Publicado em 2 de abril de 2020 às 12:44
Hospitais e necrotérios de Guayaquil, a segunda cidade mais importante do Equador, estão abarrotados por conta da crise causada pelo novo coronavírus.>
Com isso, famílias têm de conviver durante dias com cadáveres de parentes mortos pelas mais diferentes causas, não só devido à covid-19, até que chegue um veículo da prefeitura.>
Nos casos ligado ao novo coronavírus, por medo de contágio, muitos têm tirado os corpos de casa e os levado para parques ou áreas públicas da cidade.>
"O sistema de saúde equatoriano tem muitos problemas, especialmente na região litorânea [onde está Guayaquil]", diz o jornalista e analista político Martín Pallares, por telefone.>
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"Ouvimos relatos de médicos que não querem trabalhar nessas áreas, porque não há equipamento para evitar a contaminação.">
A situação no país relativa à pandemia começou a se agravar em meados de março.>
Na semana passada, o presidente Lenín Moreno ordenou que as Forças Armadas realizassem uma coleta desses cadáveres o mais rápido possível. Segundo o jornal El Universo, foram recolhidos 350 corpos.>
"Nós vamos dar um enterro digno a todos", prometeu Moreno. Muitos ocorreram no último fim de semana, sem presença de parentes por precaução.>
O Equador, com 16,6 milhões de habitantes, tem uma população 13 vezes menor que a do Brasil. Em termos de território, a área do país é 30 vezes menor que a brasileira.>
Por isso, espanta que esteja atrás apenas de Brasil e Chile nos números de casos confirmados (2.758) do novo coronavírus, segundo dados da Universidade Johns Hopkins na manhã desta quinta-feira (2).>
Se a diferença no número de casos para o Chile é pequena -273-, a da cifra de mortos é grande. Enquanto o país governado por Sebastián Piñera registra 16 mortes, o Equador conta 98 óbitos.>
A chegada com força da pandemia só fez agravar uma crise política iniciada em outubro de 2019 devido aos ajustes que a gestão de Moreno pretendia fazer no preço dos combustíveis para se adequar a metas impostas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), a quem o país pediu empréstimo de US$ 4 bilhões (R$ 21,1 bilhões). >
O episódio causou fortes enfrentamentos, especialmente entre as comunidades indígenas e camponesas do país e as forças de segurança, causando sete mortes e deixando 1.340 pessoas feridas. >
Ao final, Moreno recuou e revogou o polêmico decreto, adiando a decisão de um ajuste em algum outro setor, ainda não definido. >
Assim, a fricção entre governo e sociedade, principalmente a parte rural do país, é grande e vem debilitando a imagem do presidente. >
A popularidade de Moreno está em 8%, de acordo com pesquisa realizada em fevereiro pelo instituto Click Report, e suas decisões são contestadas por seu rival político, o ex-presidente Rafael Correa, que hoje vive na Europa. >
"Correa tem exercido um papel desestabilizador muito forte por meio de críticas duras a tudo que Moreno decide, desde a economia até a pandemia", diz Pallares. "Agora, que seria um momento de estimular uma coalizão nacional contra a epidemia, prega a divisão." >
Moreno, que está dentro do grupo de risco da covid-19 -tem 67 anos e problemas renais-, afastou-se do dia a dia do poder, ainda que tenha determinado quarentena obrigatória e medidas de isolamento social. >
Colocou à frente da campanha de combate à pandemia seu vice-presidente, o popular Otto Sonnenholzner, um economista de 36 anos e favorito do presidente para ser seu sucessor. >
Assim, Moreno e seu partido, o Alianza País, visam a construção de uma candidatura forte para as eleições de fevereiro de 2021. >
"A ideia é começar a reforçar já um sucessor, para afastar a possibilidade de que Correa, ainda que inabilitado [a lei equatoriana permite apenas uma reeleição] e com processos na Justiça, eleja, com sua popularidade, um candidato ligado ao seu grupo político", afirma Pallares. >
Já para o cientista político Simón Pachano, a crise de liderança em uma situação de pandemia tem inquietado a população. "Você vê líderes tomando decisões não apenas equivocadas, como perigosas, como a da prefeita de Guayaquil, Cinthya Viteri", diz. >
Para impedir a chegada de um voo vindo da Espanha, na semana passada, Viteri mandou espalhar carros e vans na pista de pouso do aeroporto local, quase provocando um acidente terrível e um imbróglio diplomático. >
"A decisão tresloucada da prefeita mostra como falta um diagnóstico claro do que está causando tantos casos de coronavírus no Equador", diz Pachano. >
Um dos aspectos apontados por epidemiologistas é o trânsito da grande comunidade equatoriana que vive na Espanha -uma das maiores entre imigrantes latino-americanos no país europeu. >
Em época de férias de fim de ano, muitos deles retornam ao Equador, o que pode ter ajudado a trazer o vírus. Embora não haja comprovação de que essa foi uma das razões para o tamanho da pandemia no país, o número de voos vindos da Espanha foi reduzido. >
"Outro fator que não pode ser deixado de lado é o fato de que Guayaquil, onde está a maioria dos infectados, é uma cidade que não obedece regras de quarentena por suas particularidades culturais e históricas", explica Pachano. >
Essas peculiaridades seriam, por exemplo, o clima. Se Quito é alta e fria, Guayaquil é costeira e muito quente. >
"É difícil que a costa respeite um toque de recolher e a necessidade de ficar isolada em casa. As moradias dos mais pobres são pequenas e ali se acumulam famílias numerosas. Faz muito calor, as pessoas saem. Além disso, há o fator trabalho -as pessoas têm menos empregos formais do que em Quito, e por isso desobedecem a quarentena para trabalhar", diz Pallares. >
No Equador, a fatia de informais corresponde a 46% do mercado de trabalho. "Moreno tem falhado nas medidas de proteção a esse setor da população. É preciso distribuir mais bônus e pensões e fazer mais campanhas de conscientização. O modelo de ajuda que a Argentina está implementando, por exemplo, aqui ainda não há", afirma Pachano. >
Os números confirmam as disparidades entre as regiões. Enquanto em Quito há apenas 188 infectados, em Guayaquil há 1.200. O restante está na região amazônica, onde o maior problema, por sua vez, é o alcance e a qualidade do sistema de saúde. >
"Tudo aponta para que, no dia seguinte a essa pandemia, tenhamos um país com muito mais problemas do que antes. Mais recessão, mais encolhimento do PIB, menos possibilidade de cumprir as metas com o FMI e um provável retorno da tensão social entre indígenas e governo", afirma Pallares. >
"Ou seja, teremos uma economia muito complicada e um cenário eleitoral totalmente aberto." >
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