Acompanhe os bastidores da folia, conheça os personagens que fazem a magia acontecer e descubra curiosidades da festa que enche a ilha de cor e som com Any Cometti, comentarista do Carnaval de Vitória

O povo do samba merece desfilar com segurança

Sambistas se orgulhavam ao dizer, em carnavais anteriores, que não aconteciam incidentes graves de insegurança no Sambão do Povo. Em duas semanas de ensaios técnicos, vimos duas situações graves acontecerem

Vitória
Publicado em 02/02/2023 às 13h42
Trabalhadores empurram carro alegórico da Novo Império no Sambão do Povo, nos desfiles de 2022. Crédito: Fernando Madeira
Trabalhadores empurram carro alegórico da Novo Império no Sambão do Povo, nos desfiles de 2022. Crédito: Fernando Madeira

Em carnavais anteriores, os sambistas capixabas sempre tiveram orgulho de dizer que não aconteciam incidentes graves de segurança pública no Sambão do Povo, durante o Carnaval. Chegávamos a dizer que era besteira de quem pensava que um incidente grave pudesse acontecer naquele espaço, que é sagrado para nós. Até mesmo durante a greve da PM, em 2017, depois de dias de terror, nós fomos para o Sambão e saímos com as escolas, sem que nada acontecesse.

Infelizmente, na quarta-feira (1º), noite de ensaios técnicos, uma confusão seguida de um assassinato aconteceu nos primeiros metros do Sambão do Povo, próximo à área dos camarotes. A vítima foi Pedro Crizanto, de 20 anos. Ninguém deveria ser morto. Muito menos um jovem e em um lugar que é sagrado para o samba.

Além de tirar a vida de Pedro, o crime tirou também a alegria de sambistas de várias comunidades. A MUG se preparava para entrar, e não chegou sequer a pisar na linha amarela. A Imperatriz do Forte ensaiou belissimamente, minutos antes, e teve seu brilho apagado pela violência. Novo Império e Pega no Samba, que ensaiariam na avenida nesta quinta-feira (2), não vão mais.

Eu estava lá. Vimos o início da briga, muita gente correndo — mães com bebês no colo, pais segurando crianças pelas mãos, idosos. Nos escondemos, mais de 10 pessoas, atrás de um poste. Depois, ouvimos o tiro.

Homicídio por arma de fogo ocorrido no Sambão do Povo
Homicídio por arma de fogo ocorrido no Sambão do Povo. Crédito: Vitor Jubini

No meio da confusão, Carlão, locutor oficial da Liga do Grupo Especial (Liesge), pediu que a polícia comparecesse ao local. Nós não vimos nenhuma viatura policial, nem mesmo policiais militares, na área de armação da escola. Apenas guardas municipais cuidavam dos desvios do trânsito no entorno do Sambão.

Pessoas incrédulas passavam por nós, sem entender o que estava acontecendo. Ouvíamos informações desencontradas. Crianças se perderam dos pais. Foi desesperador.

Vale destacar que esse não é o único incidente de segurança que aconteceu no Sambão do Povo, em um intervalo de apenas duas semanas. Na semana passada, um homem assediou mulheres e as ameaçou com uma arma falsa, na concentração do desfile da Andaraí. Ele foi preso. Mas, mesmo assim, não percebemos o policiamento aumentar na região.

Nosso sambódromo é nosso lugar de acolhimento. É onde o sambista se sentia seguro a qualquer hora. Onde escolas inteiras ensaiavam componentes às 3 horas da manhã de um dia de semana, para não revelar segredos. Para onde mães levavam seus bebês — ontem, havia vários deles. Onde crianças desfilam livremente, fantasiadas ou não. Onde idosos se sentem à vontade para ficar sentados em uma caideira de praia, acompanhando os desfiles. Onde famílias confraternizam e torcem por suas agremiações.

Eu frequento o Sambão do Povo desde os meus 12 anos de idade. Minha família sempre considerou o Sambão um local seguro, inclusive para levar crianças e adolescentes, senão não estariamos lá desde tão cedo. Assim como outras crianças que o frequentam desde mais tenra idade. Assim como minha sobrinha, Maria Fernanda, que tem pouco mais de um ano e estava nos braços da mãe, Caroline, quando a confusão desta quarta-feira começou.

Por mais da metade da minha vida eu frequento o Sambão do Povo. Ele é território de memórias incríveis. Onde desfilei em escolas campeãs. Onde toquei em bateria, desfilei em comissão de frente, em grupos de passistas e em inúmeras alas. E onde também realizei meu sonho de trabalhar como repórter em um desfile.

Uma multidão de sambistas se realiza, todos os Carnavais, naquele lugar. São carnavalescos que mostram seus projetos ao público. Diretores de harmonia que medem cada centímetro da escola, para que o desfile dê certo no tempo necessário. Rainhas de baterias, muitas representantes de suas comunidades, que vestem suas melhores roupas para exibir seu samba ancestral. Portas-bandeiras e mestres-salas, que exibem com orgulho o pavilhão que defendem. 

O nosso lugar de alegria se tornou um espaço de apreensão.  Perdi as contas de quantas mensagens incrédulas de amigos recebi na madrugada desta quinta-feira (2). Crescemos ali, realizamos sonhos naquele lugar. É triste que isso tenha acontecido no nosso lugar de realização, de conforto; pelo qual esperamos um ano inteiro para ocupar com festa, dança e sorrisos.

Nos solidarizamos com a família de Pedro Crizanto. Nenhum jovem de 20 anos deveria ser assassinado, muito menos dentro do espaço que é sagrado pelos sambistas.

O povo do samba merece colocar o Carnaval na avenida com segurança. Precisamos proteger a nossa comunidade. E esperamos que medidas sejam tomadas por parte dos órgãos públicos.

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