Cássia Clésio é advogada especializada em planejamento imobiliário e traz, quinzenalmente, temas ligados ao dia a dia de quem está pensando em comprar, vender, construir, regularizar, investir ou alugar um imóvel.

Como garantir a segurança das edificações e prevenir problemas mais graves?

Pequenas fissuras podem indicar movimentações estruturais; infiltrações comprometem o concreto; e a corrosão das armaduras pode levar ao colapso parcial ou total do edifício

Publicado em 21/05/2025 às 10h35
manutenção predial, reforma, conservação
A manutenção predial assume um papel indispensável na preservação da segurança e da valorização dos imóveis. Crédito: Shutterstock

Você já observou o estado do prédio onde mora ou trabalha? Trincas, infiltrações e desprendimentos de revestimentos podem parecer meros problemas estéticos, mas, na realidade, são sinais de falhas estruturais que comprometem a segurança dos ocupantes. A falta de inspeção e manutenção predial é uma das principais causas de acidentes, alguns com consequências fatais. Diante disso, surge uma pergunta fundamental: como garantir a segurança das edificações e prevenir problemas mais graves?

Para responder a essa questão, é preciso compreender que as chamadas patologias construtivas podem surgir por diversos fatores, como falhas no projeto, erros na execução da obra e uso inadequado de materiais. Pequenas fissuras, por exemplo, podem indicar movimentações estruturais; infiltrações comprometem o concreto; e a corrosão das armaduras pode levar ao colapso parcial ou total do edifício. Por isso, identificar esses problemas a tempo é essencial para evitar danos irreversíveis e preservar vidas.

Nesse contexto, a manutenção predial assume um papel indispensável na preservação da segurança e da valorização dos imóveis. A adoção de um plano de manutenção preventiva, alinhado às normas da ABNT, permite não apenas reduzir gastos com reformas emergenciais, mas também mitigar riscos à integridade da edificação e de seus usuários. Infelizmente, muitos condomínios negligenciam essa prática, adotando uma postura reativa que só se manifesta quando os problemas já se tornaram críticos. Mas será que vale a pena esperar até que uma situação de risco se concretize? 

A realidade observada em alguns municípios, como em Vitória, ilustra bem os desafios enfrentados nesse cenário. Na cidade, a obrigatoriedade do laudo de inspeção foi substituída pelo manual de uso, operação e manutenção das edificações. Na prática, isso transfere a responsabilidade das construtoras para os condomínios, que agora devem elaborar e manter atualizado esse documento — mesmo sem acesso, muitas vezes, a informações técnicas básicas, como os projetos originais da construção. Em edificações mais antigas, essa tarefa se torna ainda mais complexa. 

Somado a isso, a ausência de um laudo de inspeção técnica realizado por engenheiros ou arquitetos agrava ainda mais a situação. Sem esse diagnóstico especializado, muitos problemas estruturais passam despercebidos, elevando os riscos aos ocupantes e dificultando a implementação de medidas corretivas eficazes. 

Diante desse cenário preocupante, a autovistoria surge como um instrumento fundamental para garantir a segurança estrutural das edificações. Essa inspeção, que idealmente deve ocorrer a cada cinco anos, é recomendada mesmo em locais onde não há exigência legal. A contratação periódica de um profissional habilitado para avaliar as condições do prédio é uma estratégia preventiva que pode salvar vidas. 

Com o objetivo de enriquecer ainda mais essa discussão e trazer perspectivas técnicas sobre o tema, realizamos entrevistas com as engenheiras Aline Marques e Karen Marques, profissionais atuantes na área de engenharia civil com vasta experiência em engenharia diagnóstica e inspeções. 

Manutenção preventiva como pilar da durabilidade das edificações

Aline M. Marques, Engenheira Civil e de Segurança do Trabalho
Aline Marques: "A inspeção especializada funciona como um verdadeiro check-up técnico, permitindo identificar o estado atual da edificação". Crédito: Divulgação

1. Como a falta de manutenção preventiva pode acelerar ou agravar essas patologias?

A manutenção preventiva é um dos pilares da durabilidade das edificações, conforme preconizado pela ABNT NBR 5.674:2024 – Manutenção de edificações – Requisitos para o sistema de gestão de manutenção. Sua ausência compromete o desempenho dos sistemas construtivos, acelerando o surgimento de manifestações patológicas como infiltrações, corrosão das armaduras, eflorescência, descolamento de revestimentos e deterioração de sistemas elétricos, hidráulicos e estrutural. 

Por exemplo, a não verificação periódica de calhas e ralos pode causar obstruções, resultando em acúmulo de água e infiltrações que comprometem vigas e lajes, gerando fissuras e perda de capacidade estrutural. A falta de manutenção das áreas impermeabilizadas, dentro dos prazos estipulados para manutenção. O assoreamento das caixas de passagens de cabeamento elétrico subterrâneas, dentre outros muitos problemas. A negligência nesse tipo de manutenção pode, inclusive, agravar os riscos estruturais e de curtos-circuitos e incêndios em áreas técnicas mal isoladas. 

2. Como funciona, na prática, o processo de autovistoria técnica? Quais são as etapas

A autovistoria predial é um procedimento técnico que avalia as condições de conservação, estabilidade e segurança das edificações, conforme previsto na Lei Estadual nº 6.400/2013 do RJ e fundamentado tecnicamente pelas NBRs 5.674:2024, NBR 14.037:2024 – Diretrizes para elaboração de manual de uso, operação e manutenção das edificações, e NBR 16.747:2020 – Inspeção predial – Diretrizes, conceitos, terminologia e procedimento. As etapas são: 

  • Análise documental: verificação de projetos, manuais, registros de manutenção e laudos anteriores.
  • Inspeção técnica sensorial: observação direta de anomalias em elementos estruturais, fachadas, coberturas, esquadrias, sistemas elétricos, hidráulicos, de gás e prevenção contra incêndio.
  • Classificação das falhas: com base em grau de risco (urgência de intervenção) e gravidade do dano.
  • Registro técnico: fotos, medições e croquis.
  • Emissão do laudo técnico: contendo diagnóstico, recomendações e prazo para correções; 
  • Elaboração ou atualização do plano de manutenção. 

3. Em autovistorias recentes, há algum padrão de erro ou negligência que tem se repetido nos condomínios? 

Sim. A ausência de um plano de manutenção sistemático, conforme orienta a NBR 5.674, é um dos erros mais comuns. Muitos condomínios não possuem um histórico técnico de intervenções, o que dificulta a gestão da edificação e favorece a reincidência de falhas. 

Também é comum a inexistência do manual de uso, operação e manutenção das edificações, previsto na ABNT NBR 14.037:2024. Em grande parte dos condomínios, esse documento sequer é entregue pela construtora. Quando isso ocorre, é responsabilidade do condomínio providenciá-lo. O manual é fundamental para orientar a manutenção correta dos sistemas da edificação e garantir sua longevidade e segurança.

Além disso, são recorrentes falhas de estanqueidade, devido à negligência em serviços de impermeabilização (ABNT NBR 9.575:2010 e NBR 9.574:2008), principalmente em lajes de cobertura e jardineiras. Outro ponto crítico é a instalação incorreta de aparelhos de ar-condicionado, sem bandejas ou drenagem adequada, provocando infiltrações em fachadas.

Por fim, observa-se grande deficiência na verificação das instalações de gás e dos sistemas de proteção contra descargas atmosféricas – áreas muitas vezes esquecidas pelas gestões condominiais, além de um aumento considerável nos acidentes com elevadores.

4. Que dicas você daria para um prédio com orçamento apertado começar um plano de manutenção predial?

O primeiro passo é realizar uma inspeção predial simplificada, com base na NBR 16.747:2020, para identificar as anomalias críticas e definir as prioridades. Essa ação permite organizar as intervenções por grau de urgência e impacto, otimizando os recursos financeiros disponíveis. 

Sugere-se a criação de um Plano de Manutenção Anual com base na NBR 5674, segmentando os sistemas por periodicidade: elétrica (anualmente), impermeabilização (a cada 3 a 5 anos), fachada (a cada 5 anos), entre outros. Ferramentas como cronogramas visuais, checklists e relatórios digitalizados ajudam na gestão e facilitam a prestação de contas.

Além disso, recomenda-se capacitar o zelador ou responsável predial para acompanhar e registrar intervenções simples. E, quando possível, negociar contratos preventivos com empresas especializadas, o que pode reduzir custos em médio prazo.

"Tudo começa com reformas em unidades privativas"

Karen Marques, engenheira civil, pós-graduada em Engenharia Diagnóstica, Patologia das construções e Perícias de Engenharia,
Karen Marques: "A inspeção especializada funciona como um verdadeiro check-up técnico, permitindo identificar o estado atual da edificação". Crédito: Divulgação

1. Quais normas da ABNT são fundamentais nesse processo de vistoria e manutenção? 

Não é possível falar sobre manutenção sem abordar também as reformas. Por isso, considero essencial incluir normas extremamente relevantes, como a NBR 16.280:2024, que trata das reformas em edificações; a NBR 5674:2024, que estabelece os requisitos para a gestão da manutenção; e a NBR 13.752:2024, voltada à atuação das perícias de engenharia na construção civil. 

2. Em casos de edificações muito antigas, quais estratégias você recomenda para mapear riscos mesmo sem acesso ao projeto original? 

Em edificações, sejam antigas ou recentes, que não possuem documentação ou projetos, é fundamental contar com uma empresa e um profissional especializados em perícias de engenharia e patologia das construções. A inspeção especializada funciona como um verdadeiro check-up técnico, permitindo identificar o estado atual da edificação, os riscos envolvidos, as adequações necessárias e os impactos na garantia de cada sistema construtivo. 

3. Em sua prática, quais são os erros mais comuns que os moradores cometem que comprometem a estrutura? 

Tudo geralmente começa com reformas em unidades privativas. Muitas pessoas acreditam que não há problema algum em trocar o piso, instalar um ar-condicionado ou até mesmo colocar uma jacuzzi no terraço. No entanto, essas intervenções, quando realizadas sem orientação técnica, podem gerar consequências graves, não apenas para a própria unidade, mas também para a segurança dos demais moradores. 

Qualquer alteração estrutural ou que envolva sobrecarga deve contar com a responsabilidade técnica de um engenheiro ou arquiteto, não apenas para emissão da ART ou RRT, mas também para elaboração do plano de reforma, análise dos impactos e garantia da viabilidade técnica das mudanças. Um exemplo trágico foi o caso do Edifício Liberdade, em São Paulo, onde, em 2012, em que reformas sem avaliação técnica resultaram no colapso do prédio e na morte de 22 pessoas. 

Também é fundamental reforçar os cuidados na contratação de prestadores de serviços. Muitas intervenções ainda são realizadas sem qualquer critério técnico, sem fiscalização adequada e, sobretudo, sem o suporte de uma consultoria especializada em engenharia civil, profissional capacitado para prevenir falhas construtivas e solucionar, com segurança e eficiência, problemas já existentes. A ausência dessa orientação técnica compromete a qualidade da obra, fragiliza a garantia dos serviços, gera retrabalhos, eleva os custos e, em muitos casos, desvaloriza significativamente o imóvel.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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