Publicado em 21 de maio de 2020 às 12:39
Os pacotes de socorro apresentados pelo governo a grandes setores afetados pela pandemia do novo coronavírus são considerados insuficientes para empresas e entidades de classe. >
Na estratégia de oferecer pacotes setoriais, o governo tenta trazer o setor privado para oferecer instrumentos de mercado às grandes empresas, evitando, assim, questionamentos sobre o uso de recursos públicos subsidiados ou críticas sobre direcionamento da ajuda.>
Até o momento, já foram divulgadas as condições iniciais para os setores aéreo e de energia. O BNDES diz que conversa também com os setores de varejo e automotivo, em bases semelhantes às propostas à aviação.>
Para o setor de energia, a proposta foi elaborada pela área econômica do governo e envolve a concessão de empréstimo às distribuidoras de eletricidade, processo no qual o BNDES deve participar apenas como coordenador.>
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O decreto que cria as bases para o empréstimo foi divulgado na segunda (19). Para empresas do setor, embora avance em relação ao socorro de curto prazo, mantém incertezas sobre a solução de questões como a queda no consumo e o aumento da inadimplência.>
O empréstimo joga para 2021 em diante o pagamento, em parcelas, de itens que encareceriam a conta de luz neste ano, como os impactos da desvalorização cambial na energia de Itaipu, o início das operações de novas linhas de transmissão e o aumento de encargo chamado CDE (Conta de Desenvolvimento Energético).>
Em vez de receberem esses valores adicionais nas tarifas já em 2020, as distribuidoras negociarão entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões com um sindicato de bancos. O crédito resolve o problema de liquidez de curto prazo em um setor que viu o faturamento cair cerca de 30% após o início da pandemia.>
Mas os efeitos da queda do consumo e do aumento da inadimplência só serão discutidos em processos de revisão extraordinária das tarifas de cada empresa, coordenados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), cujos resultados não podem ser antecipados.>
Assim, distribuidoras alegam que não podem se comprometer com as contrapartidas ao empréstimo, entre elas a renúncia a futuras ações judiciais ou a garantia de manter-se adimplentes nos contratos de compra ou transporte de energia, sem maior clareza em relação ao valor total a que terão direito.>
"Vai ficar ainda um valor a ser coberto", diz o presidente da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira. Ele afirma, porém, esperar que as dúvidas sejam saneadas na regulamentação dos termos propostos no decreto.>
Os grandes consumidores de energia veem outro ponto de incerteza, que é relacionado ao pagamento de capacidade, taxa que é cobrada sobre clientes de alta-tensão, mesmo quando não estão consumindo toda a energia contratada.>
O decreto financia a diferença entre o consumido e o efetivamente usado, diz o presidente da Associação Brasileira dos Consumidores de Energia (Abrace), Paulo Pedrosa, mas deixa com a distribuidora o risco de inadimplência por eventual falência de grandes clientes. >
No setor aéreo, o BNDES costurou pacotes de R$ 2 bilhões para cada empresa, que incluem empréstimos e títulos lastreados em ações, com participação de bancos privados. Na prática, o banco de fomento comprará participações em companhias aéreas, segundo confirmou na terça o ministro Paulo Guedes (Economia). >
Num setor com queda na demanda superior a 90%, especialistas veem risco de que as empresas em piores condições financeiras quebrem se não houver socorro adequado. >
"Deve haver socorro maior às empresas aéreas, que são importantes para a economia do país não apenas para o turismo mas em atividades essenciais. É fato que vai haver redução drástica [das atividades] mesmo pós-pandemia", afirma Luiz Roberto Ayoub, desembargador aposentado e sócio do escritório de advocacia PCPC. >
Ayoub, que acompanhou a recuperação judicial da Varig, afirma que propor soluções de mercado no socorro às empresas aéreas pode dificultar o acesso a crédito. "Não é fácil as empresas irem a mercado para captar. O BNDES deveria abrir o caixa mesmo", afirma. >
"Com a redução natural e abrupta do faturamento, essas empresas terão de recorrer a instrumentos como recuperação judicial", afirma. >
Nos EUA, a ajuda ao setor foi de US$ 25 bilhões (R$ 140 bilhões, pela cotação atual) até o momento. Uma das exigências da administração Donald Trump foi que as empresas mantivessem a maior parte dos destinos para os quais voavam antes da pandemia. >
Na Europa, companhias também negociam pacotes de socorro com os governos. Segundo Tom Maes, diretor da Lufthansa para a América do Sul, a companhia chegou a reduzir a oferta de voos a 5% no fim de março. Atualmente, com a redução da curva epidêmica no continente, começa a reativar parte de sua malha. >
Maes diz que a empresa negocia um aporte conjunto com governos da Alemanha e da Suíça de aproximadamente US$ 9 bilhões (cerca de R$ 51 bilhões). Entre as contrapartidas em negociação, está a participação acionária na empresa, por exemplo. >
André Castellini, sócio da consultoria Bain & Company, por outro lado, vê sentido em que o volume de recursos seja menor do que o prejuízo das companhias aéreas brasileiras, ao menos neste momento, o que evita correria de credores em busca dos recursos. >
"Com o caixa reduzido, o recurso será usado para o mais essencial, para manter a operação. É melhor liberar o dinheiro a conta-gotas para evitar gastança", afirma ele. >
O BNDES ainda não divulgou os termos em negociação com o setor automotivo, que praticamente zerou a produção em abril. >
Sabe-se, porém, que os instrumentos serão semelhantes aos do setor aéreo, mas com exigências de que as matrizes no exterior participem do esforço - seja oferecendo garantias, seja buscando recursos. >
Na sexta (15), porém, o presidente do banco estatal, Gustavo Montezano, disse que as empresas já haviam recebido comunicação em conjunto com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e as negociações com as empresas que aceitaram os termos estavam em curso. >
Em entrevista na semana passada, o diretor-executivo da Mercedes-Benz no Brasil disse, porém, que a discussão com os bancos privados e o BNDES "não está fácil". Ele citou a taxa de juros proposta pelos bancos privados como um dos entraves para um acordo. >
Para o vice-presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro, Hélio Ferraz, o governo deveria usar fundos públicos e dar mais garantias do Tesouro em créditos a empresas. >
"Há fundos públicos que poderiam ser usados para alavancar financiamento com garantia do Tesouro. Se depender só do sistema de crédito, não vai responder a essa necessidade [de liquidez das empresas]. Nas empresas menores, com menor estrutura de capital, o risco deveria ser assumido pelo Tesouro", diz. >
Ele defende, ainda, um financiamento de longo prazo para quitação de impostos. "Teria um efeito de retorno ao setor público." >
Castellani pondera, no entanto, que planos de socorro com participação do mercado, como defende o Ministério da Economia, socializam apenas parte dos prejuízos com o contribuinte. "É importante para o país que o setor aéreo não desmonte, mas é importante também que quem investiu com risco pague o fato de que as coisas não deram totalmente certo", diz. >
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