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É médico sanitarista. Foi secretário da Saúde do ES e secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde. Também presidiu o Conass (Conselho Nacional de Secretário de Estado da Saúde)

Justiça tributária: a luta é na sociedade, não contra o Congresso

Há espaço moral e fiscal para tributar fortunas e rendimentos financeiros, ação que não demoniza o sucesso, mas corrige um sistema em que o peso recai desproporcionalmente sobre salários, sobre a base da pirâmide social.

  • Nésio Fernandes É médico sanitarista. Foi secretário da Saúde do ES e secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde. Também presidiu o Conass (Conselho Nacional de Secretário de Estado da Saúde)
Publicado em 30/06/2025 às 14h37

derrubada, pelo Congresso, do decreto que reajustava o IOF escancarou como a política tributária hoje se define tanto no plenário quanto nas redes. Na medida revogada, as operações mais frequentes dos estratos C e D ficariam isentas de impacto significativo, e a carga recairia sobre operações realizadas por pessoas de maior renda, com estimativa de arrecadação de R$ 30 bilhões.

Bastou o rótulo “imposto contra o povo”, impulsionado por influenciadores que não representam a maioria da população, para criar o palco que uniu 383 deputados e sepultou a norma, apesar do pacto firmado entre o Executivo e os presidentes da Câmara e do Senado.

Uma lição é clara: sem comunicação pedagógica e base social mobilizada, nenhum ajuste justo resiste ao vendaval da desinformação, instrumentalizado por interesses conhecidos e bem definidos. Mas isso é o palco, não é a obra dos atores em si.

Por outro lado, a reação do governo e da esquerda deve ser dosada. Não se decide a estratégia da próxima Copa na primeira hora da derrota do 7 × 1. O embate dá-se num Orçamento recorde de R$ 5,888 trilhões. Quase 28 %, R$ 1,655 tri, destinam-se apenas ao refinanciamento da dívida pública.

Enquanto o Tesouro remunera credores sem protesto, com cerca de R$ 600 bilhões previstos em saldos acumulados, o agronegócio celebra o maior Plano Safra já visto, e o Parlamento controla cerca de R$ 50 bilhões em emendas, menos de 1% do orçamento, mas com formidável poder de veto.

Não é razoável que o Executivo se torne refém dessa fração destinada a emendas; tampouco há votos, nem vontade política, para extingui-la. A saída passa por acertar na política, rever e cumprir acordos, dar transparência às emendas e, progressivamente, implantar relatórios de impacto que as vinculem a metas nacionais verificáveis.

Apesar do barulho, os indicadores sociais impressionam. Segundo o IBGE, programas federais de transferência de renda reduziram em 80 % a extrema pobreza entre 2023 e 2025; sem eles, a miséria teria dobrado. A taxa de desemprego caiu para 6,2 % no trimestre móvel encerrado em maio de 2025, o menor da série histórica, e o salário mínimo voltou a registrar ganho real. No topo da pirâmide, os quatro maiores bancos lucraram R$ 108,2 bilhões em 2024, recorde nominal sustentado por juros altos.

Há, portanto, espaço moral e fiscal para tributar fortunas e rendimentos financeiros, ação que não demoniza o sucesso, mas corrige um sistema em que o peso recai desproporcionalmente sobre salários, sobre a base da pirâmide social.

Mesmo assim, parte do establishment financeiro pressiona pela revogação dos pisos constitucionais de saúde e educação. Bastaria um gesto do Planalto para o Congresso aprovar a desvinculação em rito relâmpago, com impacto modesto diante do trilhão voltado à dívida. Trocar direitos sociais por um ajuste torto geraria alívio efêmero com custo político e social duradouro, além de comprometer o SUS e o futuro das escolas.

Reforma administrativa passou pela CCJ e segue em tramitação
Reforma administrativa passou pela CCJ e segue em tramitação. Crédito: CNJ/Rodolfo Stuckert

Depois da derrota do IOF, a esquerda no poder precisa respirar. Rotular o Congresso como “inimigo do povo” produz catarse, não governabilidade. Lula, estadista forjado no fim da Guerra Fria e único a conduzir o Brasil por três mandatos democráticos, sabe que reformas distributivas exigem paciência, coalizão e capilaridade federativa.

A justiça tributária seguirá enfrentando resistência de quem lucra com o status quo; triunfará quem combinar firmeza programática, articulação permanente e comunicação que fale aos bolsos, e não apenas às bolhas, da sociedade que trabalha, empreende e sonha. Não é razoável à esquerda, depois de uma tentativa de golpe que incluiu explodir um aeroporto e assassinar as principais autoridades do país, eleger como palavra de ordem o “Congresso Nacional inimigo do povo” e convocar passeata contra ele.

Na cena democrática, a luta deve ser travada na sociedade e não contra o Parlamento.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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