Publicado em 13 de fevereiro de 2022 às 10:53
A marca de 15% das crianças vacinadas com a primeira dose contra a Covid-19, valorizada na terça-feira (8) pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, na verdade evidencia o ritmo lento de uma campanha muito aquém da capacidade do Programa Nacional de Imunizações (PNI).>
Análise da reportagem mostra que o país demorou 23 dias para alcançar essa cobertura, no último fim de semana. Foi quase o triplo do tempo gasto por Canadá, Austrália, Argentina e Uruguai (8 a 9 dias), de acordo com os dados oficiais.>
O levantamento aponta o Brasil como um dos últimos colocados no ranking proporcional dentre dez nações que disponibilizam o detalhamento por data e idade --Alemanha, EUA, França, Chile e Itália, além dos já citados.>
A vacinação havia chegado a 16,9% do público-alvo até a quarta-feira (9), conforme os dados do Ministério da Saúde. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há 20,5 milhões de crianças com idade entre 5 e 11 anos na população.>
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O país só aparece à frente da França, um dos principais palcos do ativismo antivacina na Europa (4,5% com a imunização parcial, ou seja, somente com a primeira dose). Pesquisa financiada pelo governo francês em dezembro revelou que dois terços dos pais de crianças dessa faixa etária eram contrários à vacinação dos filhos contra a Covid.>
Mesmo em relação a países que também não decolaram no início da campanha, o Brasil apresenta números desfavoráveis por ter largado atrás. Estados Unidos e Itália, por exemplo, tiveram andamento similar nas primeiras semanas, mas já alcançam o dobro da cobertura brasileira, pois começaram as aplicações no ano passado.>
A disparidade é ainda maior na comparação com Chile e Argentina. Os vizinhos sul-americanos autorizaram a vacinação infantil em setembro e outubro de 2021, respectivamente, e já imunizaram a maioria de suas crianças, inclusive com a segunda dose.>
Em termos absolutos, o Brasil já era o terceiro com mais injeções aplicadas entre os dez países analisados: 3,4 milhões, atrás de Argentina (9 milhões) e Estados Unidos (15,8 milhões).>
O ritmo, no entanto, é bem inferior ao potencial do PNI. Havendo doses, o Brasil tem a capacidade de imunizar 2,4 milhões de pessoas por dia, segundo o governo federal.>
Esse número foi atingido e até superado 44 vezes no ano passado, considerando-se a média móvel de aplicações, durante a própria campanha contra o coronavírus. Ele representa 18 vezes mais do que a média diária de 132 mil vacinas infantis até o momento.>
Especialistas consultados pela reportagem listaram diversos fatores que podem explicar a lentidão e a baixa cobertura.>
Para Renato Kfouri, do departamento de imunizações da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), o principal deles é a oferta limitada de doses.>
"Novamente começamos uma campanha sem vacinas. As convocações parciais, por grupos de idade ou comorbidades, desaceleram o processo. E há também uma distribuição desigual. São Paulo tinha um estoque da Coronavac e já vacinou metade das crianças, enquanto muitos municípios até hoje não receberam", afirma.>
O uso da vacina pediátrica da Pfizer foi aprovado em 16 de dezembro pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). A primeira remessa, com 1,2 milhão de doses, chegou ao Brasil quase um mês depois, em 13 de janeiro.>
Nesse intervalo, autoridades do governo federal promoveram ações de desestímulo à vacinação infantil.>
O presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a promover ataques contra os técnicos da agência, e o ministro Queiroga, a afirmar erroneamente que as vacinas já haviam provocado milhares de mortes.>
O cronograma do governo prevê a entrega de, ao todo, 20 milhões de unidades da Pfizer até março. Seria o suficiente para atender metade do público infantil, pois o esquema é o mesmo dos adultos, com duas doses em um intervalo de oito semanas.>
No dia 20 de janeiro, foi aprovada também a inclusão da Coronavac na campanha para crianças a partir dos 6 anos e sem comorbidades. Segundo o Ministério, o país tinha 9 milhões de doses em estoque, e o Instituto Butantan possuía outras 7 milhões na geladeira.>
Kfouri observa ainda que a vacinação foi iniciada durante a alta de casos associada à variante ômicron.>
"A população foi muito infectada. Os adultos ficaram em isolamento, muitas crianças tiveram que esperar um período de quarentena antes da vacina [30 dias]. Embora tenhamos saído atrás, sem dúvidas vamos nos recuperar, pois nossa adesão e nosso teto de saturação são maiores do que em outros países.">
Ele ressalta ainda o atraso na digitação dos registros, que pode levar mais tempo em municípios menores e pouco informatizados. Segundo dados das secretarias estaduais coletados pelo consórcio dos veículos de imprensa, a cobertura na quarta-feira (9) era de 20%, três pontos percentuais acima dos números do ministério.>
A coordenadora do comitê de imunizações da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), Rosana Richtmann, cita a desinformação como um dos principais problemas.>
"Estamos com uma coisa chamada comunicose, que é a doença da comunicação. Os pais acabam sendo manipulados, são vítimas mais fáceis de fake news, incertezas, angústias. Isso é natural. Mas os efeitos adversos estão muito bem documentados mundo afora, e a vacina é muito segura", afirma.>
Pesquisas Datafolha mostraram que a adesão à vacina ou intenção de se vacinar chegou a 94% entre os adultos, enquanto o percentual de brasileiros que apoiavam a imunização de crianças em janeiro deste ano era menor: 79%. O levantamento também mostrou que, para a maioria da população, o presidente Bolsonaro agiu para atrapalhar a imunização infantil.>
A vice-presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), Isabella Ballalai, concorda que a desinformação tem afetado a campanha e diz que os posicionamentos contrários das autoridades geraram desconfiança.>
"A população está recebendo uma enorme quantidade de fake news. Vimos ainda alguns municípios exigindo assinaturas de termos de responsabilidade e não há essa recomendação. Isso só gera dúvidas e uma percepção de que a vacina seria perigosa. É um prejuízo enorme", avalia.>
Na semana passada, as prefeituras de Curitiba, Salvador e de cidades do interior do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul recuaram da exigência de consentimento cobrada aos pais.>
Em consulta pública convocada em dezembro, o ministério havia defendido que as crianças só fossem vacinadas com prescrição médica.>
A proposta foi rechaçada, mas textos publicados nos sites oficiais do governo ainda trazem trechos ressaltando, por exemplo, que "a vacinação dos pequenos não é obrigatória e os pais que decidirem imunizar seus filhos devem procurar a recomendação prévia de um médico".>
Ballalai destaca o Chile como a referência a ser observada, pelo fato de o país vizinho já ter alcançado uma ampla cobertura também com a Pfizer pediátrica e a Coronavac.>
"Os dados do Chile [sobre as vacinas] foram analisados tecnicamente pela Anvisa. E são resultado não de estudos, mas da efetividade na prática, após milhões de doses aplicadas. Eles demonstraram a capacidade dessas vacinas em proteger e reduzir principalmente os casos graves, hospitalizações e óbitos, inclusive para a síndrome inflamatória multissistêmica", observa.>
Segundo a especialista, muitas pessoas ainda podem resistir à vacinação devido a uma percepção equivocada sobre um suposto baixo risco da Covid no público infantil.>
Dados do Ministério da Saúde apontam que 27 mil crianças brasileiras já foram internadas com diagnóstico de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) confirmada pelo coronavírus. Destas, 1.544 morreram.>
Já a síndrome inflamatória multissistêmica associada à Covid provocou 1.160 internações e 63 óbitos apenas entre crianças de 0 a 9 anos. "Não dá para negligenciar uma doença grave para a qual já existe proteção", enfatiza.>
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