm pleiteado a semana de quatro dias com bastante força nos últimos meses. Mas o governo não tem respondido com nenhuma política pública nesse sentido", afirma o economista francês.>
Na França, Coutrot observa que, em 1998, o governo reduziu a jornada de trabalho de 39 horas para 35 horas semanais — mas sem alteração no número de dias, que continua sendo de cinco por semana, na maioria dos casos. >
Na época, ele diz que de fato houve uma redução grande no número de horas trabalhadas pelos empregados.>
Quando se implementou a mudança, houve resistência do empresariado francês, que dizia que a redução da jornada de trabalho prejudicaria a economia.>
Para conseguir implementar a redução da jornada sem redução nos salários, como propõe a deputada Erika Hilton, as empresas na França passaram a conceder aumentos salariais abaixo da inflação como forma de amenizar e diluir o impacto no aumento de seus custos.>
"O que aconteceu entre 2000 e 2002 foi um congelamento de salário, que chamamos de moderação salarial. Os aumentos não acompanharam a inflação, o que ajudou as empresas a financiarem a redução da jornada. Mas os salários nominais ficaram constantes", diz Coutrot.>
O economista conta que empresas e o governo precisaram fazer ajustes para aumentar a produtividade e dar estímulos às empresas. E que, no final, houve um aumento de 300 mil empregos na economia nos quatro anos após a reforma, segundo uma estimativa oficial.>
"Houve um aumento da produtividade. As empresas se ajustaram, mudaram os tempos de intervalo. Elas conseguiram absorver o custo da redução da jornada com aumento da produtividade. E houve aumento muito grande de isenções de contribuições previdenciárias, que o governo reduziu.">
Entretanto, Coutrot diz que, mais de duas décadas depois da reforma, há sinais de que as horas trabalhadas pelos franceses está aumentando fora do que prevê a lei da jornada de trabalho, devido a pressões empresariais por mais horas trabalhadas e também pelo esforço de trabalhadores para aumentar seus rendimentos. >
No entanto, não há discussões em andamento para mudar a jornada de trabalho prevista em lei.>
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