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Publicado em 12 de março de 2022 às 19:48
A expressão "Covid longa" tem ganhado espaço no vocabulário e no cotidiano dos brasileiros. O quadro classifica aquelas pessoas que continuam com sintomas da doença mesmo após curadas. Efeitos comuns são a perda de memória e a redução das chamadas habilidades atencionais. As condições são capazes de afetar negativamente o Quociente de Inteligência, conhecido como QI.>
Médicos neurologistas, psicólogos e psiquiatras consultados por A Gazeta apontam que a infecção por Covid tem mexido com a rotina dos pacientes, afetando o desempenho em tarefas diárias e deixando funções com algum nível de comprometimento. >
Para o médico psiquiatra Luan Pogian, o cenário reforça a hipótese de atuação do coronavírus no sistema nervoso central, provocando danos neurológicos. É como se um infectado pelo coronavírus, mesmo curado e de volta à rotina, não tivesse a mesma saúde que apresentava antes daquela infecção.>
Luan Pogian
Médico psiquiatraO médico explica que não é possível definir critérios para o surgimento de déficits cognitivos ou transtornos psiquiátricos. Portanto, os infectados pela Covid estão expostos ao risco de sofrerem com queda na memória e na produtividade. Isso porque, de acordo com Luan Pogian, as reclamações de pacientes costumam ser relacionadas ao aspecto cognitivo.>
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A infecção por Covid pode gerar, imediatamente, dores no corpo, na garganta e na cabeça, além de tosse, cansaço e até falta de ar. Mas a preocupação agora também está voltada para o que pode ocorrer após o paciente receber alta hospitalar ou concluir o período de isolamento em casa. >
Em entrevista à reportagem de A Gazeta, o médico Luan Pogian reforçou a percepção de perda de memória como um fator predominante. Segundo o psiquiatra, há vários níveis de "declínio cognitivo" entre os pacientes, mas é possível classificar que a infecção por Covid é responsável por afetar a produtividade.>
"Pacientes geralmente reclamam de perda de memória. Cientificamente, falamos em declínio cognitivo. Há alteração da atenção, de funções executivas, uma tarefa diária, um exercício comum. [A infecção por Covid] afeta muito a produtividade. Às vezes pode ser um paciente que já tinha declínio, o que ficou ainda mais grave após a exposição ao vírus", detalha.>
A mesma tendência pode ser percebida no Quociente de Inteligência, também conhecido como QI. O fator mede a inteligência das pessoas com base em testes específicos.>
Luan Pogian
Médico psiquiatraO PhD em neurociência, formado em neuropsicologia e biólogo Fabiano de Abreu ressalta que o coronavírus afeta parte dos neurônios. O especialista explica que o vírus também é capaz de alterar o funcionamento dos astrócitos, que são células importantes para o funcionamento do cérebro. A infecção pelo vírus pode comprometer a rapidez na tomada de decisão das pessoas, por exemplo.>
Fabiano de Abreu
Neuropsicólogo e PHD em neurociênciaA tendência de estacionar ou regredir no QI também é observada pela neuropsicóloga Leninha Wagner. Ela explica que os sintomas neurológicos após a Covid são de longo prazo, permanecendo mesmo depois de o paciente ter se curado. As principais alegações dos pacientes são: dificuldade em manter o foco, troca de palavras, problemas de memória e lentidão na aprendizagem.>
Leninha Wagner
NeuropisicólogaOs especialistas consultados por A Gazeta concordam que o QI tem tendência de crescimento ao longo dos anos da vida de uma pessoa. Porém, a infecção por Covid é capaz de prejudicar as funções e habilidades que são consideradas em um teste de QI, por exemplo. Isso quer dizer que a queda no quociente é uma consequência do coronavírus. Não há estudos que mostrem o tamanho do risco para os infectados pela Covid. Também não é possível apontar quantos infectados sofrerão com a queda no QI.>
Um estudo feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) com 425 pacientes que se curaram de quadros moderado e grave da Covid mostrou alta prevalência de déficits cognitivos e transtornos psiquiátricos. O maior percentual é daqueles que relataram perda de memória após a infecção: 51,1%. >
SINTOMAS PÓS-COVID, SEGUNDO DADOS DA USP
- 51,1% dos pacientes relataram ter percebido declínio da memória
- 13,6% desenvolveram transtorno de estresse pós-traumático
- 15,5% foram diagnosticados com transtorno de ansiedade generalizada - em 8,14% deles o problema surgiu após a doença
- 8% dos pacientes receberam o diagnóstico de depressão - em 2,5% somente após o quadro de Covid
O estudo foi feito com 425 pacientes que se recuperaram das formas moderada e grave da Covid-19. Elaborado por pesquisadores da Universidade de São Paulo, com avaliações feitas no Hospital das Clínicas entre seis e nove meses após a alta hospitalar.
Esse não é o primeiro estudo que direciona atenção para o pós-Covid, mas os dados coletados no Hospital das Clínicas, em São Paulo, evidenciam um comportamento semelhante entre pacientes curados.>
A médica neurologista e professora da Emescam Mariana Lacerda afirma que as reclamações sobre perda de memória e dificuldade de concentração têm sido comuns no cotidiano dos médicos.>
"Na prática, o que vemos hoje são várias pessoas, mesmo depois de curadas, relatando sintomas persistentes. Isso também é observado em outras infecções, mas parece que a Covid, por ter sido um grande número de infectados, observamos com maior frequência. Notamos muitas queixas psiquiátricas. Acredito que não sejam casos isolados. Vejo que o número de pacientes aumentou, há mais procura [por atendimento com sintomas pós-Covid]", comenta a médica.>
O médico psiquiatra Luan Pogian compartilha a ideia de que os dados da USP mostram uma realidade vivida por inúmeros pacientes ao redor do Brasil.>
Aqueles que permanecem com sintomas mesmo depois de curados sabem por experiência própria que não há pílula mágica para volta da vida ao que era antes. A infecção por Covid, como explicado pelos especialistas, pode representar uma interrupção na evolução cognitiva.>
Na tentativa de impedir que o coronavírus afete ainda mais o organismo, médicos sugerem algumas mudanças na vida das pessoas, sobretudo em relação aos hábitos saudáveis.>
Em caso de sintomas mais graves, é necessário que o indivíduo procure um médico especializado. Ignorar os sinais, segundo especialistas, não é uma opção recomendada.>
O QUE É COVID LONGA?
O médico infectologista e professor da Emescam Lauro Ferreira Pinto explica que a classificação depende do tempo de duração dos sintomas. "Tratamos covid longa quando há mais de três meses de sintomas. Para considerar Covid longa, não é pouco tempo, mas é uma definição formal. A Covid longa é algo semelhante à síndrome da fadiga crônica, quando as pessoas têm dificuldade de executar tarefas simples, problemas com a memória, dificuldade de concentração, além de dor de cabeça. Pode acontecer em qualquer faixa etária. O que tem saído são trabalhos de descrição, são coisas novas. Sintomas mais relatados são dificuldades de concentração, fraqueza, insônia, dor de cabeça e perda de memória", detalha.
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