Publicado em 30 de junho de 2020 às 16:26
Um grupo de pesquisadores que usou dados de mais de 200 cidades chinesas durante a pandemia não encontrou efeito da temperatura ou da radiação solar na eliminação do novo coronavírus ou na diminuição do contágio.>
A descoberta contraria artigos publicados nos últimos meses que apresentaram essa possibilidade com base em cálculos teóricos e experimentos em laboratório.>
A ação germicida do sol existe porque a estrela emite radiação ultravioleta. Existem alguns tipos desses raios, divididos pelo comprimento de onda com que viajam pelo ambiente. O ultravioleta do tipo C (UVC) é o mais potente e pode eliminar mais de 90% do novo coronavírus alojado em superfícies em poucos segundos, de acordo com experimentos realizados em diversos laboratórios com lâmpadas especiais.>
A radiação ultravioleta age no material genético do vírus, causando um dano que impede a multiplicação do microrganismo, fazendo com que ele não seja capaz de iniciar uma infecção.>
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Mas o UVC emitido pelo sol fica retido na atmosfera, antes de atingir o solo. E ainda bem: esse tipo de radiação é prejudicial para pessoas, animais e plantas que recebem os raios diretamente por um período mais prolongado, podendo causar de queimaduras a câncer.>
Aparelhos que usam o UVC artificial emitido por lâmpadas especiais para desinfecção de ambientes já são vendidos no Brasil e usados em diferentes partes do mundo para a eliminação de microrganismos no transporte público e em ambientes fechados.>
Vindos do sol, chegam até a superfície do planeta os raios ultravioleta do tipo A e B (UVA e UVB). O UVB, que chega em menor quantidade ao solo, tem alguma ação germicida, ainda que com potência milhares de vezes inferior à dos raios UVC.>
Cientistas dos Estados Unidos realizaram uma simulação em laboratório com lâmpadas que imitam a luz do sol no nível do mar em um dia claro. Os pesquisadores lançaram a radiação sobre uma substância semelhante a uma saliva contendo o Sars-Cov-2 e sobre uma cultura de células contendo o vírus.>
De acordo com os resultados do experimento, 90% dos vírus foram inativados em cerca de 7 minutos na saliva falsa e em aproximadamente 14 minutos na cultura de células. O estudo foi publicado em maio na revista científica The Journal of Infectious Diseases, ligado à sociedade americana de doenças infecciosas (IDSA).>
Esses resultados foram obtidos em condições ideais, não levando em consideração a presença de nuvens ou bloqueios causados pela poluição, presentes em situações reais.>
Um outro artigo publicado no início deste mês por pesquisadores dos Estados Unidos no periódico Photochemistry and Photobiology usou cálculos teóricos para estimar a desativação do novo coronavírus pela luz do sol em diferentes localizações do planeta. Em média, mais de 90% do vírus estaria inativada em até 34 minutos para a maioria das cidades recebendo luz do sol de meio-dia no verão.>
Segundo a estimativa dos pesquisadores, a desativação do vírus em São Paulo num dia de inverno levaria cerca de 41 minutos, para um sol de meio-dia.>
Os autores do texto, dois pesquisadores aposentados, não fizeram nenhum experimento com o Sars-Cov-2 e usaram um modelo desenvolvido por eles mesmos há mais de dez anos para calcular a inativação de diferentes vírus pela luz do sol. O modelo para os cálculos usa dados da sensibilidade à radiação ultravioleta apresentada por diversos vírus.>
No texto, que usa uma página da Wikipédia como uma de suas referências, algo incomum em artigos científicos, os autores argumentam que o distanciamento social e a quarentena imposta por governos para minimizar a transmissão do novo coronavírus podem ter causado mal à população por impedir maior exposição ao sol.>
Os cientistas não responderam às perguntas enviadas pela reportagem pedindo detalhamento do estudo, mas Jose-Luis Sagripanti, um dos autores, enviou um artigo de opinião assinado no qual questiona os efeitos da quarentena imposta pelos governos.>
Pesquisadores brasileiros da área que analisaram o artigo encontraram um forte viés no estudo.>
Para Tania Mateus Yoshimura, pós-doutoranda do Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares) na área de aplicação da luz para a saúde, é problemático levar esse resultado ao pé da letra.>
"É uma estimativa. Para sabermos de fato se o vírus tem aquela sensibilidade à luz precisamos de experimentos. Ainda não existem dados conclusivos sobre o efeito do UVC, muito menos para o uso do UVB", afirma a pesquisadora.>
As partículas virais estão no ar geralmente envoltas em matéria orgânica, como saliva ou secreção nasal, por exemplo, que atuariam para proteger o vírus de receber a radiação diretamente sobre o material genético, lembra Yoshimura. "O estudo foi feito com a suposição de uma ação direta no material genético", acrescenta.>
"Ainda que a inativação pelo sol seja possível, não adianta muito estar do lado de fora e alguém tossir ou espirrar por perto; o vírus não vai ficar esperando meia hora no ar até ser inativado", afirma a cientista.>
Além disso, ela lembra que as pessoas que andam pelas ruas não ficam debaixo do sol o tempo todo. "Elas vão pegar transporte público, entrar em ambientes fechados. Nesses casos, a ação germicida do sol não faz diferença", diz.>
Para Caetano Padial Sabino, doutorando na USP e pesquisador das aplicações da luz para a saúde, a afirmação que circula nas redes sociais de que o risco de infecção pelo novo coronavírus é menor em dias ensolarados é perigosa e pode causar riscos à saúde.>
"O Brasil tem uma taxa de incidência solar que está entre as maiores do mundo, e mesmo assim somos o epicentro da pandemia", afirma o cientista, que também é fundador de uma empresa que produz equipamentos de ultravioleta para desinfecção de ambientes.>
Pesquisadores de universidades chinesas cruzaram dados de disseminação do Sars-Cov-2, temperatura e radiação solar de mais de 200 cidades da China. Os resultados, publicados em abril na revista científica European Respiratory Journal, indicam que radiação solar e temperatura não influenciaram nas taxas de contágio.>
"Nosso estudo não dá suporte à hipótese de que altas temperaturas e índices de radiação ultravioleta podem reduzir a transmissão da Covid-19. É prematuro contar com o clima mais quente para controlar a doença", escrevem os autores no artigo.>
Ainda que os banhos de sol possam estimular a produção da vitamina D, que tem um potencial benéfico para o sistema imunológico, os cientistas descartam uma suposta função terapêutica do sol para casos de Covid-19, uma vez que a radiação atua apenas na superfície sobre a qual incide e os vírus se multiplicam dentro das células, no interior do corpo.>
"A luz do sol traz vários benefícios, incluindo a descontaminação. Mas para concluir que pode diminuir o contágio pelo vírus é necessário analisar outras variáveis", conclui Yoshimura, do Inpe.>
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