Publicado em 18 de outubro de 2023 às 14:24
NOVA YORK - O Conselho de Segurança das Nações Unidas rejeitou nesta quarta (18) uma resolução proposta pelo Brasil, na qualidade de presidente do órgão, sobre o conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas. Houve 12 votos favoráveis, mas os EUA, que historicamente blindam Israel no conselho, vetaram a resolução. >
Como o país tem poder de veto, o texto foi integralmente reprovado, e agora uma nova versão será elaborada, ainda sem prazo, segundo o Itamaraty. A Rússia, que havia apresentado sua própria resolução e tentado fazer duas emendas ao texto brasileiro, se absteve, assim como o Reino Unido.>
O texto pedia pausas humanitárias aos ataques entre Israel e o Hamas para permitir o acesso de ajuda à Faixa de Gaza.>
A embaixadora americana na ONU, Linda Thomas-Greenfield, justificou seu voto contrário à resolução pela ausência de uma afirmação do direito de Israel de se defender. "Não poderíamos apoiar essa resolução", afirmou ela, dizendo ainda que o país está fazendo "diplomacia em campo", citando a viagem do presidente Joe Biden a Israel nesta quarta.>
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"Nós estamos em campo fazendo o trabalho duro da diplomacia", afirmou. "Nós acreditamos que precisamos deixar essa diplomacia se desenrolar.">
Diante da crescente pressão sobre o conselho para que reaja à escalada da violência na região, e do apoio majoritário ao texto brasileiro, o custo político do veto recai sobre os EUA. A posição de Washington não foi uma surpresa, diante do apoio contínuo do país a Israel no conselho, e o país vinha pressionando pelo adiamento da análise da resolução — que inicialmente deveria ter sido votada na segunda — justamente para não ter que se expor e vetar.>
Os EUA agora terão dez dias úteis para justificar seu veto diante da Assembleia-Geral das Nações Unidas, onde poderá ser questionado pelos outros países — inclusive pela representação palestina.>
A necessidade de explicação do veto por um membro do Conselho de Segurança foi introduzida após a eclosão da Guerra da Ucrânia. China e Rússia já tiveram que passar pelo processo, mas será a primeira vez dos EUA.>
O embaixador chinês, Zhang Jun, classificou o resultado, consequência da posição de Washington, de "inacreditável". A China apoiou a resolução brasileira.>
"Nós acabamos de testemunhar, mais uma vez, a hipocrisia e a postura de dois pesos e duas medidas de nossos colegas americanos", disse o representante russo no conselho, Vassili Nebenzia.>
A França votou a favor do texto, e afirmou não ver nenhuma contradição entre a resolução elaborada pelo Brasil, elogiada pelo país, e a o apoio a Tel Aviv. Demais membros que votaram favoravelmente à resolução também agradeceram a missão brasileira pelo trabalho, considerado equilibrado.>
Já a representação do Reino Unido, por sua vez, também justificou sua abstenção pela ausência de uma afirmação clara ao direito de defesa de Israel.>
Desde 2016 o conselho não emite uma resolução sobre o Oriente Médio. O fracasso se soma às críticas pela inércia em relação à Guerra da Ucrânia. Criado para ser uma espécie de guardião da segurança da comunidade internacional, a divergência entre os membros permanentes, com poder de veto — sobretudo entre EUA, China e Rússia — vem provocando uma imobilização do conselho.>
Sérgio Danese
Embaixador do Brasil na ONU"Nos últimos dias, trabalhamos muito duro para engajar os membros do conselho [na resolução]. Fizemos um esforço para acomodar as posições diferentes, às vezes opostas. O realismo político nos guiou, mas nossa visão sempre esteve no imperativo humanitário", afirmou o diplomata brasileiro.>
"Considerando que o presidente Joe Biden está na região [nesta quarta], a posição americana é deixar qualquer ação da ONU em aguardo até ter uma chance de avaliar melhor a situação e enviar sua mensagem a Israel — e ter uma noção melhor de como Israel vai interpretar uma resolução nesse momento", avalia Michael Barnett, professor de relações internacionais da Universidade George Washington.>
"Havia um temor também de que o pedido de pausas humanitárias [na resolução] poderiam prejudicar as estratégias militares de Israel", completou.>
Para ser aprovada, uma resolução exige a aprovação de 9 dos 15 membros do órgão, e nenhum veto dos cinco com assento permanente — EUA, China, Rússia, França e Reino Unido.>
O Brasil foi incumbido dessa missão pelo conselho, por ocupar a presidência rotativa do órgão no mês de outubro. Assim, o documento brasileiro é uma construção feita a partir de consultas com os demais membros — diferentemente do texto da Rússia, rejeitado na segunda, que foi produzido unilateralmente pela diplomacia do país.>
Depois da rejeição de seu texto, os russos se engajaram mais nas consultas do texto brasileiro. A China, que votou favoravelmente à proposta de Moscou, também se envolveu mais.>
A Rússia criticou a proposta brasileira nesta quarta, e propôs duas emendas. Uma para incluir uma condenação a ataques a civis na Faixa de Gaza, citando o ataque ao hospital, e a segunda, para falar em cessar-fogo humanitário, em vez de uma pausa humanitária. A primeira parte teve 6 votos a favor, 1 contra e 8 abstenções, sendo derrotada. A segunda parte também fracassou, após novo veto dos EUA — o placar total foi de 7 a favor, 1 contra e 7 abstenções.>
A escalada de violência, que chegou ao 12º dia, já soma mais de 4.000 mortos, sendo 3.000 palestinos e 1.400 israelenses. A maioria é civil.>
O texto brasileiro, organizado em 11 pontos, rejeita os ataques promovidos pelo Hamas desde 7 de outubro, classificados como terroristas, exige a imediata soltura dos reféns civis, e condena "toda violência e hostilidades contra civis e todos os atos de terrorismo".>
No preâmbulo, o texto expressa "profunda preocupação com a situação humanitária em Gaza e seus graves efeitos sobre a população civil, em grande parte composta por crianças".>
Em referência ao ultimato dado pelo governo de Benjamin Netanyahu no final de semana, o documento "insta à imediata revogação da ordem para que civis e pessoal da ONU evacuem todas as áreas ao norte de Wadi Gaza e se realoquem no sul de Gaza". Não há menção a um direito de defesa de Israel, como pedido por Tel Aviv.>
A resolução pede ainda que todas as partes cumpram o direito internacional, destacando as obrigações de respeito e proteção a civis e de trabalhadores humanitários, como funcionários da ONU e da Cruz Vermelha, no contexto de conflitos armados.>
Nessa linha, o documento pede o estabelecimento de pausas humanitárias no conflito, diferente do que defendiam os russos, que pediam um cessar-fogo, para permitir o acesso de agências das Nações Unidas e seus parceiros, e incentiva a criação de corredores humanitários para a entrega de ajuda a civis.>
"A pausa humanitária é aquele tipo de solução engenhosa dos diplomatas para driblar um ponto de divergência. A ideia de cessar-fogo implica que Israel pararia sua ação militar, e não é essa a ideia, é só uma pausa, onde está subsumida a ideia de retomada da operação", afirma Dawisson Belém Lopes, professor de política internacional e comparada da UFMG.>
O especialista vê o trecho como um reconhecimento implícito do direito que Israel tem se defender — demanda que Tel Aviv vem fazendo ao conselho.>
Diante do alerta de uma catástrofe humanitária em Gaza após o cerco imposto por Israel, que impede a entrada de itens de necessidade básica como água, combustível, alimentos e remédios, o texto "insta fortemente a contínua, suficiente e sem impedimentos provisão de bens e serviços essenciais para civis".>
Há ainda um apelo para que todas as partes "exerçam o máximo de contenção", assim como àqueles com influência sobre elas, para evitar uma escalada do conflito na região. Embora o texto não nomeie, a referência é aos EUA, principal aliado internacional de Israel que já vêm disponibilizando recursos militares a Tel Aviv, e ao Irã, um apoiador histórico do Hamas.>
Uma resolução do Conselho de Segurança tem caráter mandatório, ou seja, obriga os países a cumpri-la. Caso contrário, um membro pode sofrer punições por tribunais internacionais. No entanto, levar um descumprimento a essas últimas consequências exige vontade política, destaca Lopes.>
"O caso mais extraordinário nesse sentido é o de Israel, é a grande exceção, por conta dessa aliança especial com os EUA", afirma ele. "Israel consegue sistematicamente, embora tenha despeitado várias resoluções importantes das Nações Unidas, [se proteger], porque os EUA votam invariavelmente para vetar resoluções que ameaçam Israel.">
O Brasil, que ocupa a presidência rotativa do Conselho de Segurança neste mês, foi incumbido de apresentar um texto na reunião da última sexta (13), após a Rússia circular uma proposta rechaçada pelos demais membros.>
Na segunda, o país de Vladimir Putin insistiu em apresentar uma resolução, a qual foi rejeitada por um placar de 5 votos a favor, 4 contrários e 6 abstenções.>
A resolução russa não condenava explicitamente o Hamas por terrorismo, mas atos terroristas em geral, e pedia um cessar-fogo para proteger a população civil, bem como a abertura de corredores humanitários.>
A representação palestina nas Nações Unidas apoiava a resolução, assim como diversos países árabes, entre eles Egito e Jordânia, além da Venezuela. Os EUA, a França, o Reino Unido e o Japão votaram contra o texto russo. O Brasil se absteve, assim como Suíça e Malta. A China votou a favor.>
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