Publicado em 8 de julho de 2020 às 17:15
A prisão de um jornalista na Rússia levou a protestos contra o que é identificado como uma crescente onda de repressão à imprensa no país de Vladimir Putin, opondo até os EUA ao Kremlin.>
Ivan Safronov de 30 anos, é assessor do chefe da agência espacial russa, a Roscosmos, e foi detido na terça (7) sob acusação de alta traição.>
Segundo investigação do FSB (Serviço Federal de Segurança, principal herdeiro da KGB soviética), desde 2012 Safronov era informante da inteligência da República Tcheca, país membro da Otan (aliança militar ocidental).>
O jornalista fez carreira como especialista de assuntos militares, a maior parte passada no diário de negócios Kommersant (empresário, em russo).>
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"Isso é um absurdo, todos [nós] o conhecemos. Ele era bem informado e publicava reportagens que os militares não queriam ver publicadas", disse por vídeo Dmitri Simakov, seu chefe desde 2019 em outro jornal econômico, o Vedomosti (notícias).>
Na quarta (8), um grupo de cerca de 20 pessoas, a maioria jornalistas, foi detido ao fazer um protesto em favor de Safronov na frente da sede do FSB, na icônica praça Lubianka, em Moscou.>
O ato não era autorizado, segundo a polícia. O grupo pedia um julgamento justo e sustentava que a prisão se deveu ao trabalho anterior do jornalista.>
Se for condenado, ele poderá pegar até 20 anos de cadeia. O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, negou ação contra a liberdade de expressão e disse acreditar no FSB.>
A prisão é o mais recente incidente envolvendo questões de liberdade de imprensa na Rússia, país que está na 149ª posição entre 180 nações avaliadas pela ONG Repórteres sem Fronteiras no quesito.>
Fatores geopolíticos sempre falam alto. A porta-voz da embaixada dos EUA em Moscou manifestou no Twitter preocupação com a detenção e recebeu uma resposta direta do Ministério das Relações Exteriores russo.>
"Cuide da sua vida", dizia o tuíte russo nesta quarta. A legislação russa garante a liberdade de expressão.>
Também na segunda-feira (6), a radialista Svetlana Prokopieva foi condenada a pagar multa de 500 mil rublos (R$ 37,5 mil) por suposta "justificação do terrorismo".>
Em 2018, ao comentar um atentado contra a sede do FSB na cidade de Arkangelsk, ela citara que o terrorista havia acusado o Estado russo de opressão em redes sociais.>
"Sou inocente. Escapei de pegar seis anos de prisão, mas não é uma vitória", afirmou a repórteres de Pskov, onde foi julgada.>
Há um mês, a cúpula do Vedomosti pediu demissão em protesto pela efetivação do editor-chefe Andrei Chmarov, simpático ao Kremlin.>
O jornal, fundado em 1993, era independente e tinha participação do Financial Times, britânico, e do Wall Street Journal, americano, até 2015, quando o governo vetou tal tipo de propriedade.>
"Ficou impossível trabalhar lá", conta Simakov, 45, que foi um dos cinco editores-executivos a deixar o jornal no dia 15 passado.>
Chmarov havia assumido interinamente em março, quando o controle do Vedomosti foi vendido a um empresário pró-Putin.>
"Um dos primeiros a assinar o manifesto interno contra Chmarov foi Safronov, e logo ele deixou o jornal. Resistimos por três meses porque, na quarentena do coronavírus, estávamos quase todos em casa", disse.>
"O jornal teve a impressão suspensa, então fazíamos tudo no site como queríamos e não dava para mudar depois. Tivemos liberdade", disse Simakov.>
As principais TVs russas são estatais, e poucos jornais ainda mantêm alguma independência editorial. "Quem é livre não tem licença para operar, como o site Meduza", afirmou, em referência a um projeto jornalístico baseado na Estônia.>
Safronov já tinha tido problemas antes. Ele havia deixado o Kommersant num episódio nebuloso -em que previu incorretamente a queda do presidente do Senado-, mas Simakov atribui sua demissão a pressões externas.>
O ponto obscuro na história de Safronov é sua ida para a Roscosmos.>
Ele cobria assuntos espaciais também, mas sua ida causou estranhamento entre alguns colegas de profissão, já que a agência é comandada por Dmitri Rogozin, um nacionalista aliado de Putin.>
Simakov, que estava no jornal desde 2002 e disse que vai se dedicar à comunicação corporativa, acredita que o momento político é ideal para a repressão.>
Putin viu aprovada na semana passada a mudança constitucional que abre caminho para ele tentar ficar no poder até 2036, e ao mesmo tempo a crise econômica o pressiona.>
"Temos o coronavírus, os preços baixos de commodities. Isso faz o governo precisar parecer forte", afirma.>
Concorda com ele Andrei Kolesnikov, do Centro Carnegie de Moscou, que por escrito disse que a onda de intimidação tende a continuar.>
Para ele, a pressão econômica se mostrou eficaz contra a liberdade do Vedomosti, e casos como o de Safronov e Prokopieva mostram que a lei é facilmente aplicável a quem incomoda.>
Até 2012, alta traição era uma acusação que demandava a produção de provas, mas uma lei facultou ao FSB e a outras agências liberdade de investigar e prender suspeitos sem necessariamente haver evidências físicas.>
Além disso, a redação da lei foi alterada de forma a permitir que especialistas, acadêmicos e jornalistas pudessem sem enquadrados se lidassem com "assuntos de Estado".>
Uma ação corriqueira, a troca de informação com fontes estrangeiras, pode ser lida como traição.>
Por vezes, o jogo é mais bruto. De 2000 para cá, foram mortos 28 repórteres na Rússia, ante 34 no Brasil, segundo a ONG Comitê de Proteção aos Jornalistas.>
O assassinato mais famoso de uma jornalista ocorreu com Anna Politkovskaia (1958-2006), da Novaia Gazeta (novo jornal).>
Crítica de Putin, ela foi morta em 2006 supostamente por tchetchenos envolvidos com gangsterismo, o que nunca convenceu muitos russos.>
Outro caso famoso foi o do pai de Safronov, também chamado Ivan (1956-2007) e então repórter do mesmo Kommersant.>
Igualmente repórter especialista em defesa e temas correlatos, ele caiu misteriosamente da janela do quinto andar de seu prédio, apesar de morar no terceiro, em 2007.>
"Nos anos 2000, o problema era escrever sobre gângsteres. Agora, é escrever sobre o Estado", disse Simakov.>
No ano passado, o jornalista Ivan Gulonov, 36, foi preso e espancado acusado de tráfico de drogas. Ele escrevia para o site Meduza sobre irregularidades no serviço funerário de Moscou que esbarravam em figuras do FSB.>
O caso provocou uma reação enorme na Rússia, com o Vedomosti, o Kommersant e outro jornal, o RBK, publicando a mesma manchete em apoio.>
Golunov acabou solto e o Kremlin admitiu o erro judicial, que levou à demissão de policiais. Em conversa com o jornal Folha de S.Paulo, o jornalista disse que só haverá mudança no panorama da liberdade de expressão sem Putin no poder.>
Naquele ponto, a popularidade de Putin já estava declinante, tendo atingido o menor índice em seus 20 anos de poder (59% de aprovação).>
Agora, legitimado pelo referendo constitucional que entidades apontam ter sido marcado por fraudes, a pressão sobre o dissenso tenderia a subir, crê Kolesnikov>
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