Publicado em 14 de dezembro de 2022 às 20:10
BRASÍLIA, DF - A presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Rosa Weber, votou nesta quarta-feira (14) por vedar o uso das emendas de relator, popularmente chamadas de orçamento secreto, para atender a solicitações de parlamentares ou de pessoas externas ao Congresso.>
O instrumento tem sido usado para barganhas políticas entre o Congresso e o governo federal. Pelo voto dela, as emendas só podem ser usadas para fins restritos, previsto na Constituição, de correção de erros ou omissões.>
A leitura do voto da ministra, que ela disse ter 90 páginas e que não foi lido na íntegra, durou toda a sessão do tribunal desta quarta. Ela disse que o uso das emendas não está de acordo com princípios constitucionais e desequilibram o processo democrático.>
Rosa é a relatora das quatro ações apresentadas por PSB, PSOL, Cidadania e PV contrárias às emendas, e os outros dez ministros do Supremo ainda não votaram no julgamento, que foi interrompido e será retomado nesta quinta (15).>
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Após esta quarta, o STF só tem previsão de mais uma sessão de julgamento de ações, antes do início do recesso do Judiciário.>
"A utilização indevida das emendas parlamentares para satisfação de interesses eleitorais representa grave ameaça à concepção dos objetivos fundamentais da república, consistente em promover o desenvolvimento nacional equilibrado e sustentável, reduzir as desigualdades sociais e regionais e erradicar a pobreza e a marginalização", afirmou Rosa, em seu voto.>
"A captura de recursos públicos por emendas parlamentares no Brasil não encontra paralelo na comparação com outros países", afirmou.>
Na leitura do seu voto, a ministra fez um histórico de escândalos relacionados ao Orçamento, para exemplificar como é necessária a transparência no uso dos recursos federais.>
Ela citou, por exemplo, o chamado escândalo dos anões do Orçamento, esquema do início dos anos 1990 que culminou na instalação de uma CPI e afastamento de seis membros do Congresso, além de outros quatro que renunciaram ao mandato antes que a investigação fosse concluída.>
Também mencionou a Máfia dos Sanguessugas, esquema de fraude em licitações para compra de ambulâncias com verba do Ministério da Saúde.>
No início da sessão, Rosa já abriu com um recado que frustra as intenções dos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ela afirmou que a proposta do Congresso que propõe critérios para a distribuição das emendas de relator não prejudica o julgamento das ações contrárias ao instrumento na corte.>
A ministra afirmou que recebeu ofício de Pacheco nesta quarta, às 10h, noticiando a apresentação de projeto que "aprimora a indicação das emendas", instrumento usado para barganhas políticas entre o Congresso e o governo federal.>
"Eu cumprimento o presidente do Congresso Nacional pelo ofício enviado a essa corte, ao demonstrar a abertura do parlamento, por meio de suas mesas, ao saudável e democrático diálogo interinstitucional", disse a ministra.>
Afirmou que, contudo, "a louvável preocupação do Congresso Nacional de se debruçar sobre o tema" para ampliar a transparência das emendas apenas confirma a liminar (decisão provisória) que ela deu no processo, que chegou a suspender o uso da verba.>
Acrescentou ainda que a proposta "confirma a impropriedade do sistema até então praticado".>
"A iniciativa, porém, em absoluto prejudica o julgamento iniciado na assentada anterior", continuou Rosa, em sua fala. Segundo ela, o ofício é apenas uma "notícia de proposta legislativa em tramitação" para o futuro.>
Em 2021, Rosa Weber determinou a suspensão do uso das emendas. Ela recuou da decisão um mês depois, após o Congresso apresentar uma série de medidas para dar mais transparência às emendas.>
Os documentos entregues pelo Congresso ao STF em resposta às ações, em maio deste ano, seguiram sem dar transparência à destinação da verba política e driblaram decisão dos ministros da corte.>
As planilhas protocoladas no Supremo se referiam a informações fornecidas por 340 deputados federais e 64 senadores, que representam 68% dos 594 parlamentares do Congresso. Além da falta de resposta de 190 parlamentares, muitos documentos entregues ao Supremo estão incompletos.>
Em seu voto, Rosa Weber criticou a ausência dessas informações, que haviam sido cobradas por ela.>
Durante a semana, o Congresso se movimentou na tentativa de manter as emendas.>
Nesta terça (13), o presidente do Senado apresentou o projeto de resolução do Congresso propondo critérios para distribuição das emendas de relator do Orçamento que contemplem a proporcionalidade dos partidos e que concentram parte dos recursos nas mãos dos chefes das duas Casas legislativas.>
A articulação do Legislativo visava dar um recado aos ministros para tentar esvaziar questionamentos na corte sobre a distribuição dessas verbas.>
No governo Jair Bolsonaro (PL), as emendas de relator foram usadas para destinar bilhões de reais em verbas do Orçamento da União para bases eleitorais de deputados e senadores, com pouca transparência e sem critérios claros para distribuição do dinheiro.>
O PSOL, o PSB, o Cidadania e o PV moveram ações no STF com o argumento de que o sistema viola princípios da Constituição. Cabe ao tribunal examinar questões como a falta de transparência das emendas, os critérios usados pelo Congresso e o alcance dos seus Poderes.>
Essas emendas foram criticadas na campanha por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas viraram um instrumento de pressão nas negociações para a formação da base do futuro governo e para a aprovação da PEC da Gastança.>
No primeiro dia de julgamento das ações, no último dia 7, a Câmara, o Senado, o governo Jair Bolsonaro e a PGR (Procuradoria-Geral da República) se uniram em defesa das emendas de relator.>
A PGR, por exemplo, tratou do caso como "assunto esgotado" e ainda reclamou do espaço dado pelo STF para entidades críticas desse mecanismo.>
O advogado-geral da União, Bruno Bianco, afirmou que o regime das emendas de relator não ofende princípios constitucionais, "em especial com os aperfeiçoamentos efetivados após a decisão cautelar desta Suprema Corte".>
A AGU é responsável pela representação jurídica do governo, e Bianco tem status de ministro na administração Bolsonaro. Bianco afirmou, em sua sustentação oral no Supremo, que a decisão de Rosa Weber ajudou a deixar o instrumento mais transparente.>
Também fizeram sustentações orais no dia 7 os advogados do PSOL e do PV, além de partes interessadas, sobretudo instituições de defesa da transparência.>
O instrumento, bastante usado no governo Bolsonaro, foi criticado e apontado como inconstitucional pelos partidos e entidades.>
O texto proposto pelo Congresso e mencionado por Rosa Weber determina que o limite financeiro das emendas de relator não pode superar o total das emendas individuais e de bancada. Desse valor, segundo o projeto de resolução, pelo menos 50% deverão ser para ações e serviços públicos de saúde ou de assistência social.>
Segundo a proposta, o relator-geral poderá realizar indicações para execução das emendas desde que sejam feitas exclusivamente por parlamentares, ainda que fundamentadas em demandas apresentadas por agentes públicos ou por representantes da sociedade civil.>
A distribuição das emendas deverá obedecer a alguns parâmetros. Até 5% deverão ser provenientes de indicações conjuntas do relator-geral e do presidente da CMO (Comissão Mista de Orçamento).>
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