Publicado em 23 de setembro de 2020 às 10:06
A postura negacionista do governo brasileiro quanto às queimadas e ao desmatamento na Amazônia e no Pantanal, evidenciada ainda mais nesta terça-feira (22) no discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia Geral da ONU, pode ter graves consequências para a economia nacional e respingar também no Espírito Santo. Esse prejuízo ambiental já tem afastado investidores estrangeiros e pode fazer acordos e oportunidades virarem cinzas.>
Estado com forte dependência do comércio exterior, o Espírito Santo pode ser afetado de várias formas por possíveis retaliações à política ambiental brasileira. A principal talvez seja no agronegócio, conforme explicou o economista Mário Vasconcelos. Mas o cenário tem potencial para impactar grandes projetos na área de infraestrutura e logística, como a privatização da Codesa, prevista para ser vendida no ano que vem, e também a concessão BR 262, com processo em andamento.>
"Mesmo não tendo problemas ambientais assim no Estado, lá fora conta mesmo, como um todo, o país. É a preocupação com produtos brasileiros no geral, sobretudo do agronegócio. O Espírito Santo, por exemplo, exporta muito café. E talvez essas preocupações os levem a deixar de comprar da gente", disse. >
Em oito meses, devido à pandemia, o país viveu uma grande fuga de capital estrangeiro, segundo dados do Banco Central. Cerca de US$ 15,2 bilhões deixaram o Brasil no período. >
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Isso acontece justamente em um momento em que o país e o Estado precisam de recursos para a retomada da economia, diante da crise causada pelo novo coronavírus. Mas o quadro de saída de recursos internacionais pode se agravar com o comportamento do governo brasileiro.>
Em sua fala na Assembleia ONU, Bolsonaro afirmou que queimadas criminosas estão sendo combatidas, mas alegou que os incêndios estão sendo usados numa campanha internacional de desinformação contra o governo brasileiro, culpou "índios e caboclos" pelas chamas, e disse que as florestas brasileiras são úmidas e, portanto, não permitem a propagação do fogo. >
A ideia de dar um tom de combate eficiente aos problemas ambientais parece não ter sido comprada por boa parte da comunidade internacional, sobretudo investidores, que já vinham mostrando preocupação com a conduta do governo e com as declarações anteriores do presidente e de membros de sua equipe nos últimos meses. Na visão de especialistas, a fala pode acabar agravando as críticas e gerando ainda mais reações negativas para o país.>
Na semana passada, um grupo de oito países europeus com os quais o Brasil mantém relações comerciais, incluindo Alemanha, França, Itália e Reino Unido, enviou uma carta ao vice-presidente Hamilton Mourão manifestando preocupação sobre o que avalia ser o recuo do Brasil em relação ao sólido histórico de proteção ambiental do país, cobrando "ações reais", e acendendo o alerta sobre a possibilidade de boicote a produtos brasileiros.>
Também na última semana, a França reafirmou que se opõe a atual versão do acordo de livre comércio entre Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) e a União Europeia, que foi anunciado em 2019, depois de 20 anos de negociações. Para entrar em vigor, o acordo precisa ser aprovado pelos parlamentos europeus. No entanto, alguns países alegam que a política ambiental do governo Bolsonaro é um empecilho para a ratificação.>
Outro temor é com relação ao acordo com Mercosul com a União Europeia. Como já mostrou A Gazeta, a expectativa é que, após o acordo, as exportações capixabas para o bloco dupliquem. Em 2018, o Estado exportou cerca de R$ 1,5 bilhão para a Europa, com destaque para os alimentos: café, carne de boi, mamão, soja, frango e peixe.>
"Esse acordo seria muito benéfico para o Espírito Santo, impulsionando as exportações do agronegócio mas também abrindo mais espaço para outros setores além do agronegócio venderem mais para a Europa. Seria um crescimento importante para a nossa economia que, agora, fica em xeque", comentou o economista Orlando Caliman.>
Ele ressaltou ainda a atração de investimentos. "O Espírito Santo é hoje um território muito atraente para investimentos, inclusive externos. E precisamos deles. Mas é muito provável que essa questão ambiental respingue nisso e afete esse fluxo de investimentos que viria para o Brasil e para cá".>
No Brasil, a preocupação com os desdobramentos que a conduta ambiental do governo pode trazer já tem provocado reações para além de ambientalistas. Representantes da indústria e do agronegócio do país já se reuniram com o governo mostrando temor com a reação externa e que isso prejudique as relações comerciais.>
"O mundo todo hoje em dia, sobretudo os países de primeiro mundo, está muito preocupado com a questão ambiental e o Brasil tem deixado um pouco a desejar nisso. Nenhuma empresa quer atrelar seus negócios ao desmatamento e degradação ambiental, assim como muitos países não vão querer comprar alimentos plantados em área desmatada ou de onde derrubam florestas para criar gado. É uma pauta que tem crescido", alertou o economista Mário Vasconcelos. >
O economista Orlando Caliman destacou que essa condução já está afetando a economia. "O Reino Unido, por exemplo, já lançou edital de audiência pública propondo restrições a produtos vindos do Brasil, sobretudo os ligados a pecuária. A União Europeia também se movimenta na mesma direção. E nos Estados Unidos algumas empresas também já avaliam isso. E os mercados europeu e americano representam 25% das exportações do nosso agronegócio".>
Na visão dos especialistas, o mercado internacional em geral tem avaliado o comportamento do país diante das queimadas e do desmatamento e tudo isso tende a comprometer negócios em andamento ou futuras oportunidades para empresas brasileiras e capixabas. Outra preocupação é ainda a aproximação "exagerada" com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que até agora não trouxe tantas vantagens para o país.>
Orlando Caliman
EconomistaSobre a aliança com os Estados Unidos, Caliman chamou a atenção ainda para a chance real do presidente americano não conseguir se reeleger e o democrata Joe Biden vencer as eleições, como apontam as pesquisas até aqui. "A política americana mudaria completamente e ele tenderia a ser mais um aliado da União Europeia nessas cobranças e ameaças ao Brasil. O país ficaria, de certa forma, isolado".>
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