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É advogado, especialista em Regularização Imobiliária, membro da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB/ES

Como regularizar a propriedade de um imóvel com o usucapião extrajudicial

Muitas vezes, quem exerce a posse de um imóvel acredita que isso basta — afinal, mora no local há anos, paga IPTU, fez benfeitorias e nunca foi incomodado. No entanto, posse não é propriedade

  • Gabriel Caraccioly de Paulo Alves É advogado, especialista em Regularização Imobiliária, membro da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB/ES
Publicado em 01/07/2025 às 15h13

Regularizar um imóvel ainda é, para muitos capixabas, um desafio marcado por burocracia, altos custos e longos processos judiciais. Mas há uma alternativa eficiente e legal, muitas vezes desconhecida por grande parte da população: a usucapião extrajudicial. Trata-se de um procedimento previsto na legislação brasileira que permite a aquisição da propriedade de um bem imóvel por meio da posse prolongada e ininterrupta, sem a necessidade de ajuizar uma ação judicial.

A possibilidade de regularizar imóveis diretamente no cartório foi introduzida com o advento do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), que, em seu artigo 1.071, incluiu o artigo 216-A na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73). Desde então, o procedimento foi detalhado pelo Código Nacional de Normas do CNJ e, em nível estadual, pelo Código de Normas do Espírito Santo, consolidando-se como um instrumento legítimo, técnico e célere.

Muitas vezes, quem exerce a posse acredita que isso basta — afinal, mora no local há anos, paga IPTU, fez benfeitorias e nunca foi incomodado. No entanto, posse não é propriedade. A posse é apenas o exercício de fato sobre o bem, enquanto a propriedade é um direito real, pleno e formalmente reconhecido pelo registro. Apenas quem tem a matrícula do imóvel em seu nome é, legalmente, o proprietário.

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Regularização de imóveis. Crédito: Shutterstock

O proprietário detém o chamado poder real sobre a coisa: o direito de usar, gozar, dispor e reaver o bem de quem injustamente o detenha, conforme previsto no art. 1.228 do Código Civil. Trata-se de um poder absoluto, exclusivo e oponível contra todos.

Assim, regularizar o imóvel e registrar a propriedade não é apenas uma formalidade — é assegurar a plenitude do direito, com efeitos jurídicos, econômicos e sucessórios concretos. É a única forma de garantir segurança, valorização patrimonial e liberdade jurídica para vender, transferir, financiar ou deixar o bem como herança.

A usucapião, em sua essência, é uma forma de aquisição da propriedade fundada na posse exercida com ânimo de dono, de forma contínua, pacífica e duradoura. É o que a doutrina classifica como modo originário de aquisição da propriedade, pois rompe com a cadeia dominial anterior, conferindo novo início registral à titularidade do bem. Essa natureza tem um efeito prático relevante: por se tratar de aquisição originária, não incide o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) — entendimento já pacificado pelos tribunais superiores.

O procedimento extrajudicial nasce no cartório de notas, com a lavratura da ata notarial — documento público que atesta, com fé pública, o tempo, a natureza e as condições da posse exercida sobre o imóvel. Essa ata funciona como título-base da usucapião, sendo obrigatoriamente lavrada em tabelionato situado na mesma circunscrição do cartório de registro de imóveis competente, conforme exigem os Códigos de Normas estaduais.

Somente após a lavratura da ata o procedimento segue para o Cartório de Registro de Imóveis, onde será instruído com os demais documentos essenciais: certidões, comprovantes de tempo de posse, identificação dos confrontantes e — quando necessário — planta e memorial descritivo do imóvel. Importante destacar que a planta pode ser dispensada quando o imóvel já estiver matriculado com medidas compatíveis ou estiver inserido em loteamento regular, desde que não haja dúvidas quanto à delimitação da área.

Os confinantes (vizinhos do imóvel) e o proprietário tabular, se houver, devem ser identificados e notificados, conforme o artigo 407 do Código Nacional de Normas. A anuência pode ser expressa ou tácita: o silêncio por mais de 15 dias, após notificação válida, é interpretado como concordância. A finalidade dessa exigência é assegurar a delimitação da área e a ausência de litígio possessório, e não exigir o reconhecimento do direito material pelos terceiros.

Existem diferentes modalidades de usucapião, que variam conforme o tempo de posse, a existência de justo título, a boa-fé e a destinação do imóvel:

  • Usucapião Ordinária: 10 anos de posse com justo título e boa-fé;
  • Usucapião Extraordinária: 15 anos de posse sem título ou boa-fé (podendo reduzir para 10 com benfeitorias);
  • Usucapião Especial Urbana (Pró-Moradia): 5 anos em imóvel de até 250m² para moradia habitual e exclusiva;
  • Usucapião Especial Rural (Pró-Labore): 5 anos em área de até 50 hectares, com uso para moradia e subsistência;
  • Usucapião Familiar: 2 anos de posse exclusiva do imóvel após abandono do lar pelo cônjuge.

O justo título, presente em algumas dessas modalidades, é o documento que dá origem à posse — como um contrato de compra e venda, promessa, cessão ou recibo. Na usucapião extraordinária, porém, não é exigido justo título, bastando a comprovação da posse pelo prazo legal, desde que mansa, pacífica e ininterrupta.

A grande vantagem do procedimento extrajudicial está na sua celeridade. Enquanto uma ação judicial pode levar de 5 a 10 anos, a via cartorial, quando bem instruída e acompanhada, pode ser concluída entre 6 meses a 1 ano. Isso representa economia de tempo, recursos e desgaste emocional para o possuidor.

Entretanto, o procedimento enfrenta desafios estruturais, sendo o custo total dos emolumentos cartorários um dos principais entraves à sua difusão. A lavratura da ata notarial, as certidões, planta técnica, notificações e registro podem somar valores superiores a R$ 20 mil — um montante expressivo mesmo para famílias de classe média. Isso desestimula a regularização e faz com que a posse continue informal, dificultando o acesso ao crédito, à venda segura do imóvel e à sucessão formal.

Esse desinteresse pela regularização prejudica não só o particular, mas também o interesse público. Municípios e estados deixam de arrecadar com ITBI, IPTU e taxas incidentes sobre transações futuras. A informalidade imobiliária compromete o ordenamento urbano e perpetua a insegurança jurídica. Por isso, é urgente discutir políticas de redução de custos, incentivos e fomento à regularização, de forma articulada entre cartórios, prefeituras e órgãos estaduais.

Além disso, a regularização fundiária extrajudicial tem efeito preventivo poderoso, pois minimiza litígios, evita disputas possessórias e familiares, e reduz consideravelmente a judicialização de conflitos. Ao permitir que a posse seja convertida em propriedade de forma técnica e segura, o procedimento preserva relações sociais, pacifica comunidades e desafoga o Poder Judiciário, liberando o para atuar em demandas que realmente exigem jurisdição contenciosa.

Em síntese, a usucapião extrajudicial é um poderoso instrumento de justiça social e de desenvolvimento urbano e rural. Ela transforma a posse legítima em propriedade, garante segurança jurídica, valoriza o imóvel e promove cidadania. É uma solução moderna e eficaz, que precisa ser difundida, acessibilizada e fortalecida como política pública.

Como advogado atuante em Direito Imobiliário, Notarial e Registral, vejo cotidianamente o impacto transformador desse procedimento. Quando bem conduzido, a usucapião extrajudicial é mais do que um instrumento jurídico: é um caminho de pacificação social e progresso urbano.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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