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O ES é um dos Estados que já iniciou a segunda onda da Covid?

O ES é um dos Estados que já iniciou a segunda onda da Covid?

Para especialistas no Espírito Santo, apesar da aceleração de casos, não se trata de uma nova onda; entendimento difere da avaliação de analistas nacionais

Publicado em 25 de novembro de 2020 às 06:01

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Máscara e mapa do ES
Para especialistas, Espírito Santo não enfrenta nova onda da Covid-19 neste momento. (Teddy Rawpixel/Rawpixel/Montagem Editoria visual)

Após pesquisadores brasileiros divulgarem uma nota técnica apontando que o país vive o início de uma 2ª onda da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), A Gazeta procurou especialistas para avaliar se o quadro se repete no Espírito Santo. Para os profissionais, embora nos últimos dias tenha ocorrido uma aceleração de casos  em território capixaba, não se trata de uma nova onda da doença, que não está descartada, mas é prevista apenas para meados de 2021. 

Os seis pesquisadores que assinam a nota técnica afirmam que no Brasil o pico da doença ocorreu nos meses de julho a setembro. Após esse período, houve uma queda que durou até o início de novembro. Na análise dos profissionais, esse movimento configura o início de uma segunda onda da doença.

"A situação no Brasil se deteriorou fortemente nas últimas duas semanas, e o início de uma segunda onda de crescimento de casos já é evidente em quase todos os Estados, de forma particularmente preocupante nas regiões mais populosas do país", destaca o documento.

ES NÃO CUMPRE REQUISITOS DE SEGUNDA ONDA, DIZ ESPECIALISTA

Mas, para especialistas capixabas, é necessário reunir outros critérios antes de definir a segunda onda. Etereldes Gonçalves, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e membro do Núcleo Interinstitucional de Estudos Epidemiológicos (NIEE), explica que, como o Estado nem sequer venceu a primeira onda da Covid-19,  dificilmente há como entrar no novo ciclo. Ele pontua, ainda, os requisitos básicos para a segunda onda, algo que o Espírito Santo não alcançou. 

"Pela definição que conhecemos de segunda onda, através da Escola Europeia de Saúde Pública, isso ainda não aconteceu no Estado.  Não temos os requisitos básicos: não vencemos a primeira onda, não temos uma nova cepa do vírus, não temos uma mutação nos patógenos, com reinfecções", observa Etereldes.

Isso não significa, ressalta o professor, que não há segunda onda em outros lugares do Brasil. "Mas, no Espírito Santo, não há. Mesmo em algumas cidades, como Vitória, onde houve queda nos óbitos e casos há algumas semanas, voltando a subir agora, não é possível apontar uma segunda onda. É preciso aguardar para ver se esse aumento não é apenas uma bolha de proteção sendo furada. Ou seja, pessoas que estavam protegidas e foram contaminadas agora", analisa.

Os estudos, segundo Etereldes, apontam que embora os novos casos tenham voltado a subir no Estado, a tendência é que, em seguida, seja registrado um efeito platô (quando a curva de transmissão atinge um pico e torna-se contínua) e os números voltem a cair. 

"Essa carta sobre segunda onda deixa várias interpretações. Eu não localizei uma definição matemática que fez o estudo acreditar em segunda onda.  A Fiocruz, por exemplo, considera segunda onda se, antes de subir,o número de novos casos foi menor que 1 por 100 mil habitantes, com média móvel abaixo de 42. Nós estamos bem longe disso. O Espírito Santo não chegou nem perto de zero na taxa de transmissão. O menor nível que tivemos foi de 553 casos na média móvel diária", revela. 

Opinião semelhante tem Ethel Maciel, doutora em Saúde Coletiva e Epidemiologia e também professora da Ufes . Segundo a especialista, é preciso acompanhar os dados dos próximos dias para ver o comportamento da curva de novos casos - se vai continuar subindo ou se vai estabilizar e cair. 

"Obviamente precisamos considerar a ampliação dos testes.  Possivelmente, hoje temos mais casos comprovados do que no início da pandemia porque ainda não tínhamos tantos testes. A maioria das pessoas, como os mais jovens, não era testada. Hoje, chegamos em um nível - do ponto de vista de saúde pública, que queríamos ter desde o início, com teste para todos. Pode acontecer dos casos continuarem crescendo exponencialmente. Aí, de fato entraria, uma segunda onda antes mesmo da primeira acabar. Mas não acredito que isso vá acontecer", avalia.

SEGUNDA ONDA PODE CHEGAR EM MEADOS DE 2021

Ethel Maciel acredita que o aumento de casos no Estado tenha mais relação com os últimos feriados, em que as pessoas socializaram mais, do que propriamente com uma possível segunda onda. Agora, a preocupação dos especialistas é com as festas de fim de ano. Por isso, prefeituras estão sendo orientadas a não realizarem queima de fogos ou outras ações que promovam aglomeração.

"Se as nossas previsões se concretizarem, teríamos um período de menos casos nos próximos meses para darmos aquela organizada no planejamento para poder enfrentar uma segunda onda, que deve acontecer em meados de 2021, com a chegada da vacina. Sempre nos baseamos na Europa, onde houve desaceleração no verão e aumento no inverno.  Sabemos que no inverno as doenças respiratórias surgem mais, e o Sars-CoV-2 (coronavírus) vai continuar circulando", alerta.

Aspas de citação

Esperamos que, diferentemente da Europa, na segunda onda já tenhamos vacina. Mas isso vai depender do comportamento das pessoas e do vírus. É possível chegar na segunda onda sem cumprir todas as características como aconteceu nos Estados Unidos. Mas, falando de Brasil, hoje acho que só Manaus poderia estar em uma segunda onda

Ethel Maciel
Epidemiologista
Aspas de citação

MAIS EXPOSIÇÃO

O infectologista Lauro Ferreira Pinto avalia que, embora tenha havido um aumento de casos devido à maior exposição nas ruas, bares e festas, por exemplo, ainda não é possível tratar esse cenário no Espírito Santo como segunda onda. 

"Temos segunda onda quando a primeira acaba, mas nunca tivemos um controle eficaz da pandemia no Brasil como aconteceu países da Ásia e Europa. Eles conseguiram chegar na taxa de transmissão próxima de zero. O que está acontecendo, realmente, é um aumento nessa taxa de transmissão em vários Estados do Brasil porque, de repente, as pessoas, principalmente os jovens, relaxaram com distanciamento, higiene e uso das máscaras", atesta o médico. 

"DOENÇA ESTÁ LONGE DE SER CONTROLADA NO PAÍS"

Para a pneumologista capixaba e pesquisadora da Fiocruz, Margareth Dalcolmo, também não é possível afirmar ainda a existência de uma segunda onda no Brasil.

"Considera-se a segunda onda de uma epidemia quando já houve uma redução grande e depois os números de casos e mortes aumentam em mais de 50%, como está acontecendo na Europa. No Brasil, podemos pensar nesse movimento apenas no Norte, nem isso se caracterizou ainda. Passamos pelo pico epidêmico lá pelo final de junho e mantivemos um patamar de transmissão muito alto ainda. A doença está longe de ser controlada no país", afirma Margareth, em publicação no jornal O Globo nesta terça (24). 

"O QUE TEM RELEVÂNCIA É A PRÁTICA SOCIAL", DIZ SECRETÁRIO

Para o secretário estadual da Saúde, Nésio Fernandes, o novo aumento de casos da Covid-19 no Espírito Santo ser denominado de segunda onda ou não é menos importante que o comportamento social.

"Trata-se de uma segunda expansão da doença. Se é de primeira ou de segunda onda, depende do conceito de onda. Para fins da administração das medidas de saúde, nós não necessitamos entrar neste debate. Nós reconhecemos que o Estado vive uma segunda expansão da pandemia, com repercussão importante para a saúde pública e para as atividades econômicas e sociais, que exige de todos um reposicionamento", frisa.

A expansão dos casos e internações, destaca Nésio Fernandes, deve ser reconhecida oficialmente pelos gestores, em escala nacional. "Conversei com o ministro da Saúde (Eduardo Pazuello) e com outras autoridades, e sugeri que fosse feito um reconhecimento central do comportamento assimétrico da segunda expansão. Há possibilidade de também termos uma segunda onda sobreposta à primeira, em consequência da mutação do vírus. Ou seja, podemos não ter tido o fechamento concreto da primeira onda. Em outras doenças isso já aconteceu, como na gripe espanhola."

De acordo com o secretário, a segunda expansão da doença é potencialmente tão perigosa quanto à primeira. "Justamente porque vivemos um contexto em que não será possível falar nas restrições das atividades antes impostas. A possibilidade de segunda onda no Espírito Santo e no Brasil foi uma tese sustentada por mim antes, não é pacificado entre epidemiologistas e o que tem relevância é a prática social. Se há repercussão em internações, devemos reorientar o planejamento de enfrentamento da doença", sustenta.

Nésio Fernandes diz que está conversando com colegas da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) sobre o caso brasileiro. "Eles não estão convencidos de uma segunda onda clássica no Brasil. Para termos certeza, devemos apostar em diversas análises. Mas o inegável é que há uma segunda expansão. Precisamos apostar na ciência e em estratégias de sequenciamento genético das cepas para compreender melhor o comportamento pandêmico."

Alguns elementos já conhecidos, afirma Nésio Fernandes, explicam o aumento de casos de infecção, entre os quais o relaxamento do distanciamento social e o aumento da indisciplina. No entanto, esses fatores podem não ser suficientes para explicar a nova expansão, uma vez que já há muitos imunizados. "A probabilidade de segunda onda é pequena no Brasil. A experiência brasileira é desastrosa em vários aspectos, entre eles no sentido do enfrentamento à pandemia, da polarização da sociedade, da falta de coesão nacional, da falta de políticas econômicas correspondentes. E este é um contexto muito difícil para municípios e Estados", avalia.

Desde o início da queda dos casos, o secretário lembra que vinha afirmando que uma nova expansão deveria ser acompanhada não somente por quantidade de casos novos, mas também do aumento da internação e óbitos. "Em setembro, quando modificamos os critérios de testagens, alertei que a mudança poderia levar a um aumento de casos e que isso não significaria uma segunda onda. No entanto, houve também uma explícita mudança no comportamento da população, com sucessão de semanas calorosas, feriados, eventos que aglomeraram pessoas", finaliza.

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