Fim de manicômios judiciais: o risco de o país embarcar na nau dos insensatos

Faltam ajustes na lei, ou uma legislação que acompanhe a mudança, e esse é um papel que só pode ser cumprido pelo Congresso

Publicado em 15/04/2024 às 01h00
Manicômio Judiciário
Unidade de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (UCTP), em Cariacica Sede. Crédito: Fernando Madeira

Na alegoria da nau dos insensatos, os segregados da sociedade, sobretudo aqueles nas condições mentais então caracterizadas como loucura, eram embarcados em navios a vagar sem rumo pelos mares. Para o filósofo francês Michel Foucault, essa imagem, tão presente na cultura ocidental a partir do século XV, era a própria representação da internação compulsória, da qual o pensador era crítico.

Este ano de 2024,  pela Resolução 487 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), assinada em fevereiro do ano passado, será marcado pelo fim dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico em todo o país. O Poder Judiciário cumpre assim os efeitos da Lei Antimanicomial de 2001, que pôs fim ao isolamento dos pacientes em unidades psiquiátricas, para dar a eles tratamento digno e possibilitar o retorno ao convívio social.

No caso do Espírito Santo, como foi noticiado na coluna de Vilmara Fernandes na semana passada, o prazo para o fechamento do  manicômio judiciário, cujo nome oficial é Unidade de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (UCTP) do Espírito Santo, será  o próximo dia 28 de agosto. Serão 57 pacientes soltos.

Mas não sem um dilema: se de um lado a lei determina que não haverá mais internação judicial às pessoas consideradas inimputáveis que cometeram crimes, do outro não está claro qual deverá ser o tratamento dado àquelas que não têm condições de retornar ao convívio social. No Espírito Santo, há três casos críticos, de pacientes que cometeram homicídios, agressões sexuais e canibalismo.

De acordo com o juiz José Augusto de Farias,  coordenador das Varas Criminais e de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), a condição de saúde mental desses pacientes é grave, com elevado risco de que voltem a cometer crimes. O destino desses pacientes de forma a garantir a segurança da população, segundo o juiz, ainda está sendo definido, mas uma possibilidade é que os mais perigosos fiquem internados em um hospital-geral. Há muitas dúvidas e poucas certezas.

E é justamente esse o ponto nevrálgico: como se toma uma decisão tão crucial quanto essa sem definir o que será feito não só dos pacientes considerados perigosos entre os 57 que serão soltos no Estado, como também dos casos futuros? Faltam ajustes na lei, ou uma legislação que acompanhe a mudança, e esse é um papel que só pode ser cumprido pelo Congresso. Em março, o Senado parece ter se atentado para essa bomba-relógio, com o fim dos manicômios sendo sugerido como pauta da Comissão de Segurança Pública (CSP)

A sociedade precisa se movimentar por uma solução, que só pode vir dos deputados e senadores eleitos por ela. Nâo há sensatez alguma em simplesmente fechar as portas dessas instituições, deixando tanto os internos quanto a própria população desprotegidos. É preciso definir o destino desses pacientes considerados perigosos, como o país vai agir a partir de agora diante de casos assim. Ou estaremos todos a bordo de outra nau dos insensatos.

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