Publicado em 10 de janeiro de 2020 às 16:31
A criação da figura do juiz das garantias pode retirar poderes do hoje mais conhecido magistrado da Lava Jato, o juiz federal Marcelo Bretas, responsável pela operação no Rio de Janeiro. Bretas atua na operação desde que desdobramentos da investigação com origem no Paraná foram enviados para o estado, em 2015. Tanto despacha em inquéritos e pedidos de prisão como em ações penais em andamento.>
Com a figura dos juízes das garantias, prevista no pacote anticrime sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, será estabelecida uma separação: o magistrado que atua nas fases anteriores aos processos, como o que determina diligências e quebras de sigilo, não poderá ser o mesmo que conduz as ações abertas.>
A implantação prática dessa medida, que deveria acontecer um mês após a sanção da norma, é incerta. O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) criou um grupo de trabalho que vai entregar no próximo dia 15 suas conclusões sobre como aplicar as normas do pacote.>
Segundo o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, a novidade não resultará em mais custos para o Judiciário nem aumentará o trabalho dos tribunais.>
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Para advogados e especialistas, porém, é certo que haverá impacto tanto na Lava Jato do Rio quanto no Paraná. Pelo texto da nova lei, Bretas pode ficar impedido de despachar em pedidos de prisão e em procedimentos relativos à deflagração de novas fases da Lava Jato fluminense.>
Ou, em outro cenário, teria de deixar a partir de agora o comando de processos abertos derivados de fases da operação em que atuou.>
Seria uma mudança de peso na operação no Rio de Janeiro, já que Bretas, por exemplo, é o responsável pelas ordens de prisão preventiva (sem prazo determinado) impostas ao ex-governador Sérgio Cabral (MDB) e também pelas sentenças contra o político, que, ao todo, estabelecem mais de 250 anos de prisão.>
O magistrado fluminense também atuou tanto na investigação quanto no processo, ainda não sentenciado, contra outro alvo de primeira grandeza da Lava Jato, o ex-presidente Michel Temer (MDB), que chegou a ficar preso em duas ocasiões no ano passado a mando dele.>
Ainda hoje, Bretas administra medidas impostas ao ex-presidente, como a retenção de passaporte. Diante da nova lei, na hipótese de novos pedidos de investigadores contra Temer, a decisão poderia ficar a cargo de um outro magistrado.>
Outro caso rumoroso sob comando de Bretas que seguiu a mesma lógica de atuação foi a Operação Câmbio, Desligo, contra dezenas de operadores financeiros. Essa etapa da Lava Jato prendeu no ano passado Dario Messer, apelidado de "doleiro dos doleiros".>
Para o professor de direito da USP Alamiro Veludo, que é advogado criminalista, os tribunais vão ter de decidir se as ações em andamento continuarão com os juízes que despacharam as medidas da fase de investigação.>
"Uma leitura é a seguinte: no momento em que houve o oferecimento da denúncia [acusação formal], ele era o juiz competente. Naquele momento, a lei que vigorava era a que lhe outorgava competência. Portanto, permanece.">
Ao longo de mais de quatro anos, a Lava Jato fluminense alvejou diversas esferas de poder do estado, prendendo ex-secretários estaduais e empresários suspeitos de pagar propina em negócios públicos.>
Desde o ano passado, Sérgio Cabral passou a confessar crimes da época em que governou o estado (2007-2014) e acabou fechando um acordo de delação com a Polícia Federal, ainda pendente de homologação no Supremo Tribunal Federal.>
Uma eventual homologação, com o consequente envio de informações sobre supostas irregularidades a autoridades do estado, ampliaria a importância do juiz à frente das investigações que pode não mais ser Bretas.>
O magistrado é conhecido por impor medidas duras a investigados, como prisões preventivas. Esse modo de atuação poderia ser revisto com sua saída dos trabalhos em estágio de investigação.>
O nome de Marcelo Bretas chegou a ser alvo de especulações como uma possível indicação do presidente Jair Bolsonaro ao Supremo.>
No Paraná, o titular da vara responsável pela Lava Jato, Luiz Bonat, que em 2019 sucedeu Sergio Moro no posto, também poderia ficar impedido de atuar em procedimentos de investigação.>
Mas, em Curitiba, já há uma divisão de tarefas estabelecida por portaria: Bonat conduz os processos abertos e a juíza substituta da vara, Gabriela Hardt, cuida de inquéritos e pedidos das fases de investigação. Essa divisão não existia na época em que Moro comandava a Lava Jato em Curitiba.>
Não é possível deduzir, no entanto, que Hardt se tornará a "juíza das garantias" da operação no Paraná. Ela e o colega atuam um em substituição ao outro em períodos de férias ou de licenças. Pela nova lei, essa suplência, em tese, não poderia mais existir.>
A norma sancionada pela Presidência aponta que o juiz das garantias será designado conforme "critérios objetivos a serem periodicamente divulgados" pelos tribunais.>
Caberá a cada uma das cortes pelo país, portanto, definir como isso aconteceria. Uma hipótese seria a criação de uma espécie de núcleo de juízes das garantias, que cuidaria do conjunto de medidas em todo aquele estado ou região.>
No caso de Bretas e dos juízes paranaenses, a definição partiria dos órgãos de administração dos Tribunais Regionais Federais, que funcionam como a segunda instância da Justiça Federal.>
O juiz fluminense, assim como Moro, é crítico do novo modelo. Em seu perfil no Twitter, disse, nesta semana que o "sistema processual penal brasileiro tem muito a perder com a referida, e abrupta, inovação legislativa".>
A reportagem procurou o juiz, mas ele não comentou o assunto. O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que julga casos da Lava Jato do Rio, disse que aguarda posicionamento do CNJ e do Supremo sobre a aplicação da nova lei sobre o juiz das garantias.>
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, responsável pela região Sul, afirmou que a implantação está sendo tratada em comissão interna e também em discussões junto ao Conselho Nacional de Justiça.>
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