É pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science. Neste espaço, aos sábados, traz reflexões sobre a política e a economia e aponta os possíveis caminhos para avanços possíveis nessas áreas

Jogo de perde-perde do tarifaço de Trump abre novas oportunidades para o Brasil

A crise das tarifas, para além da do indevido, ilegal e ilegítimo avanço de Trump na soberania nacional, mostrou que o Brasil tem que se afastar da ameaça da síndrome da irrelevância e colocar o bonde da tecnologia nos trilhos, vamos dizer assim.

Publicado em 02/08/2025 às 04h30

Donald Trump detonou a bomba do tarifaço.

As exceções feitas, para atender interesses americanos em mitigar perdas americanas, representam 43% das exportações do Brasil. “Meno male”. Mas o fato é que ainda há impacto muito grande sobre setores estratégicos na economia brasileira – danos ao setor industrial, por exemplo. E impacto menor nos EUA.

Segundo Samuel Pêssoa ainda haverá impacto negativo de 0,15% na taxa de crescimento estimada para 2025 – passando de 2,23% para 2,08%. Além de um impacto “ligeiramente desinflacionário” no Brasil. Nos EUA, o tarifaço afeta o consumidor americano.

Depois de 200 anos de relações diplomáticas de ganha-ganha e pragmatismo, o Brasil e os Estados Unidos inauguram jornada inédita de relações de perde-perde. Impossível prever até quando. Vêm mais petardos por aí.

Os próprios senadores brasileiros que foram dialogar nos EUA detectaram essa possibilidade real. São fortes as motivações políticas “imperiais” de Donald Trump para reverter o declínio do império americano. No caso brasileiro, ainda existe o “fator Bolsonaro”.

Para Matias Spektor, “a relação entre governos americano e brasileiro está em coma”. Agora, as exceções conquistadas foram uma resultante de costuras feitas por atores do setor privado americano. “Encontraram uma brecha e indicaram um caminho”, diz Spektor.

O perde-perde é evidente na economia e na política.

No lado econômico, o abalo das cadeias produtivas. Com efeitos no desemprego e no PIB, relevantes no Brasil. E com efeitos inflacionários nos EUA.

Especialistas estimam que o processo de recomposição das cadeias produtivas pode levar até três anos, podendo chegar a cinco anos. Aqui e lá nos EUA, já que Trump mira uma espécie de reindustrialização.

No curto prazo, no Brasil, o governo federal e os governos estaduais vão ter que ser ágeis para colocar em prática um plano de mitigação e fazer novas tentativas de buscar mais exceções.

Ao mesmo tempo, já se iniciam ações de diversificação e ampliação de mercados. Com focos como México, Cingapura, Canadá, Coreia do Sul, França e Alemanha.

Volta também à agenda econômica do Brasil o debate da abertura comercial. Há muitos anos, Edmar Bacha argumenta que “a abertura comercial é a mãe de todas as reformas”.

Significaria resultados positivos nas cadeias industrial e de serviços, melhorando a produtividade e incorporando inovações tecnológicas em seus processos e produtos. É preciso pactuar essa direção e modular uma transição, acelerando a pauta de neoindustrialização em curso.

O agronegócio brasileiro já trilha esse caminho e tornou-se esteio do crescimento do PIB do Brasil. São os efeitos que a abertura comercial provoca no aumento da concorrência, resultando em busca de produtividade e inovação tecnológica.

Já do lado político, além do perde-perde nas relações políticas Brasil-EUA, pode haver também um perde-perde na política interna brasileira.

O ex-presidente Jair Bolsonaro já teve a sua aprovação alvejada. Pesquisa do Ipespe o coloca com desaprovação de 60%, a partir da sua atitude de apoiar a guerra do tarifaço de Trumpo. São aproximadamente 95 milhões de eleitores.

Já o presidente Lula ganhou a curto prazo com a defesa da soberania. Mas segundo o Ipespe esse ganho tende a ser pequeno e pode ser curto: 50% de aprovação e 45% de desaprovação.

É preciso aguardar pelo menos mais três pesquisas para verificar a tendência.

A defesa firme da soberania e do nacionalismo contribuiu para a melhoria da aprovação de Lula. Pode contribuir ainda?

Agora, vem a hora do pós-tarifaço. A passagem da guerra de narrativas para a ação pragmática e eficaz do presidente da república, no comando das ações de mitigação. E da agenda de ampliação de mercados e de abertura comercial.

Com o tempo, os efeitos negativos do tarifaço no desemprego, nas cadeias produtivas de no PIB, poderão ser provavelmente debitados (ou não) ao chefe do executivo federal – ou seja, Lula.

Presidente Lula em evento na cidade de Minas Novas (MG), no Vale do Jequitinhonha
Presidente Lula em evento na cidade de Minas Novas (MG), no Vale do Jequitinhonha. Crédito: Ricardo Stuckert / PR

Mas vamos também lembrar das motivações estruturais de Donald Trump.

Na essência, para além da questão política e pessoal de Trump com a “questão Bolsonaro”, a tarifação tem uma motivação financeira de base: diminuir a escalada da dívida pública dos EUA e proteger o dólar como moeda global.

Sem esse “coringa” nas mãos para jogar o jogo, Trump perde poder real e poder simbólico. A dívida chega a US$ 36.2 trilhões, 120,9% do PIB americano. Déficits recorrentes.

É disso que se trata. Trump luta para reposicionar o “seu” (dele) império, tendo que contornar os problemas políticos de um país dividido ao meio. E mirando costurar e impulsionar o crescimento da direita globalmente. Daí o seu foco pessoal em Jair Bolsonaro.

A reconstrução do império americano passa também por ter relevância na era da Inteligência Artificial. O poder bélico dos EUA passa pela IA. A guerra de dissuasão requer a aceleração da república tecnológica.

Por sua vez, essa aceleração requer muito mais energia para alimentar nuvens e data centers para as big techs e para o complexo industrial militar americano. A previsão é que os data centers dos EUA cheguem a consumir, até 2028, entre 325 terawatts-hora (twh) e 580 twh.

Requer também superar restrições do mundo físico. Trata-se da escassez de chips e equipamentos para data centers, como transformadores e equipamentos de comutação. Além do acesso à energia.

A demanda está escalando por causa dos planos de IA. A revista “The Economist” resumiu a questão: “Como as grandes empresas de tecnologia planejam alimentar o apetite voraz da IA por poder”. Cada vez mais as big techs dependem de data centers.

Significa grande investimento, geração e gasto de energia e busca de novos locais físicos/geográficos para data centers. Além, é claro, de prospecção de exploração econômica de terras raras.

É aí que o Brasil pode entrar também nas questões estruturais. Energia, terras raras e espaços físicos para novos data centers, com o pressuposto de expansão das redes de cabos submarinos de fibra ótica.

A crise das tarifas, para além da do indevido, ilegal e ilegítimo avanço de Trump na soberania nacional, mostrou que o Brasil tem que se afastar da ameaça da síndrome da irrelevância e colocar o bonde da tecnologia nos trilhos, vamos dizer assim.

É uma tarefa nacional e federativa. Governos federal e estaduais, em consenso com os Três Poderes da República e, principalmente, em diálogo e parceria com empresas nacionais e internacionais.

A IA não é “apenas” uma espécie de modismo ou um bicho-papão. É uma mudança histórica de época. O Brasil tem que mirar essa questão estrutural e embarcar.

Se o país ficar prisioneiro das eleições de 2026 ainda em 2025, vamos perder o bonde da História. Mais uma vez.

Não podemos continuar no padrão voo de galinha e país de renda média.

É preciso transformar o jogo de perde-perde do tarifaço em jogo de ganha-ganha para o Brasil.

E para o Espírito Santo.

É possível sim.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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