Quando ocorre um tsunami, antes de sua chegada, o mar recua e expõe áreas que normalmente ficam submersas. Esse fenômeno não é apenas uma única parede de água, mas uma série de ondas longas. A analogia serve para entender um pouco da violência que envolve o tráfico de drogas e suas consequências em áreas de maior vulnerabilidade social.
Em A Gazeta, o professor Henrique Herkenhoff publicou uma série de colunas abordando as organizações criminosas. Ele destaca que é comum confundir simples quadrilhas com facções. A diferença, porém, é profunda: facções possuem maior grau de maturação, estrutura e domínio em diferentes espaços, chegando até a influenciar núcleos de poder. Já as quadrilhas atuam de forma menos sofisticada e mais vulnerável a mudanças de cenário.
Mesmo assim, essas quadrilhas não são desprovidas de conhecimento. Até adolescentes envolvidos no tráfico compreendem noções básicas de direito penal e o funcionamento da ação policial. Por isso, muitos evitam ao máximo que ocorram homicídios em sua área de atuação.
A lógica é direta: a ausência de crimes violentos atrai usuários de entorpecentes para consumir na região e, ao mesmo tempo, evita a presença ostensiva da Polícia Militar, o que preserva o lucro do comércio ilegal. Além disso, um homicídio doloso eleva consideravelmente a pena, tornando mais “vantajoso” responder apenas por tráfico de drogas.
Como o professor Herkenhoff analisa, quadrilhas menos estruturadas são frágeis. Disputas internas, ataques de grupos rivais e ações policiais com prisões de lideranças mudam rapidamente o equilíbrio local. É nesse ponto que se percebe o “efeito pretérito” da onda do tsunami: primeiro, a retirada da água — que aqui se traduz na redução de homicídios — seguida pela força destrutiva que vem depois.
Quando uma liderança do tráfico é removida, o espaço vazio se torna alvo de disputas violentas. A consequência pode ser devastadora, como ocorreu no bairro Santa Rita, em Vila Velha, onde duas pessoas inocentes foram brutalmente mortas, deixando a comunidade em choque. Como lembraram familiares das vítimas, naquela região “há muita gente de bem” que sofre os impactos diretos da guerra pelo território.
Esse tsunami é mais violento onde existe vulnerabilidade social. O tráfico de drogas se enraíza em contextos de exclusão e desigualdade, onde jovens, como os suspeitos do crime em Santa Rita, enxergam nele uma alternativa para melhorar de vida. Trata-se de um problema estrutural e persistente, que não se limita ao Espírito Santo: repete-se em diversas partes do Brasil e do mundo.
O enfrentamento, como ressalta Herkenhoff, precisa ser diversificado. É necessário combater o criminoso, o crime e as organizações criminosas de forma simultânea. Isso exige um trabalho interdisciplinar dos Poderes, o fortalecimento da sensação de justiça, o ordenamento dos espaços urbanos e a participação ativa da sociedade civil.
Não é uma equação simples, mas uma tarefa árdua e urgente. Caso contrário, novas ondas de violência continuarão a atingir inocentes, e a cada recuo do mar, a próxima destruição pode estar ainda mais próxima.
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