Publicado em 17 de agosto de 2020 às 18:00
Um vídeo com conteúdo falso, antiquarentena e contra o governo da Argentina vem sendo intensamente compartilhado nas redes sociais em meio à pandemia, em diversos idiomas, inclusive em português. >
Na linha de outros que circulam com desinformação sobre o coronavírus, como o americano "Plandemic", o vídeo "Algo Grave Está Ocorrendo na Argentina" surgiu em 14 de agosto.>
Distribuído em grupos de WhatsApp, no Facebook e no Twitter, o vídeo foi visto 82 mil vezes em dois dias nesta última plataforma.>
Na gravação, um narrador, sem citar as origens das afirmações, elenca episódios que mostrariam o que seria a derrocada do país e que há na Argentina um regime ditatorial.>
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Também cita fatos, mas os exagera e os distorce. Afirma, por exemplo, que "os argentinos estão confinados há 120 dias e que [os números do] vírus só aumentam".>
Há quarentena com regras duras no país, mas não há ninguém "confinado". Há distintas fases de flexibilização em curso, com mais de dez províncias com baixíssima ou sem circulação do vírus.>
Na capital, a região metropolitana de Buenos Aires, o epicentro da pandemia atualmente, seguem fechados colégios, bares, restaurantes e shoppings.>
Dizer que as cifras do vírus só aumentam é correto, mas esconde o fato de que, segundo os principais infectologistas do país, como Pedro Cahn, se não fosse pela quarentena adotada com rapidez, em 20 de março, a Argentina poderia ter número de mortos cinco vezes maior do que o registrado até agora.>
O vídeo diz que se trata "da quarentena mais extensa e a mais inútil" do planeta uma mentira.>
Também afirma que o governo do presidente Alberto Fernández reprime a liberdade de expressão, promovendo perseguição a jornalistas. Não há o registro de nenhuma ação do tipo.>
O vídeo diz que a situação é tão grave que pode ser comparada ao período da ditadura argentina (1976-1983), em que houve repressão à liberdade de expressão de fato, além de 20 mil pessoas desaparecidas.>
A montagem afirma diz que Judiciário e Congresso estão paralisados, o que também não é verdade. Ambos funcionam por meio de videoconferências e um número menor de sessões presenciais.>
Também diz que pessoas estão sendo mortas por descumprirem a quarentena.>
Há, sim, o caso de um jovem cujo paradeiro é desconhecido. Ele teria sido visto, pela última vez, sendo advertido, num posto de controle, por estar sem a documentação necessária para transitar em estradas.>
Apoiadores da oposição difundem a ideia de que ele teria sido morto por não respeitar a quarentena. Não há, porém, evidências que sustentem a declaração, e a polícia ainda busca o rapaz.>
O vídeo, divulgado sem autoria, recorre à generalização. Descontextualiza panoramas mais amplos a partir de um evento. E, a partir da concatenação de exageros, constrói um raciocínio cuja conclusão é falsa.>
"Chamamos isso de controle de narrativa e é muito perigoso no universo da desinformação", diz Cristina Tardáguila, diretora-executiva da IFCN (International Fact-Checking Network) e cofundadora da Agência Lupa. "É muito perigoso porque atinge públicos de perfis diversos. E peças feitas com esse grau de sofisticação não são obra do acaso. É parte de uma estratégia ordenada".>
Ainda não se sabe quem controla as contas que mais divulgaram o vídeo, mas algumas delas o fizeram mais de 70 vezes. Tardáguila afirma acreditar que, ao reportar esse tipo de conteúdo, não o dissemine ainda mais. "O importante é sinalizar que existe, descrevê-lo, mas quanto menos compartilhar, melhor.">
O vídeo tem sido distribuído entre contas brasileiras. Há, ainda, uma versão em que um apoiador do presidente Jair Bolsonaro mostra a peça e faz comparações entre "o que o governo esquerdista da Argentina faz lá e o que STF [Superior Tribunal Federal], [o presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo] Maia e [o presidente do Senado Davi] Alcolumbre fazem aqui".>
A conclusão: "Se não tivéssemos eleito Bolsonaro, o Brasil não ia nem virar uma Venezuela, ia virar uma Argentina". A taxa de letalidade do coronavírus na Argentina é muito mais baixa do que a do Brasil. O país vizinho registra, atualmente, 127 óbitos por milhão de habitantes, contra 508/1 milhão do Brasil.>
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