Crise energética prevista para 2021 não pode repetir os erros de 2001

O governo federal tem desde já um compromisso com a contingência no enfrentamento de mais essa crise. A busca de soluções técnicas já se coloca como prioridade

Publicado em 16/06/2021 às 02h00
Hidrelétrica
Foz do Iguaçu/PR - Barragem da Hidrelétrica de Itaipu no rio Paraná, entre o Brasil e o Paraguai. Crédito: Caio Coronel/Itaipu Binacional

Vinte anos após a maior crise de racionamento de energia do país, episódio até hoje lembrado como o "apagão de 2001" por seus blecautes programados, o Brasil se vê as voltas com uma crise hídrica que pode tomar as mesmas proporções, ameaçando o fornecimento de energia no segundo semestre deste ano. No Espírito Santo, os impactos da estiagem prevista para o país, sobretudo nos Estados que concentram a produção de energia, devem ser menores, já que  o volume de chuvas tem permanecido dentro da média esperada, segundo o Instituto de Assistência Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper).

Contudo, mesmo que a seca não afete diretamente o Estado no nível ambiental, os efeitos deverão ser sentidos no bolso e no comportamento dos consumidores, com a energia mais cara e o risco de racionamento.

E a iminência de uma redução compulsória no consumo energético terá impacto econômico, porque deverá contar primordialmente com a adesão dos setores produtivos, sobretudo a indústria e o agronegócio no Estado. Uma péssima notícia para o contexto da retomada, aguardada com mais ênfase no segundo semestre com o arrefecimento da pandemia a partir da maior cobertura vacinal da população.

No horizonte de um racionamento, o encarecimento da produção com os valores mais altos de energia e a possibilidade de interrupção produtiva empurram o reaquecimento econômico para mais longe, atrasando a retomada do emprego e achatando o potencial de crescimento do PIB local.

Com essas perspectivas, o governo federal tem desde já um compromisso com a contingência no enfrentamento de mais essa crise. A busca de soluções técnicas já se coloca como prioridade. E deve também começar  a atuar com transparência, deixando a sociedade a par de sua dimensão. Na semana passada, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) soltou uma nota na qual afirmava que “considerando-se as previsões de afluência obtidas com a chuva de 2020, prevê-se a perda do controle hidráulico de reservatórios do Rio Paraná no segundo semestre de 2021”.

No comunicado direcionado à Agência Nacional das Águas (ANA), o ONS emitiu um alerta de que os reservatórios de oito usinas hidrelétricas instaladas no Sudeste brasileiro devem ficar perto de um colapso até 30 de novembro. Mas posteriormente enviou outra nota, na qual amenizou o tom: "Diversas medidas foram aprovadas pelo Comitê de Monitoramento Elétrico, e já estão em curso, o que faz com que esse cenário não se concretize". Essas ambiguidades de discurso, em um momento crítico, não podem existir.

No último sábado, notícia publicada pelo Estadão Conteúdo antecipou que o Planalto prepara uma Medida Provisória para instituir um comitê que pode prever "programa de racionalização compulsória do consumo de energia elétrica" e estabelecer o programa prioritário de termeletricidade. A MP também cria a Câmara de Regras Operacionais Excepcionais para Usinas Hidrelétricas (Care), que poderá determinar mudanças na vazão das hidrelétricas sem aval de agentes, Estados, municípios e de órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Agência Nacional de Águas (ANA).

E, nesta segunda-feira (14), o Ministério de Minas e Energia se reuniu com grandes consumidores para começar a colocar em ação o programa de deslocamento do consumo de energia nos horários de pico, com incentivos na conta de luz, como descontos na tarifa ou créditos futuros. A intenção do ministério é que já saia do papel em julho, após arranjos técnicos e jurídicos.

A crise hídrica é multidimensional: tem impacto sobre a produção de energia, afeta o abastecimento de água. É resultado de alterações no padrão de precipitação nas bacias de geração hídrica, por características ambientais globais. A notícia de que o Tupã, um supercomputador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), pode ser desligado pela primeira vez na história em agosto é preocupante nesse cenário, que exige monitoramento contínuo. O motivo do desligamento é o corte de verbas do órgão. O Tupã é o responsável por fornecer dados sobre tempo e clima no Brasil.

A crise de 2021 ameaça repetir a de 2001, mas é justo mostrar que o setor energético teve avanços consideráveis nesses 20 anos. A matriz energética é mais diversificada, com menor dependência hidrelétrica do que na época. Houve ampliação nas redes de transmissão. Mas ainda falta um projeto energético mais conectado com energias limpas no país.

Um possível racionamento em 2021 vai encontrar um país abalado por uma pandemia e impaciente. Em 2001, o governo federal foi acusado de ter ignorado os sinais do colapso, e houve uso político da crise. Em 2021, esses sinais já estão ironicamente bem iluminados. Que o erro não se repita.

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