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O que a Justiça do ES vai fazer com o canibal após fim do manicômio

Estão sendo estudadas alternativas para acomodação dos internos que representam risco para a sociedade,  para que tenham tratamento adequado, longe do rito prisional

Vitória
Publicado em 12/04/2024 às 05h00
Fim do manicômio
Crédito: Arte - Geraldo neto

O destino de alguns internos do manicômio judiciário, nome popular da Unidade de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (UCTP) do Espírito Santo, tem preocupado os magistrados capixabas que precisam promover o fechamento do espaço, cumprindo o que estabelece resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Há dúvidas sobre onde acomodar aqueles que não têm condições de voltar ao convívio social e, ainda, o que fazer para que não representem um risco à população. No Estado, cerca de dez pacientes  estão nesta condição. Três deles são considerados casos críticos, como o de um homicida, um agressor sexual e um canibal.

São pessoas, relata o juiz José Augusto de Farias, que possuem uma condição de saúde mental grave, com elevado risco de que voltem a cometer crimes. “Eles não têm recuperação, nunca vão poder sair da internação. Temos um canibal que, se voltar para a rua, vai voltar a matar e comer carne humana; um agressor sexual que vai voltar a estuprar; um homicida que vai matar. É um problema seríssimo”, assinala.

Farias é coordenador das Varas Criminais e de Execuções Penais do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). Junto com o desembargador Eder Pontes, conduz os trabalhos que envolvem o fechamento do manicômio, em parceria com as secretarias de Estado da Justiça, da Saúde e de Ação Social.

Como a coluna antecipou, a UCTP será fechada até o próximo dia 28 de agosto, cumprindo  a Resolução 487 do CNJ. No local estavam 57 pacientes, mas dois foram liberados. Eles cumprem medida de segurança com internação judicial, sanção aplicada a pessoas que não podem ser punidas com a prisão. Laudos médicos apontaram que eles não tinham consciência dos atos cometidos em crimes como homicídio, infanticídio e até canibalismo. 

Em entrevista, o juiz afirma que estão sendo buscadas alternativas para garantir que a proposta da resolução, que visa dar aos pacientes uma vida fora dos ritos de prisão, possa ser feita, mas garantindo ainda segurança à população. Confira abaixo as medidas que estão sendo planejadas:

O que mais preocupa os magistrados no cumprimento da Resolução 487?

São os antissociais, os pacientes que não têm recuperação, que não conseguem voltar ao convívio social e que representam um risco para a sociedade. É um problema seríssimo, que preocupa muito os magistrados, porque sabemos da responsabilidade de colocar na rua uma pessoa que, após liberada, pode matar uma criança, um pai de família em uma praça, em um shopping.

Temos muitos casos?

A informação que recebemos é de que são menos de dez, mas temos três casos muito críticos. Um canibal que, se for para a rua, vai cometer novos delitos, vai matar, vai comer carne humana. Um agressor sexual que vai atacar mulheres, estuprar; e um homicida.  São pessoas que não têm recuperação, e que exigem um posicionamento diferente em relação a elas. Nós estamos tentando criar mecanismos, dentro da resolução, que possam garantir o cuidado com o paciente e, ao mesmo tempo, a segurança da sociedade. Sou juiz há 30 anos em varas criminais e, sinceramente, nunca tinha vivido uma situação como esta, e que tem me tirado o sono. Eu tenho filhos, netas, e quero que fiquem tranquilos para circular pelas cidades. Mas tenho certeza que vamos conseguir uma forma de proteger a sociedade.

Qual será o destino dos internos com grau maior de periculosidade?

Então, assim como os demais internos, eles serão transferidos para a Secretaria de Saúde. Mas a proposta é que os mais perigosos, como o canibal, permaneçam internados em um hospital geral. Eles não vão poder sair de lá, nunca. Vão receber o tratamento adequado, com acompanhamento médico, dentro de um hospital, em uma área fechada, mas sem grades. Vão ser monitorados de forma mais incisiva.

O senhor aponta que são pessoas perigosas, mas em um hospital não haverá a atuação da Polícia Penal.

Não, mas vão ter seguranças do lado de fora, no entorno. Haverá um acompanhamento médico com mais rigor. A informação que recebemos é de que a Secretaria da Saúde está tentando firmar um convênio com algum hospital para que se tenha uma ala destinada aos pacientes que estão em condição de medida de segurança e que demandam uma internação.

E os demais internos, que não são tão perigosos?

Há os que vão voltar para as famílias. Mas temos pessoas que os familiares se recusam a recebê-los, apontam que o problema é do Estado. São casos que vão ser encaminhados a projetos terapêuticos, que a Secretaria de Ação Social vai encaixar em algum projeto para que possam viver junto da sociedade, com uma vida próxima ao normal. Serão acompanhados por médicos da rede pública, pelo Judiciário e pelo Ministério Público. O artigo 13º da Resolução 487 é bem claro. Temos que atuar para que nenhuma pessoa com transtorno mental seja mantida em unidade prisional.

O senhor disse que está sendo necessário fazer adaptações para que a Resolução do CNJ possa ser cumprida.

No texto da resolução há pontos obscuros e estamos endurecendo um pouco mais com os recursos do Código Penal. Por exemplo, uma pessoa foi desinternada, encaminhada para tratamento ambulatorial e pouco depois volta a ter problemas, a reincidir. Pela resolução, uma vez cessada a periculosidade da internação, a pessoa seguiria em liberdade. Mas nós vamos trabalhar com regressão, ou seja, teve uma crise, voltará a ser internado e irá iniciar um novo ciclo. Terá que passar por avaliações médicas, sendo monitorado pelo juiz da execução penal, até alcançar novamente a desinternação.

Com a mudança, o médico poderá dar alta ao paciente?

A resolução permite, mas a nossa proposta é que a desinternação só ocorra com autorização do juiz. O interno vai para o tratamento ambulatorial, onde vai passar um ano tendo acompanhamento mensal, onde será verificado o comportamento dele, se está tomando as medicações, se não teve nenhuma intercorrência. Se foram cumpridas as exigências, o juiz pode extinguir a punibilidade e arquivar o processo. Mas, se tiver uma recaída, volta para a internação e refaz todo o caminho.

Desde fevereiro, a UCTP não pode receber internações. O que tem sido feito com os casos novos que a Justiça estadual recebe?

Foram poucos casos desde fevereiro, cerca de três ou quatro. São pessoas que ainda estão soltas. Foi instaurado o incidente de insanidade mental. Elas vão fazer os exames e, culminando em uma decisão de internação, a orientação é encaminhar para a Secretaria de Saúde, que, em caráter de emergência, vai ter que fazer a contratação de um leito e cuidar da pessoa. Mas não são pacientes perigosos, casos preocupantes. Salvo engano eles já estão até internados.

A unidade será fechada até o dia 28 de agosto?

O prazo é fatal e será cumprido. Os magistrados, como eu, somos contrários ao fechamento da UCTP, mas o Judiciário está aqui para cumprir as leis. A nossa unidade, no passado, era muito ruim, mas hoje é um exemplo no país. Tem uma equipe multiprofissional que oferece um atendimento muito bom aos internos.

E a Secretaria de Saúde terá vagas para assumir estes pacientes?

Estão buscando alternativas para absorver estas pessoas. A dificuldade maior, neste primeiro momento, é formar uma equipe multidisciplinar, com psiquiatras, clínicos, psicólogos, entre outros profissionais, para cuidar deles. A proposta é que tenha uma equipe nas regiões Norte, Sul e Grande Vitória preparadas para o retorno destes pacientes quando saírem da custódia penal. Mas os municípios também serão envolvidos, porque eles vão voltar para as suas cidades e vão ser cuidados na rede municipal, onde receberão acompanhamento médico, a medicação, vão ter que enviar para os juízes os relatórios sobre a situação de cada um deles. Todos precisam participar.

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