Instituições democráticas são mais fortes do que ataques e xingamentos

Bolsonaro coloca em xeque quase 30 anos de eleições realizadas com lisura, com contestações legais aceitas, nas quais ele próprio foi eleito como parlamentar e como presidente

Publicado em 07/08/2021 às 02h00
Presidente
O presidente Jair Bolsonaro. Crédito: Alan Santos/PR

Desde a quinta-feira (29) da semana passada, quando o presidente Jair Bolsonaro, após muito estardalhaço, admitiu não ter provas de fraude nas urnas eletrônicas, o frenesi em torno do tema não se amainou. Pelo contrário, a elevação do tom de suas ameaças às eleições de 2022 e dos ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal fez disparar o alarme das instituições democráticas. Nesta sexta-feira (6), Bolsonaro chegou ao inadmissível ponto de chamar o ministro Luís Roberto Barroso, que preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de "filho da p***".

Mesmo que o contexto do registro desse xingamento tenha sido de informalidade, a falta de decoro do presidente em circunstâncias nas quais se sente amparado por seus apoiadores não é nenhuma novidade. A menção desrespeitosa ao ministro, para aqueles que permanecem embarcados no bolsonarismo, faz parte da tal "autenticidade" do presidente.

Para quem segue os parâmetros da civilidade, Bolsonaro é apenas um presidente despreparado para a liturgia do cargo, sem que repita essa postura "autêntica" diante das pressões políticas. O sequestro de seu governo pelo Centrão está aí para confirmar isso. E é preciso reforçar que qualquer outro membro ou líder de Poder que agisse com tamanha leviandade também seria alvo de duras reprimendas públicas. 

Bolsonaro tem se alimentado da reação de seus apoiadores mais fiéis, e não se pode negar que as manifestações do último domingo em várias capitais do país foram combustível para uma semana tumultuada, de insistência em uma pauta descabida diante de tantos problemas maiores, mas ideologicamente alimentada, enquanto o país segue enfrentando uma pandemia, sem um empenho visível para a recuperação econômica. Dois pontos que deveriam ser centrais para o governo. 

PEC do voto impresso foi rejeitada na quinta-feira (5) por 23 votos a 11 na comissão especial da Câmara, mas vai ressurgir das cinzas para ser votada no plenário por uma estratégia do presidente da Casa, Artur Lira. Sua justificativa é que o escrutínio dos 513 deputados (são necessários 308 votos para a aprovação de uma emenda à Constituição) vai ajudar a pacificar a questão que, segundo ele, divide o país. 

Uma pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT), divulgada em julho, demonstrou que 63,7% da população acredita na transparência e na segurança das urnas eletrônicas. Já o Instituto Ideia Big Data aponta que o percentual de pessoas que “confiam muito” na urna eletrônica caiu de 42% em outubro de 2018 para 27% em maio deste ano. Como vivemos tempos insólitos demais, é possível que a votação na Câmara ajude a dissipar as nuvens da desconfiança. Ou carregá-las ainda mais. O risco é alto. Ironicamente, a votação da PEC será eletrônica.

O que não justifica que um presidente imponha a sua vontade, colocando como refém o pleito de 2022. São arroubos golpistas que, mesmo que só no discurso, podem ser capazes de tumultuar o processo democrático. Os Estados Unidos viveram a mesma situação no ano passado, e as instituições democráticas foram o contrapeso aos devaneios de quem ocupava a Casa Branca e não abria mão do poder, colocando-se acima da supremacia do voto.

Bolsonaro coloca em xeque quase 30 anos de eleições realizadas com lisura, com contestações legais aceitas, nas quais ele próprio foi eleito como parlamentar e como presidente. É esse nível de contrassenso que atualmente prioriza a agenda do país.

A sociedade civil e as instituições se impuseram publicamente nesta semana caótica. Um manifesto assinado por mais de 250 acadêmicos, empresários, intelectuais, políticos, banqueiros e artistas pediu a garantia da realização das eleições de 2022. E todos os 15 ex-presidentes do TSE desde a promulgação da Constituição de 1988, em uma manifestação conjunta inédita, divulgaram nota em defesa da lisura e da segurança do atual formato das eleições brasileiras.

Bolsonaro não vai mudar e adotar uma postura mais republicana.  Já soma sete investigações abertas contra ele no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no Supremo Tribunal Federal (STF), com a recente inclusão do chefe do Executivo no inquérito das fake news. Sua estratégia de defesa é o ataque, cada vez mais personalizado: deixou de atacar o Supremo para apontar a mira individualmente aos ministros. Barroso é a bola da vez. Assim, recebe os aplausos de sua base mais conservadora. A reação institucional, contudo, continua sendo um obstáculo para suas pretensões autoritárias.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Jair Bolsonaro STF STF TSE luis roberto barroso

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.