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É advogado criminalista e especialista em segurança pública

Tsunami de violência atinge a sociedade

Esse tsunami é mais violento onde existe vulnerabilidade social. O tráfico de drogas se enraíza em contextos de exclusão e desigualdade, onde jovens, como os suspeitos do crime em Santa Rita, enxergam nele uma alternativa para melhorar de vida

  • Fábio Marçal É advogado criminalista e especialista em segurança pública
Publicado em 15/08/2025 às 10h15

Quando ocorre um tsunami, antes de sua chegada, o mar recua e expõe áreas que normalmente ficam submersas. Esse fenômeno não é apenas uma única parede de água, mas uma série de ondas longas. A analogia serve para entender um pouco da violência que envolve o tráfico de drogas e suas consequências em áreas de maior vulnerabilidade social.

Em A Gazeta, o professor Henrique Herkenhoff publicou uma série de colunas abordando as organizações criminosas. Ele destaca que é comum confundir simples quadrilhas com facções. A diferença, porém, é profunda: facções possuem maior grau de maturação, estrutura e domínio em diferentes espaços, chegando até a influenciar núcleos de poder. Já as quadrilhas atuam de forma menos sofisticada e mais vulnerável a mudanças de cenário.

Mesmo assim, essas quadrilhas não são desprovidas de conhecimento. Até adolescentes envolvidos no tráfico compreendem noções básicas de direito penal e o funcionamento da ação policial. Por isso, muitos evitam ao máximo que ocorram homicídios em sua área de atuação.

Adolescentes em uma moto foram apreendidos por envolvimento no ataque que matou Sophia Vial da Silva e Andrezza Conceição (destaque)
Dois adolescentes em uma moto foram apreendidos por envolvimento no ataque que matou Sophia Vial da Silva e Andrezza Conceição (destaque) em Santa Rita. Crédito: Imagens de Segurança e Acervo Pessoal | Montagem A Gazeta

A lógica é direta: a ausência de crimes violentos atrai usuários de entorpecentes para consumir na região e, ao mesmo tempo, evita a presença ostensiva da Polícia Militar, o que preserva o lucro do comércio ilegal. Além disso, um homicídio doloso eleva consideravelmente a pena, tornando mais “vantajoso” responder apenas por tráfico de drogas.

Como o professor Herkenhoff analisa, quadrilhas menos estruturadas são frágeis. Disputas internas, ataques de grupos rivais e ações policiais com prisões de lideranças mudam rapidamente o equilíbrio local. É nesse ponto que se percebe o “efeito pretérito” da onda do tsunami: primeiro, a retirada da água — que aqui se traduz na redução de homicídios — seguida pela força destrutiva que vem depois.

Quando uma liderança do tráfico é removida, o espaço vazio se torna alvo de disputas violentas. A consequência pode ser devastadora, como ocorreu no bairro Santa Rita, em Vila Velha, onde duas pessoas inocentes foram brutalmente mortas, deixando a comunidade em choque. Como lembraram familiares das vítimas, naquela região “há muita gente de bem” que sofre os impactos diretos da guerra pelo território.

Esse tsunami é mais violento onde existe vulnerabilidade social. O tráfico de drogas se enraíza em contextos de exclusão e desigualdade, onde jovens, como os suspeitos do crime em Santa Rita, enxergam nele uma alternativa para melhorar de vida. Trata-se de um problema estrutural e persistente, que não se limita ao Espírito Santo: repete-se em diversas partes do Brasil e do mundo.

O enfrentamento, como ressalta Herkenhoff, precisa ser diversificado. É necessário combater o criminoso, o crime e as organizações criminosas de forma simultânea. Isso exige um trabalho interdisciplinar dos Poderes, o fortalecimento da sensação de justiça, o ordenamento dos espaços urbanos e a participação ativa da sociedade civil.

Não é uma equação simples, mas uma tarefa árdua e urgente. Caso contrário, novas ondas de violência continuarão a atingir inocentes, e a cada recuo do mar, a próxima destruição pode estar ainda mais próxima.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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