Caso de estupro no ES reforça o quanto redes sociais podem ser perversas

Ao expor a vítima, Sara "Winter" Giromini passou por cima da dignidade da criança como um trator, reciclando a estratégia de mobilizar os militantes digitais

Publicado em 18/08/2020 às 06h00
Atualizado em 19/08/2020 às 11h54
Sara Winter é ativista pró-Bolsonaro e participa de um grupo autointitulado
Sara Winter participa de um grupo autointitulado "300 do Brasil" . Crédito: Reprodução / Instagram

Pense na barbaridade que é uma menina de dez anos de idade passar quase metade de sua vida sofrendo violência sexual dentro do próprio ambiente familiar. Pense na tragédia que é uma gravidez resultante do estupro recorrente, com o próprio tio como algoz. Não bastasse tamanha tortura, a exposição pública da vítima no momento mais difícil de sua vida tem potencial para perpetuar essa dor, por negar à menina a oportunidade de um recomeço menos traumático.

A verdade é que não estão dando trégua para essa criança de São Mateus. Mais uma vez, trava-se uma guerra ideológica no país, agora em torno da interrupção da gravidez.

Mesmo que o aborto nessas circunstâncias esteja amparado pela lei, e no caso específico teve decisão judicial favorável, ainda persiste em cada cidadão do país o direito a suas convicções, contrárias ou favoráveis. Não há o que se questionar quanto a isso. Mas jogar a criança aos leões, como acabou acontecendo, para defender as próprias crenças é mais que uma desumanidade: é crime.

Sara Giromini, cujo nome de guerra é Sara Winter, conseguiu mais uma vez os holofotes. A extremista foi responsável por expôr o nome da menina nas redes sociais e o hospital onde o procedimento acabou sendo realizado, no Recife. Na defesa da sua causa antiaborto, passou por cima da dignidade da criança como um trator, reciclando a estratégia de mobilizar os militantes digitais a irem para a rua.

Acabou violando o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao contribuir para a estigmatização da jovem. No âmbito penal, especialistas acreditam que ela também pode responder por constrangimento ilegal e incitação de crime, ao expor os médicos do hospital.

O mau uso das redes sociais também fica mais uma vez exposto. Da articulação de robôs à mobilização mais orgânica, a irresponsabilidade de expor uma criança nessa situação de vulnerabilidade e colocar em risco a integridade física de profissionais de saúde envolvidos é a mesma. Todos os meios de comunicação devem respeitar a legislação em vigor, o ECA precisa ser também um balizador para quem se comunica nas redes sociais. Mas como?

As gigantes de tecnologia como Facebook, Google e Twitter se tornaram transnacionais que precisam cuidar do conteúdo de acordo com as legislações regionais. Não é censura prévia, mas a possibilidade de punir quem comete crimes para que se tornem relevantes e públicos os limites legais do que pode ser postado. É preciso que as companhias se responsabilizem e busquem formas de conter o uso impróprio e nocivo do seu ambiente, como ocorre também com a disseminação de fake news. 

A preservação da privacidade da vítima é inquestionável porque ela já enfrentará percalços demais até se recuperar de uma situação tão traumática. Não se deve personalizar quem passou por estupro seguido de uma gravidez interrompida, o estigma social é só um dos inúmeros problemas a serem enfrentados. Acompanhamento psicológico será uma necessidade.

No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde tabulados pela BBC News Brasil, são registrados ao menos seis abortos por dia em meninas de 10 a 14 anos vítimas de estupros. É a ponta do iceberg dessa violência brutal e absurda, cujas vítimas precisam ser protegidas, acima de tudo e de todos.

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