Publicado em 3 de maio de 2020 às 17:26
Pragmático e sem ideologia, o Centrão é um fenômeno do vício governista que sobrevive às mudanças na história política do país. O grupo de partidos demonizado em manifestações de rua de 2013 a 2018 e, num período mais recente, por redes sociais bolsonaristas, é agora um convidado ilustre das negociações no Palácio do Planalto.>
Visto como fiador da estabilidade em qualquer governo, o bloco informal da Câmara flutua ao sabor das ondas e conveniências da política. O "núcleo duro" do Centrão é formado por Progressistas, Republicanos, PL, PSD, Solidariedade, PTB e DEM, embora Rodrigo Maia (RJ), que comanda a Câmara e é filiado ao partido, esteja em rota de colisão com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).>
O MDB, por sua vez, é um "aliado irmão" do bloco. Bolsonaro mantém, ainda, conversas avulsas com integrantes de legendas menores, que orbitam como satélites do Centrão. Estima-se que o grupo reúna, atualmente, pelo menos 200 dos 513 deputados. Cálculos dos próprios partidos indicam que a taxa de governismo do Centrão, hoje, está em torno de 90%.>
O Centrão da vez é o de políticos com histórico de traições e demonstrações de "toma lá dá cá". Nele estão tanto o presidente do PSD, Gilberto Kassab - que num mesmo dia teve conversas políticas com Bolsonaro e com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), de quem é secretário licenciado da Casa Civil -, como o senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI). Kassab nega fazer parte do grupo. No dia da votação do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, Ciro tomou café com a presidente e, horas depois, apoiou o afastamento dela.>
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Integrantes do bloco dificilmente se identificam com agendas ideológicas. O apetite por cargos do governo e o interesse em ver atendidas reivindicações em defesa de grupos econômicos ou prefeituras de grotões são marcas de suas identidades.>
Quando era deputado federal, Bolsonaro fez carreira no Centrão. Ao longo de sete mandatos na Câmara, ele adotava um discurso quase exclusivo da classe militar, longe de ideologias, e passou por alguns dos partidos do grupo que hoje pode servir de esteio para sua sobrevivência no Planalto. Foi do PTB, PFL (atual DEM) e PP (hoje Progressistas). Neste último, permaneceu 11 anos, sem contar o início da trajetória parlamentar nos extintos PDC, PPR e PPB, que deram origem à sigla.>
O bloco atua por excelência na defesa do lobby de bancos e grandes grupos econômicos, mas é na condição de "despachante" de prefeituras do interior que ele enfrenta mais críticas. Casos de negociatas envolvendo seus integrantes ocorrem tanto no serviço para grandes empreiteiras como para prefeitos sem influência. >
Além disso, o Centrão é cria da concentração de recursos pela União. Num país onde todos os setores querem abocanhar ao máximo o dinheiro público, o bloco tem entre suas missões ajudar municípios carentes a fisgar parcerias com o governo federal.>
Maiorias de posições de centro, pragmáticas e governistas, sempre deram as cartas no Parlamento. Eleito presidente da República pelo Colégio Eleitoral, em 1985, Tancredo Neves admitiu certa vez que o PSD, um de seus partidos, adotava a política dos conchavos entre os anos 1940 e 1960. "Entre a Bíblia e O Capital (livro de Karl Marx), o PSD fica com o Diário Oficial", disse ele.>
O nome Centrão, no entanto, só vingou no tempo da Constituinte, em 1987 e 1988, quando um grupo de parlamentares voltados para o mercado financeiro, o agronegócio e os municípios decidiu buscar poder num caminho do meio entre progressistas e conservadores.>
Recentemente, recebeu a denominação de "velha política". Na Constituinte de 1988, uma ala do PMDB (atual MDB) que queria pressa no atendimento de suas reivindicações - e não se identificava nem com os progressistas liderados por Fernando Henrique Cardoso e Mário Covas, nem com os conservadores - buscou vida própria. >
O presidente José Sarney aproveitou a aproximação do grupo e garantiu cinco anos de mandato numa relação com o Congresso marcada pela famosa frase do ex-ministro Roberto Cardoso Alves (SP), um dos primeiros líderes do Centrão: "É dando que se recebe". Retirada da oração de São Francisco de Assis, a frase virou a senha do fisiologismo.>
Os integrantes originais do bloco pertenciam, em sua maioria, a partidos como PFL (atual DEM), PDS (hoje Progressistas), PMDB, PTB e PDC. Por afinidades e nacos do governo, parte do grupo deu suporte a Sarney e nunca mais se desgrudou do Planalto.>
A última megabancada de um partido do Centrão foi eleita em 1998 pelo PFL, com 105 deputados. Era o auge do carlismo, grupo do ex-senador e ex-governador baiano Antônio Carlos Magalhães, presidente do Senado. Na Câmara, o Centrão ainda viveria alguns relances de poder, como a eleição em 2005 do baixo clero, simbolizado pela presidência do ex-deputado Severino Cavalcanti (PP-PE). >
O grupo derrotou o Planalto por divisões no PT do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas uma sequência de escândalos de corrupção, com destaque para o mensalão, em 2004 e 2005, e a Operação Lava Jato, entre 2014 e 2018, atingiu não apenas o PT como partidos do Centrão - entre eles, o mais impactado foi o PP.>
O Centrão ganhou mais musculatura em 2015, quando o então deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) foi eleito presidente da Câmara no primeiro turno, derrotando o petista Arlindo Chinaglia (SP), nome bancado pelo Planalto. Cunha conseguiu reunir insatisfeitos da base aliada do governo de Dilma Rousseff e especialmente de seu partido, o MDB, que tinha o vice Michel Temer. Ele agregou, ainda, o PSC do pastor Everaldo, o PP de Arthur Lira (AL) e parte considerável das bancadas do agronegócio, evangélica e das armas.>
No comando da Câmara, Cunha apresentou pautas "bombas" contra o governo e abriu o processo de impeachment de Dilma. A queda do deputado, preso no âmbito da Operação Lava Jato, não desarticulou o bloco por completo, mas iniciou uma disputa por quem seria o seu sucessor.>
Na eleição seguinte para a presidência da Câmara, em 2017, Rodrigo Maia venceu como "independente" com o DEM, PSDB, PPS e PSB, além de aliados na esquerda e a simpatia do Planalto. Derrotou Rodrigo Rosso (PSD-DF), candidato de Cunha.>
Em 2018, o Centrão rejeitou Bolsonaro no primeiro turno e apoiou o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, candidato do PSDB ao Planalto. Derrotado, o bloco se dividiu no segundo turno. Uma ala do PP e do PL ficou com o petista Fernando Haddad, assim como o Solidariedade, enquanto o DEM e o Republicanos declararam apoio a Bolsonaro.>
Com o PT e o PSL no comando das maiores bancadas da Câmara eleitas naquela disputa, os demais partidos se reorganizaram. O novo Centrão, rebatizado de "Blocão", aderiu à reeleição de Maia, em 2019. Ao prever que Arthur Lira (PP-AL), um dos líderes do Centrão, poderia traí-lo, Maia costurou aliança com o PSL de Bolsonaro por meio do ministro da Economia, Paulo Guedes. Houve um acordo com Lira na composição da Mesa, hoje dominada principalmente pelo DEM, Republicanos e PL.>
No capítulo mais recente da história do bloco, Maia brigou com Guedes. O Planalto procurou, então, Lira, Marcos Pereira (Republicanos) e Valdemar Costa Neto, chefe do PL, para conversar. Bolsonaro sempre transitou entre esses três partidos. Em 2018, quase fechou com Valdemar uma aliança com o então senador Magno Malta (ES) para sua chapa à Presidência. Mas até hoje ele diz ser contra a "velha política". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.>
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