Publicado em 8 de setembro de 2022 às 16:30
Conteúdo analisado: Vídeo no YouTube compartilhado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em que ele usa o título “Lula mente: PT é o pai do orçamento secreto. Bolsonaro vetou!”. >
Comprova Explica: No primeiro debate eleitoral entre os candidatos a presidente, em 28 de agosto, organizado por TVs Bandeirantes e Cultura e por Folha e UOL, Simone Tebet (MDB) insistiu no assunto. Das oito vezes em que a expressão “orçamento secreto” foi citada, cinco foi ela quem falou. Em uma delas, disse: “Agora, talvez, o maior escândalo da história do Brasil de corrupção, o tempo dirá: o orçamento secreto. Dezesseis bilhões de reais todos os anos, dizendo que está indo para o interior do Brasil, sabendo que essas notas são frias, que serviços não são executados, que esse dinheiro volta, na integralidade, para o bolso de quem o entregou”.>
Em seguida, o presidente Jair Bolsonaro teve direito de resposta atendido e falou, entre outros assuntos: “Orçamento secreto: eu vetei; o Parlamento derrubou o veto. É lei. O seu partido [PT], Lula, votou para derrubar o veto no tocante ao orçamento secreto. Não tenho nada a ver com isso.”>
O orçamento secreto é como ficaram conhecidas as emendas de relator, identificadas também como RP9. É uma ferramenta que permite que parlamentares façam o requerimento de verba da União sem detalhes como identificação ou mesmo destinação dos recursos. Criado em 2019, no Projeto de Lei do Congresso Nacional número 51, o mecanismo ajuda o presidente a negociar com as bancadas do Congresso Nacional em busca de apoio político.>
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Nos últimos meses, o assunto ganhou notoriedade ao ser atrelado a suspeitas de fraudes e corrupção utilizando o dinheiro público, como nas compras de caminhão de lixo e a licitação bilionária do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para a aquisição de ônibus escolares.>
Nas redes sociais, o orçamento secreto se tornou tema de posts de apoiadores de Bolsonaro, seguindo suas afirmações no debate: que ele vetou o mecanismo e que o PT votou para derrubar o veto.>
Porém, as alegações de Bolsonaro não são totalmente verdadeiras. Ele vetou em parte o projeto. Inicialmente, o Congresso tentou viabilizar a RP9 e o presidente vetou a medida. Mas, depois, ele recuou do veto e encaminhou ao Congresso o texto que criou o mecanismo.>
Além do erro ao afirmar que Bolsonaro vetou a medida, uma publicação viral no YouTube do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) engana ao afirmar que o “PT é o pai do orçamento secreto”. O partido teve participação decisiva, mas não criou o recurso.>
Depois de ter sido aprovado com folga na Câmara dos Deputados, o texto que mantém os repasses do orçamento secreto enfrentou mais dificuldade no Senado, em novembro de 2021. A votação foi desempatada pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE), que votou a favor da proposta, na contramão do que orientou e votou a bancada petista.>
Usada neste momento pré-eleição, a desinformação é perigosa para os eleitores, que não devem fazer suas escolhas a partir de mentiras. Por isso, o Comprova decidiu explicar pontos importantes relacionados a esse tipo de orçamento.>
Como o Comprova mostrou, orçamento secreto foi um termo criado pelo jornal O Estado de S. Paulo (responsável pela revelação deste mecanismo) para definir a recém-criada emenda de relator-geral no Congresso Nacional, prática elaborada em 2019 e implementada em 2020.>
De acordo com a Constituição brasileira, as emendas parlamentares são um instrumento do Congresso Nacional para participar da elaboração do orçamento anual. Os deputados e senadores têm, nesse caso, a oportunidade de indicar ao Executivo demandas de comunidades que representam. Atualmente, as emendas dividem-se em quatro tipos:>
A emenda de relator se diferencia das demais porque é definida pelo deputado ou senador escolhido como relator-geral do Orçamento a cada ano. Além disso, ao contrário das outras, não há critério definido quanto ao destino do dinheiro, o que dificulta a fiscalização sobre a execução da verba. >
A manobra leva o apelido “secreto” porque não existem regras estabelecidas para a destinação dessas verbas e, conforme explica esta reportagem do UOL, não há transparência para acompanhar para qual área a emenda do relator está sendo destinada, e isso faz com que a fiscalização seja dificultada. Além disso, ao contrário do que ocorre com as emendas parlamentares impositivas – aquelas que todos recebem igualmente, sem distinção de quem compõe a base ou a oposição –, segundo o Estadão, no orçamento secreto não é possível saber qual parlamentar indicou o valor, já que a informação não é pública.>
Após esta série de escândalos, em novembro de 2021, Rosa Weber, ministra do STF, determinou a divulgação do processo de definição e a execução das emendas de relator nos orçamentos de 2020 e 2021. Além disso, mandou que fossem registradas, em plataforma eletrônica, todas as demandas parlamentares voltadas à distribuição desse tipo de emenda.>
No fim do ano passado, o Supremo liberou o pagamento das emendas, depois que o Congresso aprovou novas regras de transparência, e deu prazo de 90 dias para que o sistema de monitoramento (com individualização, detalhamento e motivação das indicações) fosse instituído.>
Após Weber negar o pedido de prorrogação de prazo para a implementação das medidas de transparência, o Congresso encaminhou, em maio deste ano, informações sem padronização e incompletas sobre o orçamento secreto.>
A justificativa foi de que os relatores dos orçamentos anteriores, deputado Domingos Neto (PSD-CE) e senador Márcio Bittar (União-AC), tiveram dificuldades de reunir os dados, já que não havia obrigação legal para isso à época. Por isso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), solicitou de forma genérica a todos os deputados e senadores que sinalizassem quais emendas de relator haviam sido apoiadas por cada um.>
Cada parlamentar respondeu de uma forma. Alguns não detalharam os valores das emendas, nem os estados e municípios beneficiados. Três em cada 10 sequer responderam o ofício.>
O orçamento secreto iniciou-se dentro do Palácio do Planalto, no gabinete de Luiz Eduardo Ramos, o então ministro da Secretaria de Governo. À época, como já abordado por uma checagem do Comprova, Ramos era o responsável por fazer a ponte entre o governo e o Congresso.>
Para viabilizar a proposta, o ministro resgatou um dispositivo incluído pelo Congresso na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), mas que havia sido vetado por Bolsonaro três semanas antes. Em 3 de dezembro de 2019, o ministro assinou o documento que criou a emenda chamada RP9. A nova lei, que alterou a 13.898, de 11 de novembro de 2019, foi sancionada pelo presidente da República em 18 de dezembro.>
Ao contrário do que alegou no primeiro debate presidencial do dia 28 de agosto, realizado pela Band, portanto, Bolsonaro não vetou o orçamento secreto. Conforme explicou o Estadão, o esquema foi criado por um projeto assinado pelo próprio presidente.>
O que aconteceu foi uma tentativa do Congresso de viabilizar o orçamento secreto por meio da LDO de 2020 e esta, de fato, foi vetada pelo mandatário da República. No entanto, o presidente recuou da decisão e mandou ao Congresso um texto próprio sobre a emenda.>
Ainda de acordo com verificação recente do Comprova, a adoção da emenda do relator como prática no Congresso em troca de apoio político foi divulgada inicialmente pelo Estadão, após investigação dos jornalistas Breno Pires e Patrik Camporez. Em uma thread publicada no Twitter, Pires contou detalhes da apuração, iniciada em dezembro de 2020.>
Segundo ele, relatos da compra de apoio para a eleição do deputado Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara foram o “marco zero” da investigação. No final de janeiro de 2021, o Estadão revelou que o Planalto liberou R$ 3 bilhões em obras a 285 parlamentares – 250 deputados e 35 senadores – em meio à eleição no Congresso. A reportagem teve acesso a uma planilha interna de controle de verbas, até então sigilosa, com os nomes dos parlamentares contemplados com os recursos “extras”, que vão além daqueles que os deputados e senadores já têm direito de direcionar.>
O trabalho jornalístico foi dividido em três eixos: aspectos técnicos, orçamentários legais e as possíveis irregularidades no uso da verba. Somente em 9 de maio, foi iniciada a publicação da série Orçamento Secreto, com dezenas de reportagens. Até 6 de novembro de 2021, segundo o próprio jornalista, mais de 40 publicações sobre o tema já haviam sido divulgadas, dissecando o modus operandi do esquema:>
“1- Com aval do governo, deputados e senadores aliados ditam a aplicação de bilhões de reais, segundo critérios de interesse individual, e não técnicos, com ocultação de seus nomes, atropelando leis orçamentárias e a transparência;>
2- Ministérios aprovavam e desembolsavam as solicitações enviadas diretamente por parlamentares por meio de ofícios não tornados públicos. Eles diziam ter ‘cotas’ e terem sido ‘contemplados’ com ‘recursos a mim reservados’;>
3 – Parte do orçamento secreto em 2020 foi pra bancar tratores com valores até 259% acima do mercado;>
4- O ‘Tratoraço’ [em alusão às compras feitas com os valores distribuídos] teve a digital do Planalto; irrigou empresas ligadas a políticos; a oposição só teve 4% do orçamento secreto de R$ 3 bi no MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional); políticos indicaram mais de R$ 180 milhões em verbas para fora de seus estados, contrariando interesse do eleitor;>
5 – A estatal Codevasf foi um dos canais preferenciais para escoar o dinheiro do orçamento secreto, com suspeitas de irregularidades, e o órgão foi completamente aparelhado pelo centrão e ampliado durante o governo Bolsonaro;>
6 – Houve esforço coordenado entre Executivo e Legislativo para impedir acesso às informações. Senadores chegaram a alegar risco à segurança do Estado para recusarem-se a fornecer cópias de documentos que continham suas indicações. Secretaria de Governo (Segov) fraudou a Lei de Acesso à Informação (LAI);>
7 – Apesar de o governo dizer que emendas de relator-geral são prerrogativas do Congresso, elas foram usadas pelo ministro Rogério Marinho (MDR) para agradar prefeitos do Rio Grande do Norte e construir mirante ao lado de condomínio privado que ele planeja no interior do Estado. Ibaneis Rocha (MDB) [governador do Distrito Federal] também as usou;>
8 – O acompanhamento do fluxo das emendas em 2021 mostrou que elas foram executadas pelo governo na véspera de votações importantes, como a PEC dos Precatórios. Também houve pagamento de R$ 1 bi antes da PEC do Voto Impresso.”>
A prática de distribuição de emendas, como aponta o UOL, seria utilizada como moeda de troca a fim de facilitar o trabalho da gestão Bolsonaro com as bancadas no Congresso Nacional, já que o pagamento das emendas de relator não é obrigatório constitucionalmente.>
O orçamento secreto, ou seja, as emendas RP9 de relator-geral, no entanto, passaram a ser as mais atendidas pelo governo, como revela imagem abaixo retirada do Portal da Transparência, e que faz referência aos empenhos do ano de 2022:>
No primeiro ano de mandato, Bolsonaro sancionou R$ 30 bilhões em emendas do orçamento secreto. Ele tinha a opção de vetar os recursos, mas decidiu autorizar o pagamento de 100% das verbas indicadas pelo Congresso. Com isso, segundo o Estadão, em três anos, o presidente entregou ao Congresso uma decisão sobre o que fazer com R$ 65 bilhões, que deveria ser de seus ministros. >
Especialistas ouvidos pelo Estadão relacionam o orçamento secreto com outros escândalos de corrupção descobertos em décadas passadas. Na reportagem, a professora e procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo Élida Graziane Pinto argumenta que a prática é um “drible” para turbinar recursos de emendas parlamentares que remonta o Anões do Orçamento — um esquema do início dos anos 1990 que culminou na instalação de uma CPI e afastamento de seis membros do Congresso, além de outros quatro que renunciaram ao mandato antes que a investigação fosse concluída.>
No total, durante a gestão Bolsonaro, governo e Congresso destinaram R$ 65,1 bilhões do Orçamento para as emendas do relator. Desse valor, R$ 36,4 bilhões foram empenhados, etapa em que o dinheiro é reservado para ser pago quando o bem ou serviço for entregue.>
No orçamento de 2021, conforme a CNN, as emendas de relator foram de R$ 18,5 bilhões – para comparação, as individuais custaram R$ 9,6 bilhões; as de bancada, R$ 7,3 bilhões; e, as de comissão, zero.>
Sobre os valores da RP9 de 2021, parecer da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou críticas a seu uso ao recomendar a aprovação das contas do governo Bolsonaro, de acordo com a Folha.>
“A utilização do instrumento das emendas de relator-geral tem gerado desafios para o planejamento e a implementação de políticas públicas, assim como dificuldades relacionadas à transparência e à motivação referente aos critérios definidos para a destinação dos recursos oriundos de emendas”, diz o parecer, que, ainda segundo a Folha, “cita o risco de que a utilização sem critérios pode trazer vantagens eleitorais neste ano para os parlamentares que são beneficiados por elas”.>
Em julho de 2022, segundo a Agência Senado, o deputado Hugo Leal (PSD-RJ) indicou para execução R$ 12,3 bilhões de emendas de relator neste ano. Restaram quase R$ 4,2 bilhões que, por conta da eleição, só podem ser usados depois de outubro.>
Para se ter uma ideia, de 16.636 “indicações para despesas”, 11.026 foram feitas por 381 deputados, no valor de R$ 5,7 bilhões. “Outras 2.404 indicações têm como origem demandas de 48 senadores, com R$ 2,6 bilhões.”>
Como mostrou a Folha, o voto do senador Rogério Carvalho (PT-SE) foi decisivo para que o Congresso aprovasse, em novembro de 2021, um projeto com novas regras para o orçamento secreto, buscando atender a decisão do STF. Carvalho foi na contramão do que orientou a bancada petista e foi o único do partido a votar a favor.>
A proposta foi aprovada com 34 votos a favor e 32 contrários ao texto – o senador foi o voto de desempate.>
“Somos uma casa parlamentar. O que foi aprovado foi aprovado por unanimidade. E houve uma ingerência, uma forma de outro poder ingerir (sic) sobre o Legislativo. Como membro da Mesa do Senado Federal, que subscrevi todas as ações junto com os demais membros ao STF, caberia a mim ter a coerência na defesa da institucionalidade do Congresso”, afirmou Carvalho ao justificar seu voto.>
Na época, o PT emitiu nota assinada por sua presidente, Gleisi Hoffmann, em que classificou o voto do senador como “um fato grave”. Segundo o texto, Carvalho “contrariou a orientação da bancada do PT no Senado, além das posições conhecidas da direção partidária” e “não cabe ao relator do Orçamento dispor de recursos bilionários para distribuir aos parlamentares”.>
Em julho de 2022, Rogério Carvalho foi um dos 13 senadores e deputados dos partidos PT, Rede, PSB e Pros que pediu que o TCU abrisse investigação contra o suposto uso do orçamento secreto para bancar fraudes utilizando o Sistema Único de Saúde (SUS).>
O Comprova tentou falar com a assessoria de imprensa do senador por mensagem de texto no WhatsApp e ligação, mas não obteve retorno.>
Por que explicamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, eleições presidenciais e políticas públicas do governo federal que circulam nas redes sociais. A seção Comprova Explica é utilizada para a divulgação de informações a partir de conteúdos que viralizam e causam confusão, como o orçamento secreto. Desde o primeiro debate eleitoral a medida foi tema de vários conteúdos de desinformação. Publicações desse tipo, envolvendo candidatos à presidência, causam prejuízos ao processo democrático e atrapalham a decisão do eleitor, que deve ser tomada com base em informações verdadeiras.>
Outras checagens sobre o tema: No dia 1º de setembro, o Comprova publicou verificação sobre as emendas de relator afirmando ser enganoso vídeo que nega a existência do mecanismo. Anteriormente, em 12 de maio, o Aos Fatos apontou ser falsa a declaração de Bolsonaro de que as informações das emendas de relator (RP9) não são secretas.>
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