Publicado em 23 de julho de 2020 às 08:13
A ala militar do governo Jair Bolsonaro cogitou burlar as regras do teto de gastos e, pela segunda vez neste ano, foi derrotada. >
Nesta terça-feira (21), a proposta de destinação de parte dos recursos do Fundeb, o fundo que financia a educação básica no país, para o Renda Brasil foi abortada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).>
O governo aceitou o acordo, que, em troca, permitiu que parte do assistencialismo planejado pelo governo fosse realizado pelo investimento em creches.>
Técnicos do Congresso e do Tribunal de Contas da União (TCU) consideraram o plano uma manobra para burlar o teto de gastos, já que os recursos do Fundeb não são computados no cumprimento dessa meta fiscal.>
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A legislação que define o teto determina que o limite de crescimento dos gastos de um ano para o outro é a correção pela inflação do período. Se fosse ampliar a verba orçamentária para o Renda Brasil, novo nome do Bolsa Família, haveria estouro do teto, segundo os técnicos.>
Pouco após a derrota do Fundeb no Congresso, a Casa Civil desistiu de fazer uma consulta ao TCU para saber se o Ministério da Infraestrutura e o do Desenvolvimento Regional poderiam executar obras fazendo seu lançamento na contabilidade como investimento.>
Os investimentos não são considerados despesas e, portanto, também escapariam do teto. Esta é a segunda tentativa do governo de escapar dessa regra.>
No final de abril, já em meio à pandemia, a ala militar do governo, comandada pelo ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, preparou o Plano Pró-Brasil, um conjunto de medidas e de obras para tentar reativar a economia depois da onda do coronavírus.>
O plano foi costurado pelo general com base em propostas apresentadas pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e o da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas.>
O ministro da Economia, Paulo Guedes, só foi informado na reunião ministerial ocorrida no dia do anúncio do plano, no início de junho.>
Guedes considerou a proposta de Marinho uma traição porque seria algo similar ao "PAC da Dilma" e levaria o país a estourar o teto de gastos. Depois do atrito, a equipe econômica passou a fazer parte das discussões.>
No caso das obras da Infraestrutura, chegou-se a um acordo para que fossem realizadas dentro dos limites orçamentários estabelecidos. Haveria um acréscimo de R$ 2 bilhões.>
A proposta de Marinho era ambiciosa porque contemplava mais obras para atender a base política com quem o governo negocia apoio no Congresso.>
Segundo assessores do presidente, as manobras fiscais desta semana se inserem neste contexto. O Planalto ainda tenta encontrar saídas para levar adiante as obras e, assim, concluir a negociação por apoio no Congresso.>
A equipe econômica vinha resistindo. Mas, desta vez, aceitou a manobra no caso do Fundeb como forma de evitar que os recursos fossem destinados ao aumento salarial dos professores.>
Assessores de Guedes consideram que, historicamente, parte desse dinheiro vira reajuste salarial. Mesmo assim, eles afirmam que o ministro continua firme na defesa do teto.>
As duas manobras do governo, no entanto, tiveram custos. Os juros futuros voltaram a subir, uma sinalização de descrédito do mercado em relação à austeridade fiscal do governo.>
Para analistas de mercado ouvidos pela reportagem, um contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 tinha juro projetado de 2,9% na segunda-feira (20). No final desta terça, após as notícias das manobras fiscais, esse título subiu para 3%.>
Outro papel semelhante com vencimento em 2027, passou de 6,3% para 6,4%.>
Nos bastidores, ministros do TCU consideraram as duas medidas - Fundeb e obras - uma afronta à regra do teto. Avaliaram que, neste caso, seria melhor Bolsonaro e Guedes liderarem um movimento junto ao Congresso pela flexibilização do teto.>
Para eles, haveria aumento do endividamento público no momento em que os gastos para tentar conter a pandemia causada pelo coronavírus já atingiram R$ 826 bilhões, valor equivale à economia gerada pela reforma da Previdência, o mais importante esforço fiscal realizado pela gestão Bolsonaro até o momento.>
"Esses dois sinais foram péssimos [Fundeb e consulta ao TCU]", disse Fábio Klein, consultor-sênior da Tendências.>
O analista considera que a inclusão de obras como investimento na contabilidade do governo vinha sendo tratada pela consultoria como uma flexibilização do teto.>
"Antes da pandemia, tivemos a reforma da Previdência, mas ela já se mostrava insuficiente [para conter a expansão de gastos]. As outras reformas foram paralisadas ou mudaram [amenizadas] e a gente só vê uma tendência que sinaliza para mais gastos.">
Para o consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados, Ricardo Volpe, isso não seria um problema se o país fosse como a Alemanha, com poupança interna capaz de sustentar gastos vultosos.>
"Acabar ou flexibilizar o teto significa pôr fim à única regra fiscal que, na prática, está em vigor atualmente", disse Volpe.>
"Repetimos há anos um déficit primário [uma das metas fiscais] e, neste ano, não vamos cumprir novamente a regra de ouro [outra meta].">
O déficit reflete mais gastos que despesas e a regra de ouro, definida por lei, barra a contratação de empréstimos para pagar despesas correntes, como salários de servidores.>
"É o teto que pode segurar essa loucura. Se esse movimento persistir, lá na frente teremos a volta da inflação e juros mais elevados", disse Volpe.>
A Casa Civil informou que não fez consulta ao TCU.>
Em nota, o Ministério da Economia afirmou que não "existe perspectiva ou discussão" que implique alterar o teto dos gastos. "Pelo contrário, o teto vai ser cumprido e observado, pois é a âncora da solidez fiscal do país.">
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