Publicado em 8 de março de 2021 às 11:32
- Atualizado há 4 anos
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez transações semelhantes às que levantaram suspeitas contra o seu filho Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na investigação do caso da "rachadinha". Parte delas foram identificadas na quebra dos sigilos bancário e fiscal anulada pela Quinta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça). >
Os dados mostram uso de dinheiro vivo pelo presidente para ajudar o filho a adquirir imóveis e dinheiro de funcionária de seu antigo gabinete na Câmara dos Deputados abastecendo as contas de Fabrício Queiroz, suposto operador financeiro do esquema.>
Até mesmo os repasses identificados da família Queiroz para a conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro são maiores do que os comprovados para a dentista Fernanda Bolsonaro, mulher de Flávio.>
Informações públicas também indicam semelhanças entre a compra da casa na Barra de Jair Bolsonaro às transações imobiliárias que levaram ao aprofundamento de investigações contra Flávio.>
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Embora seja mencionado no material recolhido pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, o presidente não foi alvo das apurações. Em razão do cargo, ele só pode ser investigado por atos cometidos durante o mandato.>
O filho mais velho do presidente é acusado pelo MP-RJ de liderar um esquema para se apropriar de parte do salário de 12 funcionários fantasmas em seu gabinete na Assembleia entre 2007 e 2018, período em que Queiroz esteve subordinado ao senador.>
De acordo com o MP-RJ, foram desviados R$ 6,1 milhões dos cofres públicos, dos quais R$ 2,08 milhões comprovadamente repassados para Queiroz. Investigadores afirmam que outros R$ 2,15 milhões sacados das contas dos supostos funcionários fantasmas também podem ter sido disponibilizados à organização criminosa.>
A defesa do senador nega as acusações e afirma que a denúncia do MP-RJ tem "erros bizarros". O Planalto não respondeu até a publicação desta reportagem.>
A denúncia afirma que os recursos da "rachadinha" circularam prioritariamente por meio de dinheiro vivo. Segundo a acusação, um meio de lavagem de dinheiro foi a aquisição de imóveis. Em janeiro, Flávio fez a 20ª transação imobiliária ao adquirir uma mansão em Brasília.>
O presidente se envolveu diretamente com dinheiro vivo numa das transações imobiliárias de seu filho. A declaração para Imposto de Renda do senador informa que, em 2008, Jair Bolsonaro lhe emprestou R$ 55 mil em espécie.>
Esse empréstimo, bem como os realizados da mesma forma por Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e ex-assessores do presidente, deram lastro financeiro para a compra de 12 salas comerciais por Flávio em 2008. Foram no total R$ 230 mil de empréstimos com recursos em espécie.>
O uso de dinheiro vivo pelo presidente também foi declarado em suas campanhas.>
Transações em espécie não configuram crime, mas podem ter como objetivo dificultar o rastreamento da origem de valores obtidos ilegalmente. É o caso da "rachadinha" descrita pelo MP-RJ.>
A prática também contraria declaração do próprio presidente ao jornal Folha de S.Paulo em janeiro de 2018, quando negou manter dinheiro vivo em casa.>
"Eu não guardo dinheiro no colchão em casa. Tem muita gente que declara. Até a Dilma [Rousseff, ex-presidente] declarou uns cento e poucos mil. Eu nunca declarei isso daí", disse ele na ocasião.>
Bolsonaro também realizou transação imobiliária com características suspeitas de acordo com critérios do Coaf, assim como Flávio.>
Em 2009, o presidente adquiriu sua casa na Barra da Tijuca por R$ 400 mil. Quatro meses antes, a antiga proprietária havia comprado o imóvel por R$ 580 mil. Bolsonaro teve um "desconto" de 30% em comparação ao valor pago antes.>
Desvalorização semelhante foi constatada na aquisição por Flávio de dois imóveis em Copacabana. Ele declarou em escritura ter pago R$ 310 mil pelos apartamentos, quando ambos custaram aos antigos proprietários, um ano antes, R$ 440 mil somados.>
O senador é acusado de ter pago "por fora" R$ 638,4 mil em dinheiro vivo pela compra desses imóveis. O MP-RJ identificou, após a quebra de sigilo bancário, que a conta da pessoa responsável pela venda dos dois imóveis a Flávio teve depósito deste valor em espécie no mesmo dia da transação.>
Flávio revendeu os apartamentos pouco mais de um ano depois por R$ 1,1 milhão, obtendo um lucro de R$ 813 mil na "transação relâmpago". O MP-RJ afirma que a operação permitiu que o dinheiro ilegal da "rachadinha" passasse a integrar o patrimônio oficial do senador, a partir de revenda dos apartamentos e a declaração à Receita Federal.>
Para investigadores, a desvalorização repentina pode indicar possível pagamento não declarado, a fim de ocultar o patrimônio do comprador de origem ilegal. O presidente, cuja casa permanece em seu nome, já negou ter adotado tal prática.>
A relação financeira comprovada com Queiroz também é mais intensa com a família do presidente do que com a de Flávio, segundo os dados bancários da investigação.>
A primeira-dama Michelle Bolsonaro recebeu o depósito de 27 cheques entre 2011 e 2016 que somam R$ 89 mil, de acordo com a quebra de sigilo bancário de Queiroz e sua mulher, Márcia Aguiar.>
Já a conta da mulher do senador, a dentista Fernanda Bolsonaro, registra apenas o depósito de R$ 25 mil em espécie uma única vez. O aporte antecedeu o pagamento da entrada de um imóvel.>
O MP-RJ identificou que Queiroz pagou em dinheiro ao menos uma vez a mensalidade escolar das filhas do senador, que custavam R$ 6.942,55 somados. Há outros 114 boletos de mensalidade escolar e plano de saúde da família de Flávio quitados com dinheiro vivo cuja origem não é identificada.>
As quebras de sigilo não identificaram prática semelhante com o presidente. Mas ele mesmo declarou em entrevista que Queiroz também pagava algumas de suas contas.>
"O Queiroz pagava conta minha também. Ele era de confiança", disse o presidente, em entrevista à TV Bandeirantes em dezembro de 2020.>
Apontado como operador financeiro do esquema, Queiroz foi nomeado no gabinete de Flávio por indicação do presidente. Eles são amigos desde 1984, quando se conheceram na Brigada Paraquedista do Exército.>
A filha de Queiroz, Nathalia, foi lotada tanto no gabinete de Flávio na Assembleia como no do presidente, na Câmara. Dados da quebra de sigilo da personal trainer mostram que a rotina de repasses para o pai, que segundo o MP-RJ é a origem de boa parte da "rachadinha", foi constante também quando ela era subordinada de Jair Bolsonaro.>
A denúncia contra Flávio deve ser arquivada caso a anulação da quebra dos sigilos seja mantida. O MP-RJ afirma que ainda estuda se recorrerá da decisão do STJ. A corte ainda tem outros dois julgamentos pendentes que podem afetar as provas do caso.>
A Promotoria também tem investigação aberta contra o vereador Carlos Bolsonaro, sob suspeita de empregar, assim como o irmão, funcionários fantasmas em seu gabinete na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.>
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