Publicado em 10 de outubro de 2023 às 06:30
O grupo militante palestino Hamas lançou um ataque sem precedentes contra Israel, com seus combatentes adentrando comunidades próximas à Faixa de Gaza, matando mais de 900 pessoas e fazendo reféns.>
Em resposta, Israel tem lançado ataques aéreos que já deixaram quase 690 pessoas mortas em Gaza. Outras 3.700 ficaram feridas.>
Segundo o editor de Internacional da BBC News, Jeremy Bowen, esta foi a operação mais ambiciosa que o Hamas já lançou a partir de Gaza e o ataque transfronteiriço mais sério que Israel enfrentou em mais de uma geração.>
Para alguns analistas, houve ainda uma grande falha da inteligência israelense, que apesar de ser a mais extensa e bem financiada do Oriente Médio não conseguiu prever ou agir com base em um aviso.>
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O conflito entre Israel e palestinos se estende por 75 anos - e a atuação do Hamas na guerra também não é nova. >
Então por que o Hamas escolheu justamente este momento para um ataque surpresa de tamanha magnitude?>
Embora o ataque do final de semana tenha ocorrido sem aviso prévio, ele aconteceu num momento de crescentes tensões entre Israel e palestinos.>
O último ano foi o ano mais mortífero de que se há registo para os palestinianos na Cisjordânia ocupada por Israel, o que poderia ter motivado os militantes a atacar de forma surpresa. >
Foram 146 palestinos mortos na Cisjordânia pelas forças israelenses em 2022, um número de mortos mais elevado do que em qualquer outro ano desde que as Nações Unidas começaram a manter registros, em 2005>
Além disso, em uma gravação de áudio divulgada no momento do ataque, Muhammad al-Deif, comandante da ala militar do Hamas, a Brigada al-Qassam, disse que a violência foi uma retaliação ao que chamou de "ataques diários à mesquita Al-Aqsa" que "ousaram insultar nosso Profeta dentro dos pátios da mesquita".>
Poucos marcos simbolizam mais as tensões entre israelitas e palestinianos do que a mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém Oriental. Localizada num complexo no topo de uma colina, é o terceiro local mais sagrado para o Islã, mas também é o lugar mais sagrado para os judeus, que o conhecem como Monte do Templo.>
Nos últimos anos, nacionalistas religiosos israelitas aumentaram as suas visitas ao complexo, o que preocupou os palestinianos.>
O complexo tem sido palco frequente de confrontos entre fiéis palestinos e forças de segurança israelenses. Em abril, a polícia israelense invadiu a mesquita usando granadas de efeito moral e balas de borracha, após uma disputa sobre atividades religiosas no local. >
Em 2021, um ataque israelense desencadeou um conflito em grande escala de 11 dias entre Israel e o Hamas.>
Segundo números divulgados pelas forças armadas de Israel, mais de 100 pessoas (civis e militares) foram capturadas por combatentes do Hamas durante o ataque e são mantidas em cativeiro.>
Alguns estão vivos e outros já são considerados como mortos, declarou o porta-voz militar de Israel, o tenente-coronel Jonathan Conricus.>
Crianças, mulheres, idosos e deficientes estão entre os reféns, acrescentou ele.>
Segundo o Hamas, o número de israelenses capturados foi "bem maior" do que as dezenas inicialmente estimadas, e eles são mantidos em locais espalhados por toda a Faixa de Gaza.>
No passado, grupos palestinos usaram reféns como moeda de troca para garantir a libertação de militantes detidos por Israel, o que pode explicar uma das motivações do ataque.>
Cerca de 4.500 palestinianos estão detidos em prisões israelenses atualmente – uma questão que é muito sensível para a população da Palestina. >
Segundo a agência de notícias Reuters, o governo do Catar estaria tentar negociar a soltura de 36 mulheres e crianças palestinas em troca de 36 prisioneiros palestinos. >
O Hamas também pode ter usado o ataque como propaganda contra Israel para aumentar a sua popularidade na Palestina e radicalizar mais pessoas na região. >
"O Hamas sabe que não pode sobreviver, especialmente diante das condições de ameaça na Faixa de Gaza, sem fazer propaganda de que eles estão lutando para um Estado da Palestina e contra Israel", diz Rashmi Singh, professora de Relações Internacionais da PUC Minas que tem mais de 20 anos de experiência em terrorismo e contra-terrorismo.>
"Existe uma raiva e uma frustração muito grandes contra Isral que pode ser transformada em apoio. Qualquer facção ou grupo quer promover isso e até usar violência para esse fim.">
Neste contexto, o crescimento de outros grupos menos, mas cada vez mais extremistas, podem estar sendo vistos como uma ameaça à autoridade do Hamas em Gaza.>
Para Ian Parmeter, do Centro de Estudos Árabes e Islâmicos da Universidade Nacional Australiana, uma dessas organizações é a Jihad Islâmica. >
"Um fator importante que motiva o Hamas para a violência é a necessidade de vigiar os seus flancos", afirmou Parmeter em um artigo publicado no site The Conversation.>
"Estes grupos lançaram, por vezes, ataques de foguetes de forma independente contra Israel, o que traz retribuição a todo o território.">
O Hamas também se opõem fortemente à perspectiva crescente de um acordo de paz histórico entre Israel e a Arábia Saudita.>
Os governantes sauditas são historicamente críticos de Israel e defensores dos palestinos. Mas um compromisso com o governo israelense poderia mudar muitas coisas na política regional. >
As conversas entre as nações foram privadas até o momento, mas no final de setembro o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse acredita que o acordo seria finalizado em breve. >
A perspectiva de um entendimento também se torna maior diante dos Acordos de Abraham, por meio dos quais — graças ao apoio dos Estados Unidos — Israel normalizou suas relações com os Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão em 2020.>
"Se a Arábia Saudita entrar de fato nesse processo, certamente mais países do Golfo farão isso também", diz Rashmi Singh. "E o Hamas sabe que esse período é muito importante em termos de criar tensão e tentar quebrar qualquer possibilidade de paz.">
Segundo a especialista, que entrevistou militantes do Hamas durante suas pesquisas, dificilmente um país árabe ficará em silêncio diante de ataques indiscriminados de Israel contra os palestinos. >
"O Hamas sabe disso e entrou nessa guerra esperando uma resposta violenta de Israel, para tentar prejudicar o processo de paz", diz. >
Há também especulações de que o ataque foi orquestrado pelo Irã - o arqui-inimigo de Israel - embora o embaixador do país na ONU tenha negado qualquer envolvimento.>
Para Rashmi Singh, ataques como o do último final de semana costumam acontecer de forma cíclica, a cada 15 ou 20 anos. >
Isso porque todas as vezes em que há um movimento maior de resistência contra Israel, os militantes envolvidos são mortos ou presos, diz a especialista. >
E diante da continuidade do conflito nos últimos 75 anos, novos grupos ou integrantes sempre costumam surgir.>
"E uma nova geração de resistência só surge dali uns 15 ou 20 anos novamente, quando podemos ter novos ataques.">
Segundo a professora da PUC Minas, isso fica evidente nos vídeos do ataque que circularam nas redes sociais. "As pessoas nos vídeos são extremamente jovens. Ou seja, provavelmente não conhecem a vida na Faixa de Gaza sem guerra", afirmou.>
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