Rota das armas é desafio para a segurança pública no ES

Apreensões robustas mostram que existe eficiência policial no cerco às armas, mas guerra de facções também indica que o abastecimento da criminalidade com armamento pesado não consegue ser interrompido

Publicado em 06/05/2021 às 02h00
Operação
Armas e munições apreendidas em operação policial no ES. Crédito: Sesp/Divulgação

A dinâmica da guerra entre facções na Grande Vitória, entre siglas, mortes e sucessões de lideranças, difere-se muito pouco dos grandes conflitos entre nações ao longo da história recente. Basicamente, é a conquista de territórios com faro no potencial econômico (no caso do tráfico, ilegal, mas muito lucrativo) que move esses grupos, em busca de hegemonia ou resistência. E, como nos conflitos bélicos clássicos, quem tem mais poder de fogo se sobrepõe com mais facilidade. 

O acesso às armas é, atualmente, questão crucial para se entender a escalada da violência. No conflito que vem sendo deflagrado na região do bairro Andorinhas, em Vitória, a ostentação de fuzis e metralhadoras é um componente fundamental de demonstração de poder, como comprovam as imagens que circulam livremente na internet.

Os tiroteios que vêm ocorrendo com frequência desde o assassinato de um jovem em Itararé, atribuído a traficantes de Andorinhas e Mangue Seco, em meados de abril, provocam o medo dos moradores da região e assustam os bairros de classe média vizinhos, como Jardim da Penha e Barro Vermelho, que testemunham a aproximação dessa guerra que há tempos faz parte da rotina de quem vive nas localidades dominadas pelo tráfico. Mas são, acima de tudo, um espetáculo de exibição de poder.

Ao mesmo tempo que bandidos se vangloriam de seu arsenal em fotos e vídeos nas redes sociais, crescem também as apreensões. Em sua coluna, Leonel Ximenes mostrou que, nos quatro primeiros meses de 2021, 1.423 armas de fogo foram apreendidas no Espírito Santo, um recorde computado para o período, nos últimos cinco anos. O número representa um aumento de 25,9% nas apreensões em relação ao primeiro quadrimestre de 2020. 

As apreensões robustas mostram que existe eficiência policial no cerco às armas, mas também apontam a facilidade de receptação pelas facções. O fato é que o abastecimento da criminalidade com armamento pesado cresce sem que haja uma interrupção significativa. A rota das armas é um desafio para a segurança pública, por envolver uma cadeia de comércio ilegal muito além das divisas do Estado. Por isso é tão urgente a execução de políticas integradas no combate à criminalidade no Brasil, para conseguir minar a circulação ilegal de armas que fortalecem esses grupos.

Nesta quarta-feira (05), a Polícia Civil do Espírito Santo prendeu na Serra três homens e uma mulher suspeitos de serem integrantes de uma organização criminosa do Estado de São Paulo, com apreensão de armas e drogas. Um demonstrativo de que criminosos circulam pelo país, estabelecendo laços que precisam ser cortados por ações conjuntas.

Basta ver o que está acontecendo neste momento na Grande Vitória. No confronto com facções rivais na Capital, traficantes de Andorinhas estão procurando refúgio em bairros da Serra, onde têm apoio de outras gangues. Mas eles não são aceitos nessas localidades por mera camaradagem,  as armas que carregam com eles abrem as portas, como descreveu uma fonte em reportagem deste jornal: "Os criminosos que saem de Vitória para esses locais entram com armas para apoiar o tráfico local, entregando-as nas mãos de muitos menores".

As sucessivas prisões de líderes e operações realizadas nesses bairros mostram que as autoridades de segurança pública do Estado não estão de olhos vendados. A prisão de  Rhaony Hansen Cordeiro Soares, 29, encontrado por policiais no último dia 28 escondido em um sítio em Marechal Floriano, adquirido por R$ 280 mil em dinheiro em espécie, expôs um cirúrgico trabalho de inteligência, ao derrubar um dos cabeças do tráfico em Andorinhas.

Mas a dificuldade é desestabilizar esses grupos definitivamente, extinguindo a capacidade de regeneração que desafia o enfrentamento da violência. Sobretudo por haver uma massa de jovens, sem acesso à educação e a oportunidades, disposta a engrossar os exércitos do crime.

É a população mais pobre a que mais sofre com a violência endêmica, arraigada ao seu cotidiano, enquanto essa guerra se desenrola. Cabe às autoridades policiais o uso organizado da força para impor a lei e a ordem quando a situação sai do controle, e é isso que a Grande Vitória tem testemunhado com mais frequência nos últimos anos. Mas é preciso também olhar adiante, projetando um futuro para essas pessoas que não têm como escapar da violência nos bairros em que vivem. 

A sociedade civil e os poderes estabelecidos, em todas as esferas, têm um papel fundamental nessa jornada, de fazer o poder público se estabelecer efetivamente nessas localidades dominadas pelo tráfico. A insegurança e o medo são vizinhos que precisam ser despejados, o que só ocorrerá  com uma reconstrução cívica que passa por educação, saúde, organização urbana, lazer e acesso a oportunidades. As imagens de bandidos empunhando armas e atirando para o alto merecem mais que o repúdio das autoridades, mas um choque de ordem e civilidade.

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