Publicado em 13 de junho de 2022 às 10:35
SÃO PAULO - "O preço informado está fora da variação permitida. Deseja continuar?" O alerta do sistema de coleta de preços da Fundação Getulio Vargas tem aparecido com frequência nos celulares das donas de casa que ajudam a medir a inflação no país. >
O surto inflacionário vivido desde o início de 2021 é visto como uma distorção até mesmo pelas máquinas da fundação. Para as pessoas responsáveis pela coleta, a avaliação não é muito diferente.>
"É bem assustador comparar com outra época, e não estou falando de tanto tempo atrás, e ver o quanto a gente perdeu de poder de compra", afirma Sylvia de Assis Cardoso, funcionária do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).>
Suas informações abastecem indicadores como os IGPs (índices gerais de preços) e o IPC-S (índice de preços ao consumidor), divulgados a cada dez dias. Também vão para o monitor da inflação, coleta diária utilizada pelo mercado financeiro para tentar projetar o IPCA, índice oficial medido pelo IBGE.>
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Sylvia já foi uma das donas de casa autônomas que verificam os preços na cidade do Rio de Janeiro, de 2016 a 2019. Agora, faz a coleta online e por telefone no escritório da Fundação, além de dar suporte às colegas na rua.>
As donas de casa são responsáveis pelos preços em supermercados, pequenos comércios, farmácias, postos de gasolina, entre outros estabelecimentos comerciais. Os funcionários que fazem o trabalho remoto pesquisam itens como passagens aéreas, ônibus intermunicipais e botijão de gás. Dados de notas fiscais complementam o trabalho na FGV.>
A discrepância de preços também dificulta a tarefa dos responsáveis pelo índice de preços ao consumidor da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), afirma Moacir Mokem Yabiku. Ele trabalha com o IPC há mais de 40 anos, desde os tempos em que o levantamento era feito com papel e caneta.>
No caso dos funcionários da Fipe que vão a campo, muitos com experiência anterior ao Plano Real, variações muito grandes demandam a observação "com preço confirmado". É uma forma de destacar que alguns resultados não são erros de digitação, mas refletem a realidade dos 70 mil preços coletados na capital paulista, segundo o técnico.>
Marcelo Pereira, analista técnico que trabalha na equipe do IPC há 30 anos, também destaca a dificuldade maior neste momento. "Com a inflação que estamos vivendo, a tendência é um trabalho redobrado do entrevistador para confirmar aquele preço. Demanda mais trabalho, mais cuidado. E a gente tem de ser mais minucioso com os dados que chegam do campo", afirma.>
Etelvina Ferreira Gonçalves, 73, trabalha há 12 anos como uma das donas de casa que fazem a coleta para a FGV. É responsável por reunir informações de 32 estabelecimentos.>
Entre eles, um hipermercado na zona norte da capital paulista que visita a cada dez dias, sempre às 7h30, para registrar o preço de quase 300 produtos que estão na lista disponibilizada no smartphone.>
Dada a prática e o conhecimento sobre a localização dos produtos, realiza a coleta em cerca de três horas. Com a grande variação de preços verificada na atual onda inflacionária, muitas vezes o sistema rejeita o valor digitado, e é necessário enviar uma foto do anúncio, algo que tem ocorrido com frequência nos últimos tempos.>
Não há um percentual fixo para o alerta. A sinalização é feita de acordo com a série histórica do preço de cada insumo coletado.>
Durante a jornada, Etelvina verifica mudanças no comportamento do consumidor. Poucos levam crianças ao local. Os carrinhos estão mais vazios. Reclamações, mesmo em dia de promoção, são constantes.>
Ela também afirma que as grandes compras foram substituídas por idas mais frequentes ao mercado, para aproveitar as promoções do dia. "A pessoa vinha uma vez por mês e fazia aquela compra grande, não interessava o preço. Hoje, se quiser economizar, tem de vir no dia da feira, no dia da carne...">
O grande número de fotos solicitadas pelo sistema na coleta da última semana --e o fato de ter tido o trabalho acompanhado pela reportagem da Folha-- parecem não ter atrasado muito a entrega das informações.>
Concluído o levantamento, ela permanece ainda algum tempo no hipermercado para esperar a validação dos dados e tirar dúvidas [ou mais fotos], antes de ser liberada pelo pessoal do escritório.>
Antes do mercado, fez o levantamento nos postos de gasolina que estão em sua lista. Diante dos preços dos combustíveis, decide aproveitar a viagem. "Quando ela [supervisora] me liberar, vou fazer minha compra. Porque eu já passei, vi tudo e estou de carro. Assim não gasto outra gasolina.">
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