Publicado em 27 de junho de 2020 às 10:01
O desembargador do TJ-RJ Paulo Rangel, que votou a favor da concessão de foro privilegiado ao senador Flávio Bolsonaro e da anulação de decisões da primeira instância envolvendo o político, diz que agiu guiado por sua consciência e pela Constituição. >
Ele afirma que o entendimento firmado no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o tema não se aplica ao caso. Segundo a jurisprudência do Supremo, o foro privilegiado se encerra ao final do mandato. Flávio deixou de ser deputado estadual em janeiro de 2019, quando assumiu o cargo de senador.>
Na quinta-feira (25), Flávio obteve junto à 3ª Câmara Criminal o direito de ser julgado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça, reservado para autoridades como deputados estaduais, juízes estaduais e membros do Ministério Público.>
O filho do presidente Jair Bolsonaro é investigado por suspeita de recolher parte do salário de seus empregados na Assembleia Legislativa do Rio de 2007 a 2018. Os crimes em apuração são peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa.>
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A defesa do senador ingressou com um habeas corpus pedindo a concessão do foro especial, sob o argumento de que Flávio era deputado estadual à época dos fatos investigados.>
Além de Paulo Rangel, a desembargadora Monica Tolledo também votou a favor do pedido do senador. A magistrada Suimei Cavalieri foi voto vencido.>
Em nota, Rangel diz que o entendimento do STF é de que, quando um político em exercício perde o mandato, o processo deve retornar à primeira instância.>
"Paulo Rangel sustenta que Flávio Bolsonaro não só não perdeu o mandato na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro como ganhou um novo mandato, desta vez no Senado", afirma o texto.>
O entendimento do STF se aplica a qualquer político que deixe o cargo, mesmo em função do término do mandato.>
Em maio de 2018, o Supremo restringiu o foro especial apenas para os crimes cometidos durante o mandato e em função dele. Em 1999, a corte já havia cancelado a súmula 394, que garantia o foro privilegiado mesmo após o fim do mandato.>
Desde que votou pela restrição do privilégio, o Supremo tem enviado para a primeira instância inquéritos sobre políticos que não ocupam mais seus cargos anteriores.>
É o caso do ex-presidente Michel Temer (MDB), que respondia a quatro inquéritos no STF. Em 2019, após deixar a Presidência da República, todos foram encaminhados para a primeira instância.>
"Constata-se a superveniente causa de cessação da competência jurisdicional do Supremo Tribunal Federal, nos termos de pacífica jurisprudência", escreveu o ministro Edson Fachin ao deliberar sobre os processos.>
Apesar de ter votado a favor de Flávio Bolsonaro, Rangel já defendeu por escrito que o direito ao foro privilegiado deveria acabar com o fim do mandato. O desembargador adotou esse posicionamento no livro "Direito Processual Penal", como mostrou o jornal O Globo.>
"Se o agente não mais ocupa o cargo para o qual foi estabelecida a competência por prerrogativa de função, não faz (e não fazia) sentido que permaneça (ou permanecesse) com o foro privilegiado", escreveu.>
Nesta sexta-feira (26), o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) informou que o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, determinou a instauração de reclamação disciplinar contra Rangel.>
A corregedoria apura um negócio firmado entre o desembargador e o empresário Leandro Braga de Sousa, preso em maio em uma operação que mirou desvios em contratos estaduais no âmbito da saúde. O magistrado teve que prestar esclarecimentos ao CNJ.>
A revista Crusoé revelou que Rangel havia comprado a participação de Leandro Sousa em uma empresa de seguros.>
Segundo documentos obtidos pela reportagem, Rangel informou ao órgão que, "por boa fé", resolveu vender sua participação na empresa, mas que sua empreitada não violava a Lei Orgânica da Magistratura ou o Código de Ética, porque era sócio minoritário e não tinha poder de gerência na firma.>
Em sua decisão, Humberto Martins afirmou que, após a apresentação de informações pelo desembargador, ainda devem ser aprofundadas as apurações quanto à suposta existência de infração disciplinar.>
"Diante da complexidade da matéria, que envolve a mudança de controle societário e, simultaneamente, a admissão do magistrado representado no quadro de sócios, tenho que as investigações devem ser aprofundadas, para que não haja dúvida sobre a integridade ética da sua conduta perante à sociedade", disse o corregedor nacional.>
Paulo Rangel assumiu o cargo de desembargador no Tribunal de Justiça do Rio em 2010, pelo 5º Constitucional (regra segundo a qual um quinto das vagas de juízes é destinado a integrantes do Ministério Público ou a advogados).>
Antes de ingressar na magistratura, Rangel atuou como promotor do MP-RJ e detetive na Polícia Civil.>
Em dezembro de 2017, o desembargador chamou a atenção nas redes sociais ao aparecer em uma foto ao lado do juiz Marcelo Bretas, responsável pelos processos da Lava Jato no Rio, durante um treinamento de tiro.>
Na fotografia, ambos estão empunhando fuzis. Bretas vem demonstrando simpatia pelo presidente Jair Bolsonaro e foi questionado por participar de agendas públicas com ele.>
Nos últimos meses, Rangel tem compartilhado nas redes sociais críticas a ações e decretos de prefeitos e governadores que visam garantir o distanciamento social e reduzir a disseminação do novo coronavírus.>
O posicionamento do desembargador vai ao encontro do posicionamento de Jair Bolsonaro e de parte de seus eleitores sobre o tema.>
"Os governadores e prefeitos que estão dizendo 'eu vou mandar prender [pessoas que desrespeitarem as normas de distanciamento]' são homens loucos. Eu nunca imaginei assistir a isso numa democracia", afirmou Rangel em live no dia 13 de abril.>
Desde 2017, o desembargador tem postado nas redes opiniões de tom mais conservador, criticando a comoção pela "morte de bandidos" e a atuação de grupos de defesa dos direitos humanos.>
Em fevereiro de 2018, compartilhou dois links: "Juízes e promotores assinam manifesto em apoio às Forças Armadas na intervenção do Rio" e "Militar morto hoje com a esposa grávida não gerou 1% da comoção de quando morre um bandido".>
No passado, no entanto, Rangel endossava outros posicionamentos. Em setembro, postou uma reportagem que afirmava que a força policial brasileira é a que mais mata no mundo. "Eu falo, mas... dizem que eu sou garantista como se isso fosse um defeito de fábrica", escreveu.>
Há cinco anos, o desembargador lançou um livro condenando uma eventual redução da maioridade penal.>
"A discussão acerca da redução da idade penal é uma discussão retrógrada. Se aprovarmos essa emenda vamos estabelecer um retrocesso social, porque você não constrói um país com presídios, mas com escolas", afirmou durante o lançamento do livro.>
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