No Brasil, o perfil da mãe solo é uma representação clara da desigualdade de gênero. Existem mais de 11 milhões de mulheres que assumem sozinhas a responsabilidade de criar seus filhos, sem a participação efetiva ou apoio dos pais, conforme informações do IBGE.
Quando essa realidade da maternidade solo se entrelaça com o cuidado de uma criança diagnosticada com Transtorno do Espectro Autista (TEA), o que já é desafiador se transforma em um fardo quase inalcançável — suportado, em grande medida, pelo amor e pela perseverança dessas mães.
As mães que criam filhos com autismo lidam com desafios multiplicados. Elas são encarregadas de agendar visitas ao médico, terapias, monitorar o desempenho escolar, conseguir laudos, administrar medicamentos e cuidar de todas as tarefas do cotidiano da criança. Simultaneamente, precisam se sustentar financeiramente, gerenciar o lar e, em muitos casos, se defender da violência simbólica ou direta do mundo ao seu redor.
Várias mulheres se afastam do mercado de trabalho devido à falta de flexibilidade para atender às necessidades dos filhos. Algumas conseguem se manter por meio de trabalhos temporários ou informais, mas isso depende da disponibilidade de alguém que possa cuidar da criança, o que nem sempre é viável devido à complexidade envolvida nos cuidados.
O desfecho? Uma existência caracterizada pela instabilidade financeira, pelo esgotamento físico e mental, além da ausência de suporte institucional.
A ausência do pai é um assunto frequentemente mencionado nas histórias dessas mulheres. O diagnóstico de autismo frequentemente marca o fim de muitos relacionamentos, deixando a mãe com toda a responsabilidade e a carga emocional da rejeição afetiva. Além disso, o estigma enfrentado por mães de crianças com comportamentos não convencionais as afasta de ambientes públicos e da própria família.
Os impactos emocionais são significativos: ansiedade, depressão, sensação de culpa e solidão persistente. Muitas dessas mães mal encontram tempo para cuidar de suas próprias necessidades ou procurar apoio psicológico.
Embora o autismo seja uma condição reconhecida e amparada por legislações nacionais e internacionais, o acesso efetivo a serviços públicos de saúde e educação no Brasil ainda é restrito, principalmente para mães solo que se encontram em situações de vulnerabilidade.
A oferta de profissionais qualificados em TEA permanece limitada, especialmente em áreas periféricas e fora dos grandes centros urbanos.
Escolas públicas frequentemente carecem de mediadores e de uma infraestrutura apropriada para atender alunos com autismo.
O valor das terapias particulares, como ABA, fonoaudiologia e psicopedagogia, é inacessível para a grande maioria das pessoas.
Essa situação cria um dilema para essas mães: se elas se dedicam ao trabalho, perdem a capacidade de monitorar o tratamento do filho; por outro lado, se optam por cuidar da criança em tempo integral, enfrentam dificuldades financeiras.
Nos anos recentes, diversas propostas começaram a surgir para apoiar essa comunidade, embora de maneira inicial. No Congresso Nacional, há projetos em andamento que já receberam aprovação e são considerados significativos.
Apesar de diversas iniciativas sinalizarem um progresso, o maior desafio reside na implementação efetiva e na verdadeira abrangência dessas políticas. Muitas mães não têm acesso ao conhecimento sobre a existência desses direitos e, quando conseguem, encontram uma burocracia que é insensível e restritiva.
Um dos principais obstáculos para a implementação de políticas eficazes é a falta de dados abrangentes sobre mães solo que têm filhos com autismo. Na ausência de informações precisas e recentes, o governo enfrenta dificuldades para desenvolver políticas apropriadas. Essas mulheres são frequentemente vistas como casos isolados, em vez de serem reconhecidas como um grupo significativo que requer apoio adequado.
As mães que criam sozinhas filhos autistas não apenas sustentam suas casas, mas também promovem um modelo de cuidado que o governo se recusa a validar. Elas não estão solicitando ajuda; estão reivindicando organização, tratamento adequado e dignidade. O apoio a filhos neurodivergentes não deve ser encarado como uma tarefa pessoal, mas sim como uma responsabilidade coletiva.
É necessário romper o silêncio institucional em relação a essa situação. É o momento de o Brasil prestar atenção de forma séria a essas mulheres que, diariamente, lutam em batalhas não percebidas — e seguem em frente, garantindo um amanhã para seus filhos.
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