Marmita solidária entregue aos moradores de rua em Vila Velha com mensagens
Marmita solidária entregue aos moradores de rua em Vila Velha com mensagens. Crédito: Fernando Madeira

Doações chegam até do exterior para ajudar moradores de rua no ES

Projeto social distribui cerca de 150 marmitas nas ruas de Vila Velha, toda sexta-feira, para moradores de rua e usuários de droga.  Projeto que começou durante a pandemia já recebe apoio de moradores de outros países

Publicado em 04/10/2020 às 13h14
Atualizado em 04/10/2020 às 13h14

Cerca de 150 marmitas são acondicionadas nos porta-malas dos carros. Em cada uma delas há uma mensagem: “Você é especial”. O grupo de amigos, que passou parte da tarde e o início da noite preparando a alimentação, se reúne para uma oração antes de seguirem pelas ruas de Vila Velha. Vão alimentar moradores de rua e usuários de drogas.

Divulgado nas redes sociais, o projeto Marmita Solidária já venceu as divisas estaduais e as fronteiras internacionais. “Já recebemos doações de pessoas de outros estados e até da Inglaterra”, conta Walleska Pimentel, coordenadora dos trabalhos.

Nas noites frias, até mesmo durante os meses da pandemia do novo coronavírus, o grupo segue o mesmo ritual: para em praças, ruas, marquises, embaixo da Terceira Ponte e até em cracolândias, oferecendo alimento, roupas, suco, remédio e uma palavra de apoio. 

Durante o trajeto, vão ouvindo os relatos de quem perdeu suas histórias nas ruas, a maioria para as drogas. Depoimentos que nossa equipe presenciou ao acompanhar o trabalho do grupo. 

Foi assim que encontramos César, que aos 54 anos divide os bancos de uma praça com outros moradores de rua. Pai de duas filhas, mostra seu diário, onde faz questão de escrever tudo o que acontece com ele em seu dia a dia. “Relato tudo o que passo, o que vejo, a situação de outros na mesma situação”, conta.

Marceneiro, estofador e cozinheiro, César diz que não conseguiu superar as drogas, mas que ainda mantém a esperança de uma vida diferente. “Não sou o primeiro e nem serei o último. Acontece… Consigo viver bem nas ruas porque tenho muita serenidade. As pessoas que conversam comigo nem acreditam que uso crack”, relata.

Marmita solidária - Grupo de voluntários que distribui refeições para pessoas em situação de rua, em Vila Velha
Grupo distribui, todas as sextas-feiras, alimentação para moradores de rua de Vila Velha. Crédito: Fernando Madeira

Mal ele termina de falar e nossa equipe, que acompanhava o trabalho do Marmita Solidária, é abordada por Baianinha. Ela decide cantar uma música para os que ajudam. Logo depois, em meio a lágrimas, revela um pouco de sua história.

Sem falar a idade, diz que usa drogas desde os 13 anos e que foi expulsa de casa porque não consegue abandonar o vício. Já perdeu a guarda de dois de seus filhos. “Mas hoje estou feliz, descobri que vou ter um bebezinho”, revela, sorrindo, dizendo que “confia em deus para livrá-la das drogas”.

Ao longo da noite, nas sucessivas paradas, os relatos de sonhos que não chegaram a ser vividos, vão sendo apresentados. Embaixo de uma marquise na Avenida Lindenberg encontramos o carioca Adriano, vendedor de balas, que se divide entre Vitória e Vila Velha. Naquela noite partilhava o espaço com mais três pessoas, uma delas cadeirante. “Depois da pandemia, estamos disputando espaço nas ruas para vender balas com os que perderam emprego”, explica.

No bairro seguinte, uma fila se forma em torno do carro com as marmitas. Até mães com crianças aparecem. Embaixo de outra marquise, mais de dez colchões se enfileiram. Lá encontramos a jovem de 24 anos, que veio de Minas Gerais, e que fez questão de escrever seu nome: Inglaterniane. Não queria contar sua história, apesar de posar para fotos.

No colchão ao lado estava Fernando, que relatou ter saído de casa um dia para comprar uma botija de gás e nunca mais voltou. “Não dá nem para explicar”, desabafa. Ao lado direito, outro jovem brinca ser herdeiro de terras, mas que se recusa a voltar para a família. “Quero ser internado em uma clínica. Podem me ajudar?”, nos pergunta.

Marmita solidária - Grupo de voluntários que distribui refeições para pessoas em situação de rua, em Vila Velha
Marmitas entregues em pontos de Vila Velha com maior número de moradores de rua. Crédito: Fernando Madeira

A caminhada segue e em um ponto conhecido como cracolândia conhecemos uma artista circense de 40 anos, que nos convidou a conhecer a sua improvisada casa em meio a rua. Local que ela faz questão de manter limpo, com cama arrumada, flores em um vaso e um espelho grande. Numa conversa rápida informa que está indo para o "rock". “Tenho 22 anos de crack. Sei lidar com a droga. E as pessoas me respeitam. Mas agora estou com pressa”, diz, ao se despedir.

Quase em frente à sua casa, uma fogueira queima o entulho acumulado pelos moradores de rua. “Decidimos fazer nossa limpeza antes que a prefeitura venha e derrube todas as casas, com um trator”, conta o mineiro Fernando.

ALIMENTO E ATENÇÃO

A ideia de oferecer alimentação e uma palavra amiga começou, segundo Walleska Pimentel, coordenadora do Marmita Solidária, em março, logo após a decretação da pandemia do novo coronavírus. Incomodada com a situação dos que nada tinham para comer, resolveu reunir alguns amigos, fazer algumas marmitas e distribuir pelas ruas, à noite.

Atualmente cerca de 23 pessoas participam do projeto, ajudando desde a preparação até a distribuição dos alimentos. A comida é preparada por seus pais, em sua casa, no Ibes, com o apoio de amigos, e conseguem distribuir 150 marmitas.

Além do alimento, oferecem roupas, suco e remédio. “O Marmita Solidária não tem bandeira de nenhuma igreja. Vamos para as ruas distribuir alimento, amor e esperança. E somos recompensadas com as histórias que nos contam e om eles criamos um vínculo”, relata.

Além do trabalho nas ruas, na manhã de sábado o mesmo grupo ainda faz uma ação solidária em Jabaeté, Grande Terra Vermelha.

Marmita solidária - Grupo de voluntários que distribui refeições para pessoas em situação de rua, em Vila Velha
Além da marmita, é oferecido suco, remédio e uma palavra de conforto. Crédito: Fernando Madeira
Marmita solidária - Grupo de voluntários que distribui refeições para pessoas em situação de rua, em Vila Velha
Antes de começar a distribuição de alimentos, o grupo, que não tem bandeira de nenhuma igreja, faz uma oração. Crédito: Fernando Madeira
Marmita solidária - Grupo de voluntários que distribui refeições para pessoas em situação de rua, em Vila Velha
César, o morador de rua que relata o seu cotidiano em um diário. Crédito: Fernando Madeira
Marmita solidária - Grupo de voluntários que distribui refeições para pessoas em situação de rua, em Vila Velha
Moradores de rua promovem limpeza e queimam lixo em rua onde organizaram suas barracas. Crédito: Fernando Madeira
Marmita solidária - Grupo de voluntários que distribui refeições para pessoas em situação de rua, em Vila Velha
Até crianças vão para as filas receber as marmitas oferecidas pelo grupo Marmita Solidária. Crédito: Fernando Madeira
Marmita solidária - Grupo de voluntários que distribui refeições para pessoas em situação de rua, em Vila Velha
O alimento é produzido algumas horas antes de ser distribuído. Crédito: Fernando Madeira

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