Publicado em 7 de dezembro de 2021 às 09:59
Ainda que a narrativa vitoriosa sustente que o pastor presbiteriano, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, será o primeiro evangélico no STF (Supremo Tribunal Federal), o marco foi alcançado há mais de seis décadas, com a nomeação de Antônio Martins Villas Boas (1896-1987).>
A chegada do diácono da Primeira Igreja Batista de Belo Horizonte à mais alta corte do país foi destaque da primeira página da publicação O Jornal Batista no dia 21 de fevereiro de 1957. Sob a foto do novo ministro, uma legenda louvava aquele que, "como é sabido, é um crente fiel em Jesus Cristo".>
"Não somente o ministro Villas Boas está de parabéns, mas de modo indireto nós os evangélicos, pela honra que nos cabe", dizia a edição. "Salvo equívoco, é a primeira vez que tal honra cabe a um cristão evangélico.">
Dois batistas lançam nesta semana um artigo para desmontar a versão de que Mendonça é pioneiro nesse sentido. Coordenadores da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, de uma minoritária ala progressista no segmento, o pastor Ariovaldo Ramos e a crente Nilza Valéria Zacarias assinam o texto crítico ao desembarque de Mendonça no STF.
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"Só para constar -continuaremos gritando que chegamos antes. Chegamos republicanamente, e bem. Quem chegou depois, dizendo que chegou antes, chegou usurpando um lugar na história. Como isso é feio para quem se diz cristão", dizem no material.>
Villas Boas conquistou uma cadeira no Supremo por indicação de Juscelino Kubitschek. Não consta que o então presidente tenha levado em conta suas credenciais religiosas para fazê-lo.>
O novo ministro não limou sua cristandade no discurso de posse. Ele citou Cristo na ocasião e terminou evocando o que via como sua maior bússola moral.>
"Em tudo quanto fizer, e para isso invoco a permanente proteção divina, hei de pôr a nota inconfundível do meu Eterno Senhor, o Mestre incomparável da ternura humana.">
A fala de Villas Boas, contudo, prestou-se sobretudo a repisar seu compromisso com os ditames constitucionais. Ao defender um Supremo intérprete da Constituição, num Brasil ainda sob a névoa do suicídio de Getúlio Vargas, atentou à turbulência social daqueles tempos.>
"Uma declaração dessa ordem coincide, por vezes, com fases particularmente delicadas da vida de um povo, em que a divisão dos espíritos e o ímpeto das paixões turvam a clara visão das coisas", declarou. "Daí não ficar o próprio Supremo a cavaleiro de censuras.">
Sua religiosidade não era segredo para contemporâneos, como fica evidente em sessão plenária realizada em homenagem ao seu centenário, 1996.>
À época ministro do STF, Carlos Velloso se apresentou como amigo e admirador do colega antes de resgatar o dia em que o batista se despediu do tribunal, por chegar à idade da aposentadoria compulsória.>
"O presidente da corte, ministro Cândido Motta Filho, depois de dizer que Villas Boas jamais encobriu, com sua toga austera, o seu invejável coração, cheio de ternura humana, acrescentou: 'Cada vez que o vimos a julgar, mestre do direito e das coisas divinas, percebíamos, sempre, a sua repugnância pelos pretorianos truculentos contra os quais sempre se ergueu a meiga indignação da sua fé religiosa'.">
Outro ministro, Gonçalves de Oliveira afirmou na ocasião que Villas Boas "votava como um apóstolo, queria fazer justiça, mas sobretudo, queria fazer o bem".>
Velloso destacou, ainda, o que definiu como "quase indignada reação às prisões e processos militares arbitrários" que se promoveram na primeira fase do golpe de 1964.>
"Foram centenas os réus sem crime ou sem culpa formada que dele obtiveram numerosas ordens de habeas corpus.">
O primeiro evangélico do STF foi também precursor em sua liderança, como rememoram Ramos e Zacarias, autores do artigo a seu respeito.>
"É bom que todos saibam (que nossa voz ecoe longe) que o ministro Antonio Martins Villas Boas, crente batista, exerceu a presidência da corte de 9 de março de 1965 até 15 de novembro de 1966.">
"Como podem apagar uma história dessa?", questiona a dupla que recuperou o pioneirismo de Villas Boas como ministro evangélico.>
"Talvez porque ele não ocupou um lugar tão importante como um lacaio do fascismo tupiniquim que tem provocado fome e morte", continuam os coordenadores do grupo evangélico de esquerda.>
"Pelo que lemos da bela biografia de Antônio Martins, ele não concordaria com nada disso [da agenda bolsonarista]. Ele lia a Bíblia todos os dias e entendia, como entendemos, que não se governa para um grupo. O governo é para um país inteiro. Para todas as pessoas, sejam de que credo for.">
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