Publicado em 1 de fevereiro de 2020 às 09:59
Nos contratos de indenização que o Flamengo fez com ao menos 4 das 10 famílias das vítimas do incêndio no Ninho do Urubu, ocorrido no dia 8 de fevereiro do ano passado, o clube estipulou multas de até R$ 500 mil caso os detalhes dos documentos sejam revelados. >
Um dos acordos, ao qual a reportagem teve acesso, estipula que os indenizados e o clube concordam em não divulgar os termos e condições financeiras em que eles foram firmados, mantendo-os sob estrita confidencialidade, incluindo detalhes das negociações que precederam o acerto.>
Em dezembro, o próprio clube revelou detalhes dos contratos à Justiça, atitude justificada pela previsão de que sua utilização como ferramenta de defesa judicial não pode ser considerada violação do compromisso de confidencialidade.>
Por conta do sigilo, o Flamengo colocou nos documentos anexados ao processo uma tarja no valor da indenização acertada, que se comprometeu a pagar em cem prestações mensais.>
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Procurado, o clube disse que só irá se pronunciar sobre o tema neste sábado (1º), por meio de uma entrevista em seu canal oficial de TV na internet.>
Atualmente, a agremiação se defende de liminar concedida pela Justiça em dezembro que a obriga a pagar R$ 10 mil mensais como pensão às famílias até a decisão final sobre as indenizações. O processo corre na 1ª vara cível da Barra da Tijuca.>
O Flamengo contestou a decisão afirmando que a Justiça não considerou o fato de que o clube paga de forma espontânea R$ 5.000 mensais às famílias nem que a agremiação fez acordos com algumas delas.>
Para uma das defesas ouvidas pela reportagem, o ato foi uma "liberalidade" da agremiação, sem contar com a aceitação ou não dos parentes, como forma de demonstrar que o clube deseja colaborar.>
No processo, o Flamengo anexou 10 comprovantes de depósitos feitos em fevereiro do ano passado em nomes de parentes dos mortos para comprovar a mensalidade citada.>
O clube argumenta que R$ 5.000 é um valor bem superior aos R$ 300 que os atletas recebiam como ajuda de custo nas categorias de base. Para os advogados do time rubro-negro, os R$ 10 mil impostos pela Justiça não são razoáveis nem têm amparo legal.>
A decisão também prevê que, caso o Flamengo descumpra a determinação, deverá arcar com multa diária de R$ 1.000 para cada beneficiário. Em razão do sigilo, famílias evitam falar sobre o caso, mas confirmaram que estão recebendo os R$ 10 mil mensais.>
José Lopes Viana, pai de Rykelmo, uma das vítimas, foi um dos que já fecharam acordo com o clube.>
"Mandaram duas propostas, e eu não aguentava mais pensar em dinheiro, principalmente da maneira que foi. Nunca dependi de dinheiro dele [Rykelmo], não era o que eu queria, queria ver ele feliz. Era o que ele sempre sonhou, jogar bola", disse Viana.>
Ele é divorciado da mãe da vítima, que procura separadamente seus direitos na Justiça. "Não esqueci [da tragédia]. Tem hora que não consigo nem falar a respeito. Mas uma parte [da tristeza] eu limpei com o acordo que fiz. Não penso mais em Flamengo nem em dinheiro. Estou tocando minha vida e não tem o que fazer. Não tinha mais cabeça para ficar pensando, pois me machucava demais", completa o pai de Rykelmo.>
O advogado Thiago Camargo D'Ivanenko, que representa duas das famílias, diz que sempre trabalhou com a possibilidade de acordo em processos movidos pelos seus clientes. Um deles, os parentes de Vitor Isaías, já chegaram a um consenso com o clube.>
"Os termos não podem ser revelados", disse D'Ivanenko. "A judicialização se arrastaria por anos, e quem perdeu um filho de maneira tão trágica quer virar a página.">
Outra família representada por ele, do goleiro Bernardo Pisetta, ainda está tratando do assunto, mas as conversas estão estagnadas.>
"Para um familiar que passou pelo que passou, que discute termos de uma indenização, em um momento de êxito [do Flamengo em campo e financeiramente] se imagina que o clube vai buscar, para fechar o ano com chave de ouro, a solução do que é para mim o maior drama da historia do futebol brasileiro. Mas não aconteceu", lamentou.>
O time rubro-negro viveu um dos anos mais vitoriosos de sua história em 2019, com os títulos dos campeonatos Carioca, Brasileiro e da Libertadores. Em reunião do Conselho Deliberativo no fim do ano passado, a previsão era fechar 2019 com uma receita bruta de aproximadamente R$ 850 milhões, que seria a maior da história do futebol nacional.>
Pelo menos mais duas famílias fecharam indenizações com o clube até o momento. Os parentes das vítimas que ainda não conseguiram acordos mantêm um grupo no Whatsapp para discutir o tema.>
"Até agora, ninguém [do Flamengo] nos procurou. Já virou o ano e nada. Ninguém procurou os advogados e nem a nós. Nada vai trazer meu filho de volta, mas a nossa maior indignação é o descaso com as famílias. Isso revolta. O Flamengo nos ignora totalmente", disse Cristiano Esmério, pai de Christian.>
"Com o Flamengo não está tendo conversa. Desde a última vez que chegaram para conversar, não responderam mais", afirmou o advogado Arley Campos de Carvalho, que representa a família.>
Outros parentes contatados pela reportagem também disseram não terem sido mais procurados pelo Flamengo, mas não quiseram comentar o assunto.>
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