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É jornalista, pós-graduada em Comunicação e Marketing Digital e mestranda em Ciências Políticas na Universidade Beira do Interior, em Portugal

Veto de Bolsonaro à distribuição de absorventes limita a educação de meninas

O que está em jogo não é quem vence o debate na internet e sim a garantia de educação e dignidade de jovens mulheres em situações extremas de vulnerabilidade

  • Nadine Silva Alves É jornalista, pós-graduada em Comunicação e Marketing Digital e mestranda em Ciências Políticas na Universidade Beira do Interior, em Portugal
Publicado em 08/10/2021 às 15h35
Distribuição para meninas
Absorventes. Crédito: Freepik

Na 6ª série, lá em 2006, eu ainda não menstruava, mas tinha uma menina na minha sala que às vezes manchava a carteira escolar com sangue. Lembro de emprestar minha blusa de frio para ela amarrar na cintura e não ser ridicularizada, e ela sempre ia embora para casa. Quando contei isso para minha mãe, ela pediu para andar sempre com absorventes na bolsa, caso a minha fizesse uma surpresa ou se alguém precisasse.   

Desde a tarde desta quinta-feira (7), o veto do presidente Jair Messias Bolsonaro (sem partido) em cinco artigos do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei 14.214) tem tomado a agenda dos assuntos nas redes sociais. 

Como sempre, a internet abre espaço para opiniões pontuais e outras nem tanto. Porém, o que está em jogo não é quem vence o discurso e sim a garantia de educação e a dignidade para essas mulheres em situações extremas de vulnerabilidade.   

Sendo assim, convido o leitor aos fatos. O documento do projeto de lei da deputada Marília Arraes (PT-PE) possui três páginas, e já no primeiro artigo traz a proposta de garantir o fornecimento de absorventes higiênicos nas escolas públicas que ofertam anos finais do ensino fundamental e ensino médio.

O objetivo, segundo a deputada, é combater a precariedade menstrual, identificada como a falta de acesso ou a falta de recursos que possibilitem a aquisição de produtos de higiene e outros recursos necessários ao período da menstruação feminina.

De acordo com o estudo “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, divulgado pelo Fundo de Emergência Internacional das Nações Unida para a Infância (Unicef) e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), mais de 4 milhões de estudantes (38,1% do total de alunas) frequentam colégios com estrutura deficiente de higiene, como banheiros sem condições de uso, sem pias ou lavatórios, papel higiênico e sabão. Desse total, quase 200 mil não contam com nenhum item de higiene básica no ambiente escolar. 

Ao nos depararmos com esses dados, é possível perceber também que não é só da falta de absorventes que essas meninas carecem, mas de outros instrumentos necessários. 

Quando falamos de um país que em fevereiro de 2021 alcançou a marca de 27 milhões de pessoas em extrema pobreza, comprar um pacote ou até mesmo dois por mês de absorventes pode ser um item de luxo.  Principalmente com a alta dos preços em alimentos básicos para a sobrevivência humana. 

A justificativa do Executivo Federal foi que, apesar de ser meritória, contraria o interesse público, uma vez que não há compatibilidade com a autonomia das redes e estabelecimentos de ensino e não indica fonte de custeio ou medida compensatória. 

Quando o presidente e equipe justificam que não é de interesse público, eles ignoram a porcentagem de quase 40% das estudantes brasileiras. O que é um número considerável, ou seja, quase a metade da população feminina em idade escolar sofre com esse problema. 

Ao vetar os primeiros artigos, Bolsonaro vetou o último, no qual o custeio desses absorventes seria de fontes orçamentárias do Ministério da Saúde. Alegando que o objeto não se enquadra nos insumos padronizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 

A medida, caso fosse aprovada, não ajudaria acabar com a extrema pobreza. Isso é fato, mas muitos têm usado isso como argumento para apoiar a decisão do presidente. Entretanto, garantiria a essas meninas a condição de frequentarem as aulas, já que durante o período menstrual muitas precisam faltar e perder conteúdo.

A longo prazo podem perder o interesse na escola, na educação e, consequentemente, o país perde centenas e até mesmo milhares de jovens mulheres que poderiam somar na construção de um Brasil desenvolvido. 

A diminuição da desigualdade brasileira não virá com apenas uma solução. É uma construção de tijolo por tijolo, medidas por medidas que vão se somando. Garantir educação e acesso ao ambiente escolar deveria ser o mínimo em um país (população) que sonha em ver a mudança. 

Podem justificar que não cabe ao Estado ser responsável por essa área. Nesse caso, seria preciso alterar a Constituição brasileira, já que no seu primeiro artigo deixa claro que cabe ao Estado Democrático de Direito garantir a dignidade da pessoa humana.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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