Espírito Santo é atingido e sofre com as fortes chuvas todos os anos
Espírito Santo é atingido e sofre com as fortes chuvas todos os anos. Crédito: Arte: Geraldo Neto / Fotos: Ricardo Medeiros / Arquivo A Gazeta

Entenda por que o ES sempre é atingido por grandes volumes de chuva

Especialistas explicam que chuvas já são esperadas entre a primavera e verão no Estado, no entanto, cidades continuam sendo devastadas, gerando mortes e prejuízos econômicos

Tempo de leitura: 5min
Vitória
Publicado em 06/12/2022 às 07h14

Os meses que precedem a virada de ano e os subsequentes são marcados por fortes chuvas no Espírito Santo. Municípios inteiros ficam debaixo d'água, com moradores perdendo bens pessoais ou até a vida. Mas por qual razão o capixaba ainda sofre vendo essa história se repetir anualmente? Especialistas ouvidos por A Gazeta explicam que o Estado está na rota de um fenômeno climático causador de grandes tempestades nesse período. Somado a isso, as cidades continuam despreparadas para lidar com essas intempéries climáticas, apesar dos investimentos do poder público

De Norte a Sul do Estado, esse período é marcado por ansiedade por parte da população e medo de novas tragédias. Moradora de Bubu, em Cariacica, a zeladora de condomínio Fátima Alves Pereira, de 42 anos, teve que deixar tudo para trás ainda na sexta-feira (2), quando a Defesa Civil interditou a casa dela, sob o risco de desabamento.

Ela seguiu a determinação e estava abrigada na casa de parentes quando o morro cedeu e a terra invadiu a residência onde ela vivia, no sábado (3)

Moradores deixam suas casas após barranco desabar no bairro Bubu, em Cariacica
Fátima Alves Pereira perdeu a casa, após um barranco desabar no bairro Bubu, em Cariacica. Crédito: Ricardo Medeiros

"Estou me levantando, mas agora, tendo onde eu e minha família ficar, fico mais tranquila", contou, após ter a casa condenada pelo órgão. Ainda no sábado (3), ela e populares se arriscavam tentando salvar os pertences pessoais que tinham ficado dentro da residência. No domingo (4), ela conseguiu encontrar outro lar, mas terá que pagar aluguel para abrigar ela, o marido de 53 anos e três filhos, de 12, 21 e 23 anos.

"Era a minha casa. Pela segunda vez interditaram. Na primeira vez tentei ajuda do governo, corri atrás, mas não ganhei o benefício. Nem o muro de arrimo ou uma manta para segurar o morro construíram", desabafou nesta segunda-feira (5). 

Fátima Alves Pereira

Moradora perdeu a casa nas fortes chuvas que atingiram Cariacica 

"Eu não dormia, coloquei meus filhos na sala que dava acesso à rua e eu e meu marido ficávamos acordados, vigiando"
Chuva deixou rastro de destruição em Iconha, Sul do Espírito Santo, em 2020. Crédito: Fernando Madeira
Chuva deixou rastro de destruição em Iconha, Sul do Espírito Santo, em 2020. Crédito: Fernando Madeira

TRIMESTRE CHUVOSO

Chuvas fortes nesse período do ano já são esperadas, como explica a meteorologista Marilene Carvalho, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Ela reforça ainda que o Estado está na rota de um fenômeno climático causador de fortes precipitações nessa época do ano. "Essas chuvas que estão ocorrendo no Espírito Santo, assim como em outras áreas da Região Sudeste, Norte e Centro-oeste, são devido à atuação de uma Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), resultado de vários sistemas meteorológicos", pontua. 

Marilene ressalta que a atuação da ZCAS não é igual de um ano para o outro. Ainda assim, as consequências desse fenômeno formado entre o fim da primavera e o início do verão são dados como certo nessa época. 

Formação da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) no Brasil. Crédito: Climatempo
Formação da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) no Brasil. Crédito: Climatempo

O meteorologista Hugo Ramos, do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), por sua vez, reforça o argumento de que são esperadas chuvas dessa magnitude no trimestre entre dezembro e fevereiro. Ele acrescenta ainda que a posição do Espírito Santo no mapa é justamente por onde a zona de convergência passa.

“É um evento comum nesta época do ano. Para se formar, são várias situações, uma delas é a passagem de frente fria pelo litoral, em que os ventos mais perto da superfície se alinham e outros sistemas meteorológicos que se desenvolvem na Região Amazônica formam um corredor de umidade e mantém esse padrão de chuva”, contextualiza o meteorologista.

CIDADES DESPREPARADAS 

O engenheiro ambiental André Rocha, na mesma linha dos meteorologistas, destaca que as estações são muito bem definidas, com um período mais seco e outro chuvoso no Estado. "Novembro tem uma característica muito forte em que, nos últimos anos, as maiores chuvas ocorreram nesse mês", contextualiza.

No entanto, na avaliação dele, apesar de terem isso evidente, as cidades continuam despreparadas para lidar com chuvas dessa magnitude, como explicou em conversa com A Gazeta.

A Gazeta: André, em um artigo seu, de fevereiro do ano passado, publicado neste site, o senhor citava que as enchentes advindas das chuvas no Espírito Santo são "tragédias anunciadas". Cá estamos, menos de um ano depois, falando do mesmo problema. Por que vemos a mesma história se repetir anualmente?

André Rocha: a gente continua vendo essas situações porque os municípios não se preparam para receber esse volume de chuva. É necessário ter medidas de engenharia e ambientais para conter esses principais problemas de alagamentos e desmoronamentos.

Sabemos que o Estado conta com a Defesa Civil e faz investimentos para minimizar os impactos da chuva, como mostra uma reportagem publicada em A Gazeta. Mas o que ainda pode ser feito para proteger vidas?

Temos áreas que são de risco, encostas, morros e são as grandes preocupações. Já existe esse mapeamento, o ideal é que esses locais sejam desocupados, mas sabemos que não é viável, é algo extremo a ser feito. Outro ponto é preparar um plano de contingência e emergência para esses locais. Se o Incaper, por exemplo, prevê chuva forte, as pessoas receberem uma comunicação e deixarem as casas e ir para parentes ou locais mais seguros. 

E tem algo mais que pode ser feito pelo poder público?

Tem obras de engenharia, macrodrenagem e os bolsões, as piscinas que diminuem a intensidade de uma enxurrada, controlando e segurando o volume da chuva. São obras que diminuem esses impactos. Só que são projetos muito caros e pouco visuais para a comunidade, então é um ponto que desestimula os governantes e investirem nesse tipo de obra. E tem questões ambientais, evitar o desmatamento em áreas que essa água poderia se infiltrar no solo. Se chove onde não tem vegetação, ela corre de forma muito mais rápida. A vegetação diminui a velocidade e filtre a água. Precisamos manter as nossas florestas ambientais.

As mudanças ambientais parecem apontar para um futuro com, cada vez, mais ocorrências de chuvas e desastres ambientais. Esse cenário é real? Como as cidades devem se preparar para o futuro?

Quanto às mudanças ambientais, é algo tênue de se confirmar, mas a gente tem visto a incidência de desastres relacionados por fenômenos naturais acontecer com muito mais frequência. Todos os anos a gente tem aqui, anos seguidos acontecendo isso no Espírito Santo, no Brasil, em Petrópolis, que matou centenas de pessoas, nos Estados Unidos, Europa... vemos uma mudança de comportamento dos fenômenos naturais, achar a causa é muito complexo, mas existem indícios de que as mudanças climáticas estão relacionadas com essas questões.

A Gazeta mostra impacto da chuva no ES desde 1979

Estado vem sendo atingido frequentemente por chuvas intensas

O QUE DIZEM OS CITADOS

A reportagem procurou governo do Estado, por meio da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp). A pasta informou que vai fazer um levantamento das vidas perdidas nas enchentes dos últimos anos e explicou que não há um balanço do impacto financeiro para o Estado com as fortes chuvas, apenas dados sobre os investimentos realizados

Já a Defesa Civil de Cariacica informou que esteve em Bubu e vai retornar para reavaliar as condições da área, para instalação de um paliativo. A Secretaria de Obras de Cariacica (Semob), por sua vez, disse que, por se tratar de área particular, a responsabilidade de intervenções é do proprietário do imóvel. 

A Secretaria de Assistência Social de Cariacica (Semas) informou que está realizando relatório sobre a situação das famílias que estão no abrigo da Prefeitura de Cariacica e, posteriormente, os dados serão enviados para a Secretaria de Habitação (Semhab), que analisará quais famílias se enquadram no programa Aluguel Mais Cidadão.

"Instituído pelo Decreto 246/2022, o programa destina-se atender famílias que estejam em situação de catástrofe ou calamidade pública, situações de risco geológico, situações de risco à salubridade e intervenções urbanas. Um dos critérios principais para a concessão do benefício é que a renda familiar mensal seja de um salário mínimo. É necessário, também, ter a condição de risco e a impossibilidade de retorno às áreas de remoção atestadas por laudo técnico da Defesa Civil. Entretanto, em casos de catástrofes ou calamidade pública o benefício do Programa Aluguel Mais Cidadão poderá ser excepcionalmente disponibilizado às vítimas pelo prazo máximo de seis meses, conforme art. 3°, § 2°, Decreto 246/2022. As vítimas podem abrir os processos requerendo o benefício diretamente nos guichês do setor de protocolo da Prefeitura Municipal de Cariacica", finalizou a nota. 

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