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Battisti, isolado, acumula derrotas na Justiça da Itália

Battisti, isolado, acumula derrotas na Justiça da Itália

Isolado num presídio de segurança máxima na ilha da Sardenha, Battisti, 65, não parece ter um futuro promissor

Publicado em 10 de janeiro de 2020 às 16:40

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Cesare Battisti. (Agência Brasil)

No seu primeiro ano de prisão desde que retornou à Itália, após mais de 37 anos foragido, Cesare Battisti acumulou derrotas na Justiça, admitiu culpa pela primeira vez, reconheceu que a luta armada foi um erro e continua se dedicando ao ofício de escritor, atividade que adotou após abandonar as armas. Isolado num presídio de segurança máxima na ilha da Sardenha, Battisti, 65, não parece ter um futuro promissor.

Como afirmou à reportagem seu advogado italiano, Davide Steccanella, ele precisa esperar "dois ou três anos" para então solicitar uma eventual progressão da pena de prisão perpétua. O defensor não esconde que, para alguém que fugiu por tanto tempo, as chances são escassas.

Condenado por quatro homicídios cometidos no final dos anos 1970, quando era expoente de um dos tantos grupos armados da esquerda (havia também os de direita) que se insurgiram contra o Estado italiano, ele driblou a Justiça de seu país de 1981 até 14 de janeiro de 2019, quando retornou preso após viver no México, na França e no Brasil.

A epopeia terminou na Bolívia, para onde fugiu após reviravolta no seu caso, sendo preso e enviado para a Itália por ordem do governo Evo Morales. Nesse primeiro ano, a defesa de Battisti não teve êxito nos dois pedidos apresentados à Justiça para tentar converter a prisão perpétua numa pena de 30 anos, como prevê o acordo de extradição brasileiro decidido pelo Supremo Tribunal Federal em 2009.

Na ocasião, a corte entendeu que a última palavra no caso caberia ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que concedeu refúgio a Battisti –acatando a alegação de que era um perseguido político– no seu último dia no Palácio do Planalto, em 31 de dezembro de 2010. A decisão acirrou uma crise diplomática sem precedentes entre os dois países.

Em novembro, a Suprema Corte italiana declarou "inadmissível" o recurso apresentado pela defesa ao considerar inválido o acordo de extradição com o Brasil. Isso porque Battisti fugiu do país e foi expulso da Bolívia.

"Para alguém de 65 anos, não muda se pegar 30 anos ou a prisão perpétua", minimiza o advogado, que é especializado nos "anos de chumbo" italianos e cujo escritório em Milão fica na rua Cesare Battisti –homônimo famoso do cliente, foi um jornalista e político assassinado na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), hoje com status de herói nacional.

O advogado conta ter conhecido Battisti pela internet, na época em que o terrorista estava no Brasil, antes das reviravoltas impulsionadas pelos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.

O direito à progressão da pena depende de muitos fatores. Os condenados à prisão perpétua devem cumprir pelo menos dez anos para poder requisitar a revisão. Steccanella quer usar o tempo que ele passou detido no Brasil (mais de quatro anos) e na Itália (entre 1979 e 1981).

Antes, o defensor espera que as autoridades liberem o italiano para poder conversar com o filho brasileiro por Skype. O pedido foi apresentado recentemente e aguarda deliberação. Ele prefere que a criança o veja, o que considera menos traumático para ela. Sem o cavanhaque exibido quando foi preso, Battisti continua isolado após passar os primeiros seis meses numa solitária.

A penitenciária, que abriga criminosos relacionados com a máfia, controla o convívio dos detentos de acordo com uma certa classificação –como não encontrou nenhum outro preso na sua condição, ele segue sozinho. Os familiares italianos o visitam com frequência. Um sobrinho contou recentemente numa entrevista que o tio estava sereno e bem de saúde, o que o advogado confirma.

Steccanella ressalta que deseja mantê-lo longe das hostes midiáticas, sobretudo após o que chamou de "circo", referindo-se à recepção armada ano passado pelo então ministro do Interior, Matteo Salvini (hoje o principal nome da oposição), que esperava por Battisti na pista do aeroporto e pediu que ele ficasse preso "pelo resto dos seus dias".

Em março, em audiência com um juiz, Battisti admitiu pela primeira vez participação nos assassinatos. Steccanella não comenta se a confissão faz parte de uma estratégia de defesa. Meses mais tarde, em setembro, o ex-terrorista divulgou uma carta aos ex-companheiros de armas reconhecendo que a "luta armada não valeu a pena".

Um dos efeitos do seu retorno à Itália foi o reenvio por parte de Roma de um pedido para o governo francês extraditar 13 italianos condenados por terrorismo.

Eles estão refugiados há décadas no país, como aconteceu com Battisti. Entre os que permanecem na França estão nomes como Marina Petrella, condenada à prisão perpétua por participação no sequestro e assassinato do ex-primeiro-ministro italiano Aldo Moro, em 1978.

O procurador aposentado Armando Spataro é pessimista quanto à possibilidade de novas extradições. Ex-chefe do departamento antiterrorismo da Procuradoria de Milão e responsável pela investigação que condenou Battisti pela primeira vez, ainda em 1979, ele se aposentou dias antes de o fugitivo desembarcar na Itália.

"Battisti é um assassino como tantos outros e é mais do que justo que ele pague pelos seus crimes, o que só não aconteceu antes graças à França e ao Brasil", afirmou. "Os juízes, com o passar do tempo e a recente confissão, vão avaliar se ele pode receber algum benefício", ressaltou Spataro, reconhecendo as dificuldades de progressão a curto prazo.

Por muitos anos, o agora ex-procurador foi a voz do Judiciário a rebater publicamente as críticas –sobretudo por parte dos apoiadores franceses e brasileiros– de que o sistema judicial da Itália não tinha condições de garantir os seus direitos, como por exemplo fez o ex-ministro da Justiça Tarso Genro, no governo Lula, ao justificar a concessão do refúgio.

"Depois que Battisti admitiu os crimes, eu esperava alguma autocrítica na França, no Brasil e até na Itália. Mas há um silêncio absoluto até agora", declarou.

As críticas, contudo, continuaram. Nesse último ano, Lula foi alvo de um aliado histórico, o ex-presidente italiano Giorgio Napolitano, ícone da centro-esquerda e que conhece o petista desde os anos 1980.

Napolitano escreveu uma carta sobre o imbróglio afirmando que o brasileiro lhe prometeu uma coisa e fez outra, cedendo "à parte extremista" de seu governo.

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