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200 anos da Independência: como era o Espírito Santo em 1822?

200 anos da Independência: como era o Espírito Santo em 1822?

A Gazeta foi atrás de historiadores para saber as respostas. A maior parte dos registros vem de alguns documentos e de relatos de viajantes que descreviam costumes e paisagens

Publicado em 5 de setembro de 2022 às 23:50

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Independencia do Brasil
O famoso quadro "Independência ou Morte", do artista brasileiro Pedro Américo, que imortalizou o brado de Dom Pedro. Ao fundo, ilustração do Espírito Santo no Século XIX. (Montagem A Gazeta)

No dia 7 de setembro, o Brasil completa 200 anos da Independência. Embora quase todo mundo tenha ouvido na escola a história, eternizada no Hino Nacional, de que Dom Pedro teria dado um grito às margens do Rio Ipiranga, em São Paulo, que teria libertado a então colônia de Portugal, pouco é dito sobre o Espírito Santo nesse contexto. Então, fica pergunta: como era o Estado nessa época? 

A Gazeta foi atrás de historiadores para saber as respostas. Já dá para adiantar que é difícil ter informações precisas sobre a capitania do Espírito Santo no início do Século XIX e sobre como viviam os capixabas no início do Brasil Império. A maior parte dos registros vem de alguns poucos documentos oficiais ou de relatos de viajantes que passavam por aqui e descreviam a população, a paisagem, as moradias e a vida dos habitantes da região.

Um desses relatos é de Auguste de Saint-Hilaire. Em 1818, quatro anos antes da proclamação da Independência do Brasil, o cientista francês fez o percurso do Rio de Janeiro até Linhares, contando o que viu nos lugares por onde passou – ele viajou a pé pelo litoral. Trechos desse depoimento, que constam no livro Viagens à Capitania do Espírito Santo, ilustram esta reportagem. Aqui vai outro spoiler: a impressão do francês não foi das melhores. 

A viagem do botânico e naturalista pelo Brasil coincide com outra famosa expedição de franceses pela colônia, a Missão Artística Francesa, que trouxe para cá os irmãos Taunay e o pintor Jean-Baptiste Debret, entre outros nomes que registraram paisagens e costumes.  A partir dos relatos de Saint-Hilaire, é possível estimar que a população do Espírito Santo era de cerca de 35 mil pessoas, ou 35 mil "almas", como ele escreveu, bem ao gosto da época. 

"Nessa conta estamos somando a população branca portuguesa, branca estrangeira de outras nações ou branca nativa. Tem também a população de negros e pardos escravizados e livres. E vamos ter ainda a população indígena que era contada. Mas a conta da população indígena é muito imprecisa, porque ninguém sabia quantos indígenas havia na verdade", explica o professor do Departamento de História da Ufes Luiz Claudio Ribeiro.

Também do Departamento de História da Ufes, a professora Adriana Campos reitera que esse número é estimado e diz que os registros, dependendo da fonte, variam de 22 mil a pouco mais de 30 mil. Contudo, ela ressalta que os indígenas contabilizados eram apenas aqueles aldeados, que tinham "nome e sobrenome". Os que moravam no interior, principalmente em regiões inexploradas pelos colonizadores, não tinham como ser contados.

Nesse momento, a ocupação era principalmente litorânea. Havia seis vilas: Vitória, Vila Velha, Itapemirim, Benevente (atual Anchieta), Guarapari e Nova Almeida. Essas vilas funcionavam como os municípios atuais. Uma diferença importante é que não havia o poder Executivo nessas vilas, ou seja, não tinha a figura do prefeito.

"Por conta do regime português, era muito mais parecido com o sistema parlamentarista. Não tem Poder Executivo. Era a câmara da vila que fazia as leis, e o presidente da Câmara era quem exercia a função que seria como a do prefeito hoje", explica o Ribeiro.

A exploração e ocupação da porção mais interiorana da antiga Capitania do Espírito Santo ainda era muito difícil, porque os indígenas tinham o domínio da região. "Isso fez com que eles (indígenas) tivessem capacidade de pressão bastante importante. Algumas vezes eles eram combatidos com muita violência e outras conseguiam até impor restrições ao comércio do Espírito Santo com Minas Gerais. Isso criou de fato uma barreira importante, mas os exploradores foram militarizando esse combate sobre os indígenas e, mesmo no Século XIX ainda havia uma guerra para dominar o Espírito Santo", aponta Adriana.

Ilustração da então Villa de Victoria, presente no livro Viagem ao Brasil nos anos de 1815 a 1817, do príncipe Maximiliano Wied-Neuwied
Ilustração da então Villa de Victoria, presente no livro Viagem ao Brasil nos anos de 1815 a 1817, do príncipe Maximiliano Wied-Neuwied. (Reprodução)

Por conta das constantes batalhas com os nativos da região, que não aceitavam a ocupação das terras por ordem do rei de Portugal,  e por ser um lugar exposto a invasões estrangeiras, as forças militares eram muito presentes na antiga capitania.

A professora Adriana esclarece que, além das ordenanças, que eram divisões militares portuguesas tradicionais, com patentes dadas pelo rei, existiam ainda as milícias, que serviam como um segundo corpo militar.

"Pelas regras de Portugal, todo homem abaixo de 60 anos e com  idade para se casar tinha que estar disponível para integrar as forças armadas portuguesas. Havia um levantamento desses homens, e eles podiam ser convocados para exercícios militares a qualquer momento. Os que não aceitavam eram presos", explica. 

FAZENDAS DE CANA E COMÉRCIO EM VITÓRIA

As fazendas produziam cana, principalmente na porção sul da capitania, onde também haviam engenhos de produção de açúcar e criação de gado. Também era plantado algodão, cebola, farinha, arroz e feijão. Além disso, era importante a extração de madeira usada para produção de embarcações e produção de açúcar.

O comércio marítimo era do tipo cabotagem, em que pequenas embarcações organizavam a distribuição de produtos, notadamente alimentos, por toda a região. Essas transações ocorriam principalmente em Vitória. Canoas que cruzavam os rios buscando o que era produzido nas fazendas e levando até o porto, de onde partiam para as outras vilas e até para a capital do país, o Rio de Janeiro.

Um dos grandes parceiros comerciais na época era a vila de São Mateus, que na época não fazia parte do Espírito Santo e, sim, da Bahia. De lá vinha a farinha de mandioca consumida no Espírito Santo.

"Toda atividade econômica no Brasil circulava através do mar. As estradas, quando existiam, eram muito precárias e perigosas. Imagina fazer essas viagens tão longas por estradas", diz o professor Luiz Cláudio.

Já as pessoas viajavam a pé, pela praia. Essa era a maneira mais prática de se locomover de um lugar para o outro, principalmente considerando que as vilas, aldeias indígenas e povoados ficavam no litoral e serviam de referência e ponto de apoio aos viajantes.

"É preciso desmistificar umas coisas. Andar pela praia como José de Anchieta fez era a coisa mais natural que tinha", aponta o professor, citando a travessia de Vitória à atual Anchieta, percurso feito pelo jesuíta que ficou conhecido como os Passos de Anchieta, percorrido por fiéis até os dias de hoje. 

O Espírito Santo não tinha diocese própria, fazia parte da diocese do Rio de Janeiro. O bispo Dom José Coutinho, por exemplo, quando vinha ao Estado, passava pelas vilas e freguesias celebrando batizados e casamentos onde não tinha padre, autorizando a construção das igrejas e resolvendo questões diversas por onde passava.

"Temos que lembrar que nessa época a religião era muito forte, e o bispo era uma verdadeira autoridade", aponta o professor.

Duzentos anos depois da Independência do Brasil, o Espírito Santo pulou para 4 milhões de habitantes e diversificou sua economia, com siderurgia e mineração, petróleo e gás, rochas ornamentais e móveis, para citar apenas alguns setores. Tem portos e aeroportos para escoar mercadorias e transportar pessoas. Mas em muitos pontos do Estado, ainda guarda o aspecto bucólico e quase intocado da antiga capitania. 

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