Publicado em 8 de dezembro de 2020 às 17:14
Dou minha palavra de honra que sou pessoa de confiança e meu coração é doce: perto de mim nunca deixo criança ou bicho sofrer. Essa é uma das frases marcantes do livro A Mulher que Matou os Peixes, de Clarice Lispector, logo depois de a autora revelar quem foi a assassina dos animais na obra publicada em 1968 pela editora Rocco. >
Para quem sabe ler e consegue enxergar as letras, o livro infantil de um dos ícones da literatura nacional é uma ótima opção para leitura. Para pessoas que precisam de outra forma de interação, elas podem acessar o site da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SEDPcD) de São Paulo que o livro e outros clássicos estão no acervo gratuito para pessoas com deficiência. >
A disponibilidade da obra em formato acessível é um presente ao público, ainda mais quando Clarice completaria 100 anos, no próximo dia 10 de dezembro. A leitura inclusiva é aquela que garante que todas as pessoas, inclusive as com mobilidade reduzida, surdez, entre outras deficiências, tenham garantido o direito à leitura. Para isso, ela se utiliza de diferentes estratégias, metodologias e recursos de tecnologia assistiva com o objetivo de produzir livros em formatos acessíveis.
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Assim, no projeto de São Paulo, os livros podem ser acessados de modo on-line em formatos variados como libras, legenda, áudio, imagem e com leitura simples. Desta forma, os leitores podem saber, por exemplo, quem de fato foi a mulher que matou os peixes do romance infantil de Clarice Lispector. >
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Além da obra de Clarice, outras publicações de livros inclusivos feitas pela SEDPcD garantem narração e texto em português, audiodescrição e animação de imagens, tradução e interpretação em libras. >
A escritora e articuladora da Rede de Leitura Inclusiva no Espírito Santo, Lilian Menegucci, afirma que o acesso à leitura, de modo geral, para além do ponto de vista afetivo e cognitivo, é importante porque significa a não submissão do leitor a uma história única: a uma história que diz, apenas, de um tipo, de um modo de ser e de viver na humanidade. >
Por essas e outras, o acesso à literatura está associado, também, à negação da lei da subserviência; da negação de direitos e da exclusão. Logo, além da produção de sentidos, propriamente dita, é necessário garantir que os livros literários sejam disponibilizados em formatos acessíveis para todas as pessoas, inclusive para as pessoas com deficiência, explica Lilian.>
No Espírito Santo, ainda não há uma disponibilidade de obras acessíveis gratuitas de forma on-line. Mas isso não quer dizer que elas não existam. A transferência desses conteúdos para plataformas on-line são desafios para as instituições. Atualmente, os interessados encontram estes materiais em acervos físicos, em sua maioria nas bibliotecas públicas.
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A Biblioteca Pública Estadual possui mais de 3.200 obras adaptadas e diversos recursos de tecnologia assistiva como a Lupa Eletrônica, computadores com programa Doswox e Nvda com leitores de tela, impressora Braile e scanner. No entanto, o material não está disponível nas plataformas on-line e, devido à pandemia, o setor de braille Biblioteca não tem realizado atendimento ao público.>
A avaliação de sua reabertura é feita mensalmente para garantia de segurança sanitária, por isso ainda não se tem previsão. O Arquivo Público relatou não ter livros em formato inclusivo em seu acervo. >
Em catálogo, a Secretaria Municipal de Cultura de Vitória, disponibiliza acervo com histórias conhecidas adaptadas a vários públicos. As produções estão disponíveis na Biblioteca Pública Municipal Adelpho Poli Monjardim.>
A produção de livros, em quaisquer formatos, por si só, no Brasil já demanda um investimento significativo. A produção do livro, em formato acessível, tem um custo que, ainda, é considerado alto. A escritora Lilian reforça que é necessário que haja política pública voltada para o livro, a leitura e a literatura de forma inclusiva.>
Na Ufes, por exemplo, o professor doutor do curso de Comunicação Social Rafael Paes iniciou um projeto de transformação de livros acadêmicos para audiobooks. No entanto, devido às dificuldades encontradas no processo, o projeto de extensão não pôde ser levado à frente.>
A capixaba Marina Cunico, de apenas 14 anos, conta como foi difícil encontrar uma ilustradora que deixasse seu livro, "Minha Vida", acessível para pessoas com visão reduzida ou cegas. "Quando recebi a versão final do livro, eu questionei o ilustrador sobre como uma pessoa cega leria ele. Só encontramos uma profissional em São Paulo e o livro teve audiodescrição, relata. >
Na capa do livro, uma pessoa com deficiência visual pode ler em braille a informação de que no fim do livro há um QRCode que leva ao link da narração adaptada. A capixaba foi a primeira criança a lançar um livro em formato completamente inclusivo no Brasil.
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Mas nem tudo são pedras no caminho. A escritora Lilian Menegucci conta que, através de um projeto do Planetário Vitória da Ufes, o seu livro A Criança Mágica foi adaptado para o audiovisual. A autora conta que a instituição reproduz o material com frequência nas plataformas on-line, de acordo com sua programação. A última foi realizada em outubro de 2020 em transmissão via Youtube. Confira abaixo algumas obras acessíveis produzidas por capixabas.>
O livro infantil da escritora capixaba Isa Colli foi adaptado para Linguagem Brasileira de Sinais (Libras) e narração em português e é uma das obras que pode ser acessada gratuitamente nas plataformas digitais. A parceria foi feita com um canal de TV com conteúdo acessível aos deficientes auditivos. O livro aborda a importante mensagem de se saber dividir e conviver em coletivo, além de ensinar sobre a doação. >
Sinopse: Quantos brinquedos ficam esquecidos em armários depois de terem sido companheiros inseparáveis de meninas e meninos? Quantas bonecas, caminhõezinhos, ursinhos e chocalhos estão em algum canto da casa à espera de uma criança que venha se divertir e aprender com eles? >
Sinopse: Uma criança que brinca com tudo o que pode por as mãos ou o pensamento, independentemente da sua forma de ser e estar no mundo. Uma criança que tem o poder único de transformar tudo aquilo que está à sua volta no que bem entender é a tônica deste livro. Elementos como a imaginação, a fantasia, a criatividade e a curiosidade marcam a narrativa poética e visual dessa obra. Entre outras coisas, dispositivo para acionar o mundo simbólico das crianças que fomos e com as quais também convivemos.>
O livro Vamos ficar em casa de Ilvan Filho foi acessibilizado em Libras, por Josiely Fernandes e Priscila Muzy neste ano. A obra auxilia pais e responsáveis na conscientização das crianças sobre os cuidados a serem tomados diante à pandemia do novo coronavírus. A produção inclusiva está disponível na internet.
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Sinopse: O livro Vamos ficar em casa! conta a história de Manu, uma menina que ao acordar numa manhã, ansiosa para ir à escola e brincar, é surpreendida pelo aviso da quarentena.>
Sinopse: A ideia principal do livro era levar um reforço escolar nas periferias de maneira divertida e tecnológica para pessoas que não tem acesso à educação de qualidade no projeto chamado Escolinha da Marina. Para atender todos os públicos, Marina conta que em diversos locais do livro estão identificados QRCode em que o leitor pode se encaminhar para vídeos que ilustram as atividades propostas na obra com traduções em libras, por exemplo. Eu sou uma pessoa que incentiva a inclusão e não queria fazer o meu livro se uma pessoa não pudesse ler ele, revelou Marina. >
*Israel Zuqui é aluno do 23° Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta, sob orientação do editor Erik Oakes.
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