Bolsonaro nega a política, mas cede à politicagem

Na campanha, o mantra era acabar com a corrupção e com o toma lá, dá cá. Agora  presidente aproxima-se do Centrão e de políticos condenados, com a entrega de cargos e verbas em troca de apoio no Congresso Nacional

Publicado em 06/06/2020 às 06h00
Atualizado em 06/06/2020 às 06h00
Presidente Jair Bolsonaro durante reunião com deputados e empresários
Presidente Jair Bolsonaro durante reunião com deputados e empresários. Crédito: Marcos Corrêa/PR

O presidente Jair Bolsonaro tem repetido à exaustão, para criticar as medidas de isolamento adotadas por Estados e municípios, que o efeito colateral não pode ser mais danoso que o próprio remédio. A máxima da sabedoria popular também pode ser encaixada à perfeição na aproximação do governo federal com partidos do Centrão, com a entrega de cargos e verbas a esses neoaliados em troca de apoio no Congresso Nacional.

A diferença entre negociação e negociata, assim como entre medicamento e veneno, está na dose. Acordos, costuras e tratados diplomáticos para a resolução de conflitos fazem parte do jogo político. Em um presidencialismo de coalizão, tais práticas são não apenas aceitáveis, como imprescindíveis para a democracia. O chefe do Executivo precisa de base parlamentar para aprovar medidas de interesse ao país.

O problema é que Bolsonaro pulou de oito para oitenta. Se enquanto candidato à Presidência seu mantra era acabar com a velha política, dinamitar o espúrio toma lá, dá cá, agora entrega-se ao fisiologismo. Das promessas de campanha à gestão, está o abismo entre o discurso de combate à corrupção e a teia dos pactos com políticos sentenciados.

A guinada é tão vertiginosa que tem recebido acusações de estelionato eleitoral. No começo do mandato, até tentou uma inédita negociação com bancadas temáticas, em vez do diálogo com partidos. Mas tão logo viu-se ameaçado pelo impeachment, buscou refúgio no consórcio de legendas clientelistas.

Entregou o comando do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação a Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe do gabinete do senador Ciro Nogueira, do Progressistas, partido que teve políticos condenados no escândalo do mensalão e investigados na Lava Jato. Cobiçadíssimo, o cargo é responsável por gerir mais de R$ 50 bilhões em recursos.

Já o indicado do PTB de Roberto Jefferson para a presidir o Banco do Nordeste, Alexandre Borges Cabral, não durou 24 horas no posto. Foi destituído tão logo veio à tona um processo que apura irregularidades na Casa da Moeda, no período em que Cabral esteve à frente da estatal. Outros favores foram selados com o PSD e mais estão sobre o balcão de negociações.

Bolsonaro não assume o namoro e, pior, dá sinais trocados. Enquanto barganha com figuras nada republicanas, grita na porta do Planalto que “não queremos negociar nada”. Cede à politicagem, ao mesmo tempo em que seus ataques constantes ao Congresso demonizam a política, a boa política, que constrói pontes entre as diferenças. Basta ver nos também frequentes conflitos com governadores e prefeitos sua negação à conversa com lideranças.

Fustigado por críticas e processos, Bolsonaro recorre ao lado sombrio da força, estratégia reprovada por 67% dos brasileiros, segundo o Datafolha. O arranjo, no entanto, é volátil. O Centrão que se manteve fiel a Lula com o pago do mensalão desembarcou em massa do governo Dilma apenas uma semana antes da votação do impedimento. Sem bandeiras claras nem colorações partidárias, esse aglomerado sistêmico é conhecido por balançar ao sabor dos ventos da conveniência. Bolsonaro pode e deve alinhavar pactos para dar rumo ao país, mas não tem carta branca para praticar escambo eleitoreiro. A diferença está na dose. E ela não é sutil.

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