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Publicado em 24 de outubro de 2022 às 15:28
A Justiça Eleitoral acatou um pedido da coligação do candidato ao governo do Espírito Santo Carlos Manato (PL) para proibir seu concorrente, o atual governador Renato Casagrande (PSB), de veicular propaganda eleitoral ligando Manato ao crime organizado, principalmente em referência à participação dele na Scuderie Le Cocq. >
A decisão da juíza Isabela Rossi Naumann Chaves foi proferida no sábado (22). Ela determina que a coligação do candidato à reeleição fique impedida de veicular na TV, no rádio ou nas redes sociais a propaganda eleitoral que cita que Manato era integrante da “organização criminosa Scuderie Le Cocq, acusada pelo Ministério Público de ser responsável por 1500 mortes e de acobertar bandidos de toda espécie”. >
Caso descumpra a decisão, Casagrande pode ter que pagar multa de R$ 10 mil por dia. A decisão é liminar, ou seja, temporária. >
A magistrada sustenta que a propaganda de Casagrande que associa Manato à organização paramilitar fere a honra do candidato e o acusa de crimes que não são comprovados. Isabela argumenta ainda que, embora Manato tenha participado da organização, o que o próprio candidato já admitiu ter feito, não há indícios de que ele tenha cometido crimes, nem que planeje o retorno da máfia ao Estado. >
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“Não há prova no vertente que ateste conduta ilegal, criminosa ou, ainda, qualquer indício de envolvimento do candidato Carlos Humberto Mannato aos crimes ventilados na publicidade e às atividades criminosas imputadas à entidade supracitada que, inclusive, foi dissolvida há mais de uma década por determinação do Poder Judiciário” escreveu a juíza.>
Dessa forma, as emissoras de rádio e TV foram intimadas a suspenderem o vídeo da propaganda eleitoral de Casagrande que cita Manato e sua suposta ligação com as atividades ilícitas da Le Cocq. >
Ao mesmo tempo, o governador e os partidos de sua coligação também não podem veicular a peça ou outra com conteúdo semelhante sob pena de multa de R$ 10 mil por dia em caso de descumprimento. >
O vídeo que acarretou o processo de Manato contra Casagrande foi divulgado em uma inserção de propaganda gratuita na TV no dia 18 de outubro. >
No vídeo, um narrador diz que “entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 2000, o Espírito Santo viveu o período mais sombrio da sua história. Nosso Estado era o mais violento do país; com autoridades e jornalistas sendo assassinados em plena luz do dia." Após afirmar que Manato era membro da organização paramilitar, o narrador diz que "o Espírito Santo não pode cair nas mãos dessa máfia novamente”. Nas imagens, apareciam recortes de jornais, reportagens, datas e fotografias.>
A primeira menção pública durante a campanha eleitoral deste ano sobre a participação de Manato na Scuderie Le Coqc foi feita pelo deputado federal Felipe Rigoni (União), em um vídeo nas redes sociais publicado no dia 4 de outubro. Nas imagens, ele declarava seu apoio a Casagrande no segundo turno. >
O candidato do PL confirmou que já fez parte da instituição, mas disse que se filiou à Le Cocq por indicação de colegas e que deixou a entidade ao perceber que havia “algo errado”. >
Ele relatou que, em 1991, fez um ciclo de estudos da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (Adesg). De acordo com Manato, a entidade reunia juízes, advogados e médicos e, depois da conclusão dos cursos, passou a integrar outra instituição que também teria objetivos filantrópicos e distribuição de cestas básicas, chamada de Fraternidade, Força e Honra (FFH). >
Segundo ele, foi por causa da participação nessa fraternidade que teria se relacionado com o grupo conhecido como Scuderie Le Cocq.>
Na última segunda-feira (17), o ex-procurador da República Henrique Herkenhoff saiu em defesa de Manato. “Eu movi a ação que levou à dissolução da Scuderie Detective Le Cocq. Nunca chegou a nós nenhuma suspeita sequer de que o Manato tivesse participado de qualquer atividade ilegal da instituição. Ele nem sequer foi investigado, até onde eu saiba”, afirmou. >
Ex-secretário de Segurança Pública, Herkenhoff integrou o primeiro escalão do governo Casagrande em parte da gestão realizada de 2011 a 2014.>
Apontada como um dos principais grupos de extermínio a agir no Espírito Santo, a Scuderie Detetive Le Cocq foi fundada no Rio de Janeiro na década de 1960, e chegou oficialmente ao Estado na década de 1980. >
Até a data da dissolução da organização por decisão da Justiça Federal em 2004, a Le Cocq tinha sido acusada de 30 assassinatos políticos e quase 1.500 homicídios anuais que transformaram o Espírito Santo no segundo estado mais violento do Brasil e as cidades da Grande Vitória nas mais violentas do mundo.>
A Scuderie foi oficialmente fundada no Espírito Santo em 24 de outubro de 1984, pautada para “aperfeiçoar a moral e servir à coletividade”. Um dos lemas do grupo era “bandido bom é bandido morto”. >
Nela, foram associados advogados, juízes, políticos, promotores, empresários e comerciantes. O símbolo é o mesmo dos esquadrões de morte: uma caveira, duas tíbias e as iniciais EM.>
O grupo não era clandestino e nem ilegal. Tinha registro de CNPJ, ficha de inscrição - é estimado que tenha tido cerca de 800 membros no Estado — e os integrantes costumavam ser identificados por chaveiros, broches ou adesivos nos carros. >
Pessoas associadas à Le Cocq foram acusadas de assassinatos e de envolvimento com tráfico de drogas, jogo do bicho, roubo de carros, roubos a bancos e sonegação de impostos.>
A Le Cocq esteve no centro dos crimes e violações de direitos humanos no Espírito Santo cometidos principalmente entre os anos 1990 e início dos anos 2000. A organização era considerada o braço armado do crime organizado capixaba. >
É importante destacar que, diferente de hoje em dia, o que se entendia por crime organizado não era aquele composto por traficantes de drogas em torno de compra e venda de entorpecentes e disputa de territórios.>
Ele era formado por membros importantes da sociedade, e envolvia juízes, parlamentares, secretários, governantes, policiais, promotores e grandes empresários que se articulavam para a manutenção do próprio poder. >
Os integrantes do crime organizado estavam infiltrados em todas as esferas de poder, inclusive nas altas cúpulas do Judiciário, dos Executivos municipais e estadual, Legislativo e até em instituições financeiras. >
Na decisão de 2004 que extinguiu oficialmente o grupo, o juiz federal Alexandre Miguel, então na 4ª Vara da Justiça Federal, em Vitória, dissolveu o registro jurídico da associação e mandou suspender de imediato todas atividades da organização e a inclusão de novos sócios. O documento também proibiu a divulgação do nome e de símbolos da Scuderie.>
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