Não dá pra ficar feliz com a prisão de Jair Bolsonaro. Nem com a de Lula, Michel Temer e Fernando Collor. O mesmo vale para o impeachment de Dilma. Quando um país celebra esses episódios da política, é porque falhamos como república. Prisões de ex-presidentes são a evidência de que nossos mecanismos de contenção — morais, jurídicos e institucionais — não operaram a tempo.
O início do cumprimento da pena de Bolsonaro, somado à evasão de Alexandre Ramagem, desenha um retrato inequívoco: um ex-chefe de Estado condenado por atacar as bases do processo eleitoral e um aliado direto fugindo quando deveria responder por seus atos. É a síntese de um ciclo que confundiu poder com autoridade e que tentou se autopreservar pelo tumulto.
As reações ao episódio mostram um país que ainda não aprendeu a sentir com moderação. De um lado, gente festejando como se a prisão resolvesse a história. Do outro, o bolsonarismo mergulhado numa lamúria performática, quase religiosa, como se admitir qualquer culpa fosse heresia. É nessa hora que Foucault ajuda — não com tese, mas com um lembrete: grupos em torno de um líder criam suas próprias verdades para continuar existindo. E a verdade paralela do bolsonarismo é resistente, barulhenta e, sobretudo, emocional.
Montesquieu, séculos antes, avisou que repúblicas quebram quando confundem instituições com a personalidade de quem as ocupa. O Brasil, como sempre, preferiu testar seus limites. E descobriu, tarde demais, que certas experiências não têm modo seguro: basta uma faísca e já estamos discutindo se urna eletrônica tem opinião própria.
Manuel Castells, em seu livro “Ruptura”, observa que sistemas entram em crise quando deixam de refletir a vida real das pessoas. A política perde legitimidade porque perde conexão. Bolsonaro cresceu exatamente nesse vácuo — e o ampliou. Transformou ressentimento em ferramenta e indignação em combustível. Sua queda não é obra de destino; é obra do próprio desequilíbrio que produziu.
A prisão, portanto, não é fechamento: é consequência. E, como toda consequência tardia, chega sem glamour. Não corrige o passado, não cura as feridas, não reordena automaticamente a política. Apenas nos lembra, com uma certa ironia amarga, que deixamos tudo ir longe demais.
Por isso, não dá pra comemorar. Não porque Bolsonaro — ou qualquer outro — mereça clemência, mas porque o país merece lucidez. Euforia costuma atrapalhar. Culpa, então, nem se fala. O Brasil precisa menos de catarse e mais de coluna vertebral institucional.
Entre a comemoração dos que acreditam ter vencido e o desespero dos que fingem perseguição, sobra um país que tenta se equilibrar. E esse país, ao contrário das torcidas, não pode se dar ao luxo de delirar.
O desafio agora não é punir. É amadurecer. Porque, no final das contas, a prisão de um ex-presidente diz menos sobre ele e mais sobre nós — sobre a república que deixamos escorregar pelas mãos enquanto discutíamos memes, lives e bravatas.
O espelho está aí. Cabe ao Brasil decidir se olha ou se segue fingindo que não viu.
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