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Democracia não deve ser confiada a softwares, diz pesquisador

Democracia não deve ser confiada a softwares, diz pesquisador

O pesquisador refere ao aplicativo que atrasou a divulgação dos resultados das primárias do Partido Democrata no estado de Iowa

Publicado em 5 de fevereiro de 2020 às 11:36

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Computador. (Pixabay)

A decisão de usar para valer, em uma eleição real, um software que não foi testado em larga escala é simplesmente "burra". É assim que Duncan Buell, professor de ciência da computação na Universidade da Carolina do Sul, se refere ao imbróglio envolvendo o aplicativo que atrasou a divulgação dos resultados das primárias do Partido Democrata no estado de Iowa.

Usado pela primeira vez em um caucus, o IowaReporterApp serviria para a transmissão dos resultados de cada local para uma central do partido, mas o programa não funcionou direito. Os presidentes dos distritos de votação não receberam treinamento específico e não conseguiram fazer login na ferramenta. Muitos não conseguiram nem fazer o download do app.

"Suspeito que quem escolheu fazer isto [usar o app] era de certa forma ingênuo e certamente otimista em excesso, ou prestou muita atenção nos 'crentes verdadeiros' que diziam que esse sistema ia funcionar", completa o acadêmico, que desde 2004 estuda sistemas eletrônicos de votação.

?Buell é um crítico feroz do uso de qualquer tipo de tecnologia em votações -incluídos aí o voto por celular e as urnas eletrônicas. Seu argumento principal, dividido por outros tantos especialistas em cibersegurança, é o de que programas de computador podem apresentar problemas, e que não vale a pena correr esse risco em nome do jogo democrático. "Não devemos confiar nossa democracia a um processo tão impreciso."

O sistema de transmissão de votos por celular existentes nos EUA tem diversos componentes, sendo que cada um foi desenvolvido por uma empresa diferente, o há o perigo de que, num momento chave da democracia como a hora da escolha do candidato, a transmissão de dados de um programa para o outro não seja feita de maneira satisfatória.

A questão da cibersegurança em processos democráticos que agora assola os democratas veio à tona primeiramente nas eleições presidenciais americanas de 2016. Segundo o Comitê de Inteligência do Senado, na corrida que elegeu Donald Trump a Rússia invadiu sistemas eleitorais nos 50 estados dos EUA. Não há provas de que o Exército digital de Vladimir Putin tenha alterado algum voto, ou de que o resultado daquele pleito poderia ter sido diferente, mas o alarme foi soado.

"Devemos assumir que tentativas [de hackear sistemas] serão feitas" neste ano pelos russos ou por algum outro país, acredita Buell. Para ele, embora a administração dos EUA esteja hoje mais ciente dos riscos devido ao susto de 2016, ainda não se aplicam a tais sistemas "os mesmos padrões de segurança que aplicaríamos se estivéssemos lidando com outros tipos de 'infraestrutura crítica', como a rede elétrica". Faltam funcionários e os recursos e o conhecimento dos oficiais eleitorais são limitados.

Até o próximo dia 11, há uma outra eleição (obscura) que usa celular sendo feita nos EUA. Os 1,2 milhão de eleitores registrados da grande Seattle estão escolhendo diretores para uma agência ambiental estatal que atende a cidade e mais 30 outros municípios ao redor, no que a imprensa americana está chamando de "um momento histórico para a democracia" no país.

Funciona da seguinte forma: o eleitor entra em um website com seu nome e data de nascimento, preenche a cédula com candidato escolhido, assina com o dedo na tela do celular e clica em enviar. Os dados são transmitidos para escritórios eleitorais, que então imprimem os votos, os conferem e contabilizam.

O que garante a autenticidade é a checagem da assinatura pelos oficiais, explica Bryan Finney, presidente da Democracy Live, a empresa que provê a tecnologia para essa eleição. "O programa é um piloto que mostra que os eleitores não precisam ir até um local de votação ou imprimir o voto e enviar pelos correios. Queremos lançar as bases do futuro da votação nos EUA."

O sistema "que é usado desde 2010 para que pessoas com deficiência, americanos vivendo no exterior e soldados em missões fora do país possam votar" foi desenvolvido em parceria com Microsoft e Amazon, financiado pelo Departamento de Defesa e aprovado pelo Departamento de Segurança Interna. A assinatura das agências federais garante a segurança do processo, afirma Finney, e a empresa de Jeff Bezos não têm como acessar nem modificar o conteúdo do que está sendo transmitido em sua nuvem.

Além de permitir o voto não presencial, a praticidade do sistema da Live Democracy promete aumentar o número de eleitores que participam de uma eleição. Segundo Finney, há potencial de crescimento entre o público jovem, habituado a usar smartphones. Apenas 50% dos eleitores entre 18 e 29 anos aptos a votarem compareceram às urnas nas eleições presidenciais de 2016, informou um estudo da Tufts University, de Massachusetts, que abriga a mais antiga escola de relações internacionais dos EUA.

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Mas o otimismo de Finney é contrabalançado pela racionalidade de Buell. Para o professor, a experiência mal sucedida com o software em Iowa, embora não tenha produzido grandes danos, pode servir de lição. "As eleições são eventos inerentemente caóticos. Do ponto de vista dos 'sistemas', isso é um argumento forte para que o processo seja o mais simples possível, e isso significa tirar o máximo de tecnologia possível do processo."

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