
A compra de um imóvel na planta é a realização de um sonho. No entanto, esse sonho pode se transformar em frustração quando o comprador decide desistir do negócio. Surge, então, a figura do distrato: o cancelamento do contrato de compra e venda. Mas será que é possível sair de um contrato de forma tranquila? Quais são os direitos do comprador? E até onde vai o poder da incorporadora de reter os valores pagos?
Essas perguntas são mais frequentes do que se imagina, especialmente diante da realidade do mercado imobiliário brasileiro. Atrasos na entrega das obras, dificuldades para obter financiamento ou mudanças inesperadas na vida pessoal e financeira do comprador acabam tornando o distrato uma alternativa necessária. E, é justamente por isso que o tema merece atenção: porque envolve aspectos legais, emocionais e patrimoniais.
Desde 2018, o distrato passou a ser regulado por uma legislação própria: a Lei nº 13.786/18, conhecida como Lei do Distrato. Essa norma surgiu para estabelecer limites e deveres tanto para o comprador quanto para a incorporadora. Isso porque, antes da sua vigência, muitos consumidores se viam em desvantagem, lidando com cláusulas abusivas e retenções excessivas dos valores pagos. Agora, o cenário está mais equilibrado — embora a atenção ao contrato assinado continue sendo fundamental.
É importante entender que o distrato pode acontecer por diferentes razões. Quando a culpa é da incorporadora — por exemplo, em casos de atraso superior a 180 dias na entrega do imóvel, ou quando as características do bem entregue são diferentes daquelas prometidas —a lei é clara: o comprador tem direito à rescisão do contrato e à devolução integral dos valores pagos. E essa não é apenas uma previsão legal, mas um entendimento reforçado pela jurisprudência, como demonstra a Súmula 543 do STJ, que garante o ressarcimento integral ao consumidor nesses casos.
Mas e quando a desistência parte do comprador? Seja por dificuldades financeiras, seja por mudança de planos, seja por simplesmente ter se arrependido, é possível cancelar o contrato, mesmo que não haja falha por parte da incorporadora. Nesse cenário, a Lei do Distrato permite que a empresa retenha parte do valor pago. O percentual permitido é de 25%, podendo chegar a 50% nos empreendimentos regidos pelo patrimônio de afetação.
Nesses casos, o objetivo da legislação é equilibrar os interesses de quem desiste com a necessidade de garantir a continuidade da obra e a proteção dos demais compradores. Ainda assim, a multa só é válida se estiver prevista em contrato e respeitar os limites legais — do contrário, pode ser considerada abusiva.
Outro ponto que costuma gerar dúvidas é o direito de arrependimento. Afinal, quem compra um imóvel na planta pode se arrepender? A resposta é: depende das circunstâncias da compra. O Código de Defesa do Consumidor garante o direito de arrependimento em até sete dias quando o contrato é firmado fora do estabelecimento comercial, como em stands de venda. Nessa situação, o comprador pode desistir sem precisar justificar o motivo e sem sofrer qualquer retenção, desde que a desistência seja formalizada dentro do prazo legal.
Também é importante destacar que o distrato continua possível mesmo em casos de inadimplência — ou seja, quando o comprador deixa de pagar as parcelas. A diferença está na forma de devolução: nesse caso, os valores em aberto podem ser descontados e a incorporadora pode aplicar uma multa contratual, desde que respeitados os limites estabelecidos por lei. Ainda assim, o consumidor não perde o direito de reaver, de forma proporcional, aquilo que pagou até o momento.
Diante de tantos detalhes e variáveis, surge uma última e fundamental pergunta: como agir diante da necessidade de distrato? O primeiro passo é realizar uma leitura atenta do contrato assinado. É nele que estão previstas as regras específicas sobre multas, prazos, percentuais de retenção e condições para devolução dos valores. Em caso de dúvida ou insegurança, o ideal é buscar orientação jurídica especializada antes mesmo de formalizar a solicitação. Isso porque, em muitos casos, a incorporadora pode propor acordos com retenções indevidas ou estabelecer prazos excessivamente longos para devolução, por exemplo.
Outro ponto importante a ser analisado é que quando já existe um financiamento em curso com alguma instituição bancária, o distrato dependerá do contrato estabelecido. Os casos que envolvem a Caixa acabam sendo direcionados por ação judicial já que nem sempre há resposta para um acordo amigável.
Além disso, convém ressaltar que o comprador precisa trazer as provas necessárias para negociação por meio de notificação extrajudicial ou ação judicial. Não basta falar de “juros abusivos” ou “imóvel com defeito” ou “o prazo da obra acabou”.
Na verdade, o comprador vai precisar trazer o laudo técnico pericial contábil para o caso de análise das parcelas e juros aplicados, bem como o laudo técnico pericial de engenharia ou arquitetura para direcionar os vícios construtivos em questão. Já o atraso de obra pode ser demonstrado pela falta de retorno ou má organização da incorporadora ou construtora.
Portanto, mais do que saber que o distrato é possível, o consumidor precisa estar ciente de que existem direitos envolvidos — e que eles podem e devem ser exercidos com consciência. Afinal, quando se trata de um investimento tão significativo quanto a compra de um imóvel, informação é a chave para garantir segurança, evitar prejuízos e tomar decisões bem fundamentadas. Por isso, cabe a procura de advogado, contador, engenheiro e arquiteto especialista no tema para uma orientação adequada ao caso.
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