Em recente julgamento realizado no final do mês de agosto (processo nº. 2158126-17.2023.8.26.0000), o Tribunal de Justiça de São Paulo negou o direito à herança de viúva que, apesar de juridicamente casada, já se encontrava separada de fato do falecido, excluindo-a, assim, da partilha de bens em Inventário Judicial.
Ao fundamentar o voto acolhido pelos demais integrantes do tribunal paulistano, o desembargador Ênio Zuliani ressaltou que o Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que a separação de fato acarreta consequências jurídicas relevantes, tais como a cessação da comunicabilidade de bens, do dever de coabitação e fidelidade recíproca, que devem se estender também ao direito sucessório do cônjuge sobrevivente.
A questão é importante, porque, em regra, o cônjuge é herdeiro necessário, concorrendo com os filhos do cônjuge falecido(a) e, na ausência deste, com os ascendentes, sendo ainda herdeiro exclusivo no caso de ausência de ascendente(s) e descendente(s).
O julgamento evidenciou uma celeuma ainda pendente de definição pelos tribunais pátrios, qual seja, o direito à herança do cônjuge sobrevivente que já se encontrava separado de fato do cônjuge falecido no momento do óbito deste. O tema é controverso, pois a Emenda Constitucional nº66 de 2010 extinguiu a necessidade de prévia separação de fato ou separação judicial para o divórcio, introduzindo o divórcio direto no ordenamento jurídico pátrio e minimizando a relevância da culpa na atribuição de direitos e deveres entre os cônjuges.
Ocorre que, apesar da alteração do texto constitucional, o artigo 1.830 do Código Civil permanece com a redação originária, que assegura o direito sucessório ao cônjuge sobrevivente nos casos em que, ao tempo da morte do outro, não se encontrava separado judicialmente ou estava separado de fato há menos de dois anos, salvo nas hipóteses de culpa do sobrevivente pelo fim do relacionamento.
Alicerçando-se na supremacia do texto constitucional e na interpretação sistêmica do Direito das Famílias e das Sucessões, os tribunais pátrios vêm consolidando o entendimento segundo o qual a separação de fato, por si só, rompe os efeitos patrimoniais tanto no âmbito do divórcio, como também na sucessão do cônjuge falecido.
Em recente Acórdão proferido acerca do tema (processo nº. 0702591-87.2021.8.07.0000), o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios enfatizou que o direito sucessório do cônjuge sobrevivente encontra fundamento na afetividade e solidariedade dos consortes, ou seja, no propósito de manutenção e preservação da entidade familiar, não se justificando, assim, a permanência de direito sucessório quando já identificada a separação de fato.
Na verdade, uma vez cessada a convivência marital pela separação de fato, não há solidariedade familiar e afetividade que justifiquem a atribuição de direitos sucessórios ao cônjuge sobrevivente. Enfatize-se que, em muitas hipóteses, a concessão de direitos sucessórios ao cônjuge sobrevivente reduzirá significativamente o patrimônio herdado pelos descendentes e ascendentes do(a) falecido(a), podendo inclusive caracterizar enriquecimento indevido daquele em detrimento destes.
Por fim, é pertinente registrar que o direito sucessório do cônjuge separado de fato restaura ainda a análise da culpa pelo fim do relacionamento conjugal, pois o referido artigo 1.830 do Código Civil resguarda expressamente os direitos sucessórios ao cônjuge inocente. Neste contexto, caso a separação de fato tenha ocorrido, por exemplo, em virtude da expulsão ou violência doméstica ocasionada pelo homem contra a mulher, esta poderá ter preservados os seus direitos sucessórios.
Verifica-se, portanto, que após duas décadas de vigência do Código Civil, período no qual as relações familiares sofreram profundas alterações, o assunto precisa ser apreciado pelo Congresso Nacional. Neste sentido, é oportuna e alvissareira a recente instauração de Comissão de Juristas para a revisão e atualização do Código Civil.
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.