É graduado em Direito pela Ufes e assessor jurídico do Ministério Público Federal (MPF). Questões de cidadania e sociedade têm destaque neste espaço. Escreve às sextas-feiras

Derrubada de decretos do IOF e a hipocrisia fiscal do Congresso

O cenário em torno do IOF mais parece pressão política de parlamentares, sobretudo do chamado Centrão, expondo mais uma vez um modelo de parlamentarismo informal que favorece o presidencialismo de cooptação

Publicado em 27/06/2025 às 03h00

Por mais que seja inequívoca a premência de conduzir as despesas públicas a um patamar de sustentabilidade ao longo do tempo, a derrubada dos decretos presidenciais que aumentavam as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) não representou o desiderato visado pelo Congresso Nacional. Tampouco a motivação sincera foi a repulsa legítima ao aumento da carga tributária no país.

A votação em caráter de urgência da derrubada dos decretos presidenciais, numa análise mais superficial, pode até denotar certa preocupação com a austeridade das contas públicas; todavia, revela uma decisão de natureza meramente política, expressando a irresignação dos parlamentares com a demora que atribuem à liberação das emendas parlamentares.

Sob o aspecto jurídico, a medida é inclusive questionável, uma vez que o artigo 153, § 1º, da Constituição faculta ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas de certos tributos, dentre os quais o IOF – tributo que ostenta natureza dúplice: a um só tempo, visa a finalidade regulatória e fiscal, isto é, não busca apenas arrecadar, mas sustentar a estabilidade econômico-financeira do país.

Tanto é verdade que a última vez que o Congresso Nacional derrubou um decreto presidencial foi em 1992, no governo Collor, pouco antes da abertura do processo de impeachment contra o ex-presidente, o que acentua o peso da derrota sofrida pelo governo Lula na noite de quarta-feira na Câmara dos Deputados e no Senado.

Após a Câmara ter sustado os decretos numa sessão polêmica marcada por plenário esvaziado, o Senado, em votação relâmpago, que durou escassos minutos, optou por realizar um escrutínio simbólico como alternativa para evitar o constrangimento de revelar os votos de governistas que, curiosamente, votaram em massa contra o governo no qual loteiam ministérios.

O cenário em torno do IOF mais parece pressão política de parlamentares, sobretudo do chamado Centrão, expondo mais uma vez um modelo de parlamentarismo informal que favorece o presidencialismo de cooptação: propostas avançam no Congresso à medida que o Executivo cede às pressões por mais poder e recursos aos parlamentares.

Exemplifica essa dinâmica o fato de, no mesmo dia, o Senado ter aprovado uma proposta de lei oriunda da Câmara, que aumenta de 513 para 531 o número de deputados federais – o que pode custar quase R$ 380 milhões aos cofres públicos, sem considerar o efeito cascata no aumento do número de deputados estaduais.

Congresso Nacional
Congresso Nacional. Crédito: Leonardo Sá/Agência Senado

A suposta pretensão do Congresso Nacional em laborar pela responsabilidade fiscal e controle das contas públicas também contrasta com a notícia veiculada recentemente que informa que o atual presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, pediu, em 2023, um reembolso de R$ 27 mil por um jantar com 30 integrantes de seu próprio partido.

Se de fato o Congresso quer contribuir com a redução do endividamento estatal, deveria começar por dar o exemplo, cortando suas próprias despesas, sobretudo gastos com supérfluos e privilégios inconcebíveis numa República que se diz à beira do precipício fiscal.

Nesse embate entre o Congresso e o Executivo, quem perde é a sociedade brasileira. O mesmo pode ser dito sobre episódios não muito remotos de tensionamento entre o Poder Legislativo e o Supremo Tribunal Federal. O país não pode ficar refém do Centrão. E em tempos em que se faz necessário reiterar o óbvio, convém sublinhar: no dia 7 de setembro de 1993, os brasileiros definiram, através de plebiscito, a manutenção do sistema de governo presidencialista.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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