Publicado em 7 de março de 2021 às 18:11
- Atualizado há 4 anos
No momento em que vive a pior fase da pandemia, com recorde de vítimas e hospitais colapsando, o Brasil se vê na contramão do mundo. O País tem hoje a maior alta no número de mortes por Covid-19 entre as 10 nações com mais óbitos pela doença, segundo análise feita pelo Estadão com base em dados do site Our World in Data, projeto da Universidade de Oxford. >
Dos dez países líderes em mortes no mundo, oito registraram queda na média móvel de novos óbitos na última sexta-feira (5) em comparação com o dado de 14 dias atrás. No mesmo período, essa média subiu 30,5% no Brasil, passando de 1.037 mortes diárias em 18 de fevereiro para 1.353 na sexta.>
O único outro país da lista que também registrou alta foi a Índia, mas em patamar muito inferior ao brasileiro (8,9%).>
Enquanto isso, o Reino Unido, que também viveu o drama do surgimento de uma variante mais transmissível e da explosão de mortes em janeiro, acumula queda de 49,4%. Os Estados Unidos também registram algum alívio. No intervalo analisado, a média móvel de mortes baixou 8,7%. Também tiveram diminuição Espanha (-32,1%), Alemanha (-26,8%), México (24,7%), França (-13%), Rússia (-9%) e Itália (-7,3%). A média de mortes em todo o mundo recuou 9,7% no período.>
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Entre os dez países, o Brasil tornou-se o primeiro em novas mortes por milhão de habitantes na quinta, superando os EUA. Na última sexta, o país era responsável por 15% de todos os casos e mortes do mundo (considerando a média móvel).>
A falta de coordenação nacional para a resposta à pandemia, o negacionismo do presidente Jair Bolsonaro, medidas restritivas frouxas, baixa adesão da população e o surgimento de uma variante criaram uma "tempestade perfeita", nas palavras de especialistas. >
"Temos alta mobilidade da população, resistência ao cumprimento de medidas de distanciamento, variantes mais transmissíveis, sistema hospitalar perto do limite e má gestão e comunicação por parte do governo. Aí se formou a tempestade perfeita", diz o médico brasileiro Ricardo Parolin Schnekenberg, doutorando em Oxford e colaborador do Imperial College London.>
Ele relata as diferenças na postura do governo britânico quando identificou uma nova cepa mais contagiosa. "Fecharam tudo em janeiro: lojas, restaurantes, igrejas, escolas. E tem punições pesadas para quem descumpre. Mas o que faz a maioria da população aderir não é a punição, mas o entendimento de que a situação é grave, e isso vem com mensagens consistentes do governo, coisa que o Brasil nunca teve", diz.>
Outra diferença é a velocidade da vacinação. O Reino Unido já tem 30,9% da população imunizada com ao menos uma dose - quase dez vezes mais do que o Brasil, com 3,5%. "Os Estados Unidos estão vacinando 2 milhões por dia e acabaram de contratar mais uma vacina, a da Janssen", diz Marcia Castro, chefe do departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard. "O Brasil poderia vacinar rápido também. Tem experiência e conhecimento, só faltaram as doses", completa.>
A gestão Bolsonaro também falhou ao ignorar alertas de especialistas sobre o risco da nova onda avassaladora. "A taxa de queda dos casos começou a desacelerar e virou estabilização em outubro, o que já indicava reversão de tendência. Em novembro começamos a ver o aumento", diz o cientista de dados Isaac Schrarstzhaupt, da rede Análise Covid-19.>
Ele monitora diariamente os principais indicadores da pandemia no País e, em 17 de dezembro, publicou nas redes sociais análise que mostrava que um "tsunami" se aproximava. Ele e outros especialistas refutam o argumento de que o surgimento inesperado da variante levou ao cenário atual. >
"A própria existência da variante se deu por causa do desrespeito das medidas de distanciamento. Fica parecendo que estávamos fazendo tudo certo e demos o azar de ter uma variante que acabou com nossos esforços. Provavelmente, não haveria variante se estivéssemos fazendo um bom controle", diz Schrarstzhaupt.>
Questionado, o Ministério da Saúde disse manter esforço constante para garantir atendimento em saúde, tendo repassado aos Estados R$ 33,2 bilhões para ações contra a Covid-19. A pasta ressaltou que Estados e municípios têm autonomia para definir medidas locais.>
O ministério informou ainda que, como prevenção e controle, preconiza o "uso de máscaras, bem como evitar aglomeração, distância de pelo menos 1 metro entre as pessoas, etiqueta respiratória e higienização das mãos".>
O órgão afirmou que está trabalhando para atender a todos no plano de vacinação. Até agora, informa a pasta, mais de 17 milhões de doses já foram distribuídas e a previsão é de que outras 29 milhões sejam entregues ainda em março.>
O abismo entre o Brasil e os demais países no controle da pandemia deve aumentar nas próximas semanas, principalmente se o país seguir com uma campanha de vacinação lenta, e se os governos estaduais recuarem rapidamente das quarentenas mais rígidas que ganharam espaço nos últimos dias.>
Isso porque, com um patamar ainda alto de casos, o Brasil deve levar muito tempo para reverter a tendência de aumento, enquanto outras nações mantêm as infecções em baixa com reaberturas cautelosas e vacinação em massa.>
"Mesmo se tivermos um lockdown nacional rigoroso no Brasil, ainda demoraríamos de três a quatro semanas para ver uma queda nas hospitalizações e cinco a seis semanas para ter uma diminuição das mortes", opina Ricardo Parolin Schnekenberg, doutorando da Universidade de Oxford e colaborador do Imperial College London nos estudos sobre Covid-19 no Brasil.>
Ele conta que, no Reino Unido, mesmo com o número de novos óbitos em queda há mais de um mês, o lockdown começará a ser flexibilizado somente nesta semana, com a reabertura das escolas a partir desta segunda (8). Comércios não essenciais serão permitidos apenas em abril. Já restaurantes e pubs poderão reabrir em maio.>
"É um processo lento e cauteloso para que o número de casos tenha uma redução grande e qualquer surto seja mais facilmente controlado, e também para que dê tempo de mais gente ser imunizada", afirma o médico brasileiro sobre a estratégia adotada pelo país.>
Marcia Castro, professora da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, concorda que uma melhora nos indicadores só será permitida em semanas. "A gente chegou a uma situação em que nada vai fazer o problema ser resolvido rápido. Para resolver rápido, tínhamos de ter começado antes. Mas quanto mais demorarmos para fazer algo, mais vidas perderemos. As medidas restritivas e a ampliação da vacinação, portanto, são para ontem", afirma.>
Para Schnekenberg, é também urgente no Brasil que ocorra a oferta de socorro a pessoas e empresas em situação financeira difícil, justamente por conta dos efeitos da pandemia alongada. "Não tem como exigir o cumprimento dessas restrições sem um auxílio financeiro tanto para trabalhadores quanto para empresários.">
Em 2020, o auxílio emergencial foi pago a trabalhadores informais, desempregados e beneficiários do Bolsa Família. Com o agravamento da pandemia, há pressão por uma nova rodada de benefícios que ainda não foi definida. >
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.>
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