Dia 31 de agosto de 2015. Era 0h30 quando foi lida a sentença que condenou o coronel da reserva da Polícia Militar Walter Gomes Ferreira a 23 anos de prisão como mandante do assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho.
Em pé, ao seu lado, estava o ex-policial civil Cláudio Luiz Andrade Baptista, o Calu, que se sentou ao ser declarada a sua absolvição das acusações. Encerrava após sete dias o primeiro júri popular que envolvia dois, dos três apontados como responsáveis pelo mando do crime.
Foi utilizado o Teatro da UVV, em Vila Velha, para as mais de 90 horas de trabalho em um júri que a Justiça estadual considerou um dos mais longos. Seis anos depois foi superado, em poucas horas por outro julgamento, o dos acusados pela morte da médica Milena Gottardi, que também aconteceu na quinzena final de agosto.
O Juiz Marcelo Cunha Soares foi indicado para presidir o Tribunal do Júri. Antes de proferir a sentença, ele disse que esperava que o resultado que seria anunciado “pacificasse a sociedade”. Logo depois, leu a oração de São Francisco de Assis.
Nos doze anos anteriores haviam sido realizados outros seis júris onde foram condenadas sete pessoas — executores, intermediários e apoio ao crime —, que já cumpriram suas penas em regime fechado e semiaberto. Entre eles estava Fernandes de Oliveira Reis, o Cabeção, assassinado em junho de 2020.
Ferreira chegou a ser preso meses antes do julgamento por participação em outro crime, mas estava em regime aberto quando enfrentou os jurados. Logo após sua condenação, ele declarou: "O júri me condenou por situações do passado. Fui condenado por outros motivos, mas vou recorrer das acusações". Em seguida, repetiu o que já havia dito no seu interrogatório: “Não mandei matar o juiz”.
Na época, os réus condenados podiam recorrer contra a decisão em liberdade. Em 2017, a 1ª Câmara Criminal do TJ reduziu a pena de Ferreira para 16 anos de reclusão, que ele começou a cumprir no mesmo ano. Os desembargadores decidiram que a parte referente a formação de quadrilha, pelo qual o coronel também foi condenado, estava prescrita.
Alívio
Calu saiu do júri dizendo que estava aliviado: “Deus foi justo”. Após uma década, avalia que a decisão dos jurados restaurou a sua dignidade. “Passei uma década respondendo a esse processo, sendo dois anos de dentro de um presídio, e, no período em que respondia em liberdade, seguia preso, porque o sentimento era o de viver numa prisão sem grades. A pena é individual e personalíssima, mas todos sofreram: meus pais, minha esposa e meus filhos”.
Conta que hoje sua maior felicidade é viver, junto com a família, “fora daquele pesadelo”. “Sempre fui inocente e, mesmo assim, sofri uma pena antecipada. Nesse período, infelizmente, meus pais faleceram, mas pude enterrá-los em paz, algo que não teria sido possível se eu ainda estivesse preso. Também vi minha filha se formar em medicina, um momento que jamais teria vivido se não tivesse sido absolvido”, relata.
Diz não ter dúvidas de que foi o apoio de sua família — pais, esposa, filha —, e de seus advogados, que o ajudou a superar aquele período. “Minha esposa e meus pais sempre foram um pilar durante todo esse período. Ao meu lado, me deram coragem, esperança e nunca deixaram que eu perdesse a fé na justiça. Minha filha, na época criança, sofreu muito preconceito e foi humilhada na escola, a ponto de precisar mudar de colégio para escapar do bullying. Mas eles e meus advogados sempre acreditaram na minha inocência”.
Assinala que hoje o sentimento é de “paz e gratidão pela vida”. “O sistema muitas vezes escolhe uma tese e a leva adiante, mesmo sem provas consistentes. Isso faz inocentes pagarem por crimes que não cometeram, o que é muito triste. No meu caso, tive a chance de provar a verdade. Nem todos tiveram a mesma sorte neste processo. Por isso, só tenho a agradecer: a Deus, à minha família e a todos que confiaram em mim”.
Um de seus advogados, Patrick Berriel, considera que foi uma “vitória da técnica jurídica e da presunção de inocência”. Acrescentou que ela representou “representou o reconhecimento da fragilidade da acusação”.
Ele atuou em conjunto com o criminalista Leonardo Gagno. “A absolvição de Calú foi resultado da análise criteriosa das provas. O júri reconheceu que não havia elementos que sustentassem a acusação. Foi um momento de reafirmação da Justiça e do devido processo legal”, destaca.
O último acusado
Por nota, o Ministério Público do Espírito Santo (MPES) destacou que a condenação de um dos mandantes do homicídio reavivou a memória do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, e da importância que teve para o Estado no combate ao crime organizado.
“O MP irá se empenhar para que a vítima não seja esquecida e a Justiça continue a ser feita neste caso”, informou.
O órgão ministerial se refere ao terceiro denunciado como responsável pelo mando do crime, o juiz aposentado Antônio Leopoldo Teixeira, cujo destino voltou para as mãos dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES).
Até o momento, três deles já manifestaram seu impedimento para atuar como relator do caso, o primeiro passo para que o processo tramite no Pleno.
O advogado de defesa do magistrado, Fabrício Campos, informou que segue seguro e confiante na inocência do juiz aposentado Leopoldo. “Ele foi arrastado para esse processo através de um enredo de acusações infundadas, que se modificaram reiteradas vezes ao longo das investigações, versões que não se sustentavam e que acabaram gerando contra ele um estigma injusto e cruel”.
Acrescenta que assim que for definido o relator do processo junto ao TJ, que irá prosseguir na demonstração da inocência do seu cliente. “E vamos reverter a injustiça que sofreu ao longo desses anos."
Morte na rua
O juiz Alexandre Martins de Castro Filho foi assassinado em frente a uma academia, em Vila Velha, em 24 de março de 2003. Ele foi alvo de disparos de arma de fogo.
O magistrado se destacou na luta contra o crime organizado e a impunidade, foi morto por desvendar, investigar e denunciar uma trama envolvendo múltiplos crimes, incluindo o esquema de venda de sentenças, segundo denúncias apresentadas pelo Ministério Público.
A coluna fez várias tentativas para localizar o advogado que representa o coronel Ferreira, sem sucesso. O espaço segue aberto a sua manifestação.
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